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28/04/2024



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O estranho e inacreditável mundo da Maxixe Machine

 O estranho e inacreditável mundo da Maxixe Machine

O título deste artigo é uma homenagem ao jornalista cultural Luiz Claudio Oliveira, que por tantos anos escreveu brilhantemente na Gazeta do Povo. Em 13/03/2012, ele publicou uma divertida análise da Maxixe Machine, com o título acima, e seguia por esta linha: “A Maxixe Machine é uma banda ótima, mas estranha. O que esperar de um grupo que de punk passou a tocar samba? “Como assim ?”, diriam os mais novos e desinformados e eu respondo: vão se informar. A Maxixe nasceu do Beijo AA Força, uma das primeiras bandas punks de Curitiba. Acontece que nos bares e às vezes até mesmo nos shows, os integrantes do BAAF batucavam um samba de Noel Rosa, ou Assis Valente, ou de outros colegas da velha guarda da música brasileira. Daí montaram um set e para uma nova banda foi um pulo de samba polaco. Com esta genealogia, tudo é possível para o Maxixe, que já gravou sambas antológicos do cancioneiro popular, já fez um filme, Bar Babel, dirigido por Antônio de Freitas, já compôs maravilhas, já lançou um disco infantil, já fez músicas para ícones de Curitiba e até o Oil Man ganhou a sua canção (… ) Um dos segredos do Maxixe Machine é assumir que faz um samba tosco, enviesado, com uma mistura de polka, uma pegada punk (…) Samba com sotaque curitibano. Talvez seja por isso que os componentes da banda são os responsáveis há vários anos por fazer o samba-enredo do Bloco Rancho das Flores, que abre o carnaval curitibano (…) Desde que nasceu, o Maxixe Machine costuma provocar estranhamentos. Felizmente. Afinal, arte é estranhamento, não é acomodação.”

 

Na verdade, este gosto por sambas da velha guarda já existia em nosso grupo de compositores antes mesmo da criação da Contrabanda. Adorávamos ouvir Nelson Cavaquinho, Adoniram Barbosa, Lupicínio Rodrigues e o Grupo Rumo da Vanguarda Paulista. Eu e o Rodrigo Barros chegamos a ir a São Paulo pra assisti-los ao vivo no Lira Paulistana. A coisa foi se intensificando até que o Maxixe Machine surgiu de uma costela do Beijo AA Força. O núcleo criativo era formado pelo Rodrigo, Ferreira, Walmor Douglas e Thadeu Wojciechowski, muitas das composições feitas em grandes festas na sua casa. Pedi pra que Thadeu recordasse de alguma coisa daqueles tempos e ele disse-me assim:

 

 

Os adoráveis cantores românticos incuráveis

“Pra falar do Maxixe Machine, tem que falar também d’ “Os Adoráveis Cantores Românticos Incuráveis” e do “Velhinhos Pauleiras” que, sem dúvida alguma estão no DNA do MM. Esses dois grupos compostos por mim, pelo Rodrigão, Ferreira, Walmor, Alberto Trindade e Edilson Del Grossi fizeram belas festas nos bares da City. Mas eram um fim de mundo. E o Rodrigão preferiu algo mais profissional. Nós também. Então como já havia um ótimo repertório, o Maxixe nasceu com tudo, para honra e glória dos compositores da nova banda, que ainda tinha nomes da envergadura de Sérgio Viralobos , Edson de Vulcanis, Marcos e Roberto Prado. A festa decuplicou. Algumas das melhores obras musicais do Brasil nasceram aqui. O tempo há de provar o que eu estou afirmando.”

 

Thadeu sempre foi um homem modesto. Outra pessoa crucial nesta história foi Luiz Ferreira, compositor de muitos dos sucessos do Maxixe. Não podia faltar o seu ponto de vista desta história:

 

Breve história em câmera rápida da banda Maxixe Machine

“A história da banda Maxixe Machine começa com o convite do jornalista e empresário Jony Basso, então dono do Café Curaçao, um bar com paredes de cores fortes inaugurado em 1993.

 

Era o ano de 1994, o Beijo AA Força estava fazendo muitos shows, tinha um bom público, seu álbum recém-lançado pela gravadora Tinitus, de Pena Schimidt, estava nas lojas e a música “Primeira Aula de Cartografia Aplicada”, arranjada pelo genial André Abujamra a pedido dos produtores do álbum do BAAF, Fernando Figueiredo e Theo Werneck, havia ganhado um vídeo clipe assinado pelo então estreante diretor Raul Machado. O clipe caiu nas graças da MTV Brasil e foi um sucesso, catapultando Raul à categoria de grande diretor e o Beijo começou a tocar nas rádios e… enfim, uma época de sucesso sim.

 

Jony viu no Beijo AA Força uma banda capacitada para tocar em seu elegante café para seu requintado público, porém, não queria, nem poderia, ter ali uma banda de rock que tocava em um volume reconhecidamente acima do que poderia ser chamado de “lounge”. Então, aproveitando a onda também iniciada pela MTV, formulou educadamente um convite para que o Beijo AA Força fizesse uma apresentação “unpluged” em seu bar, ou seja, com violões, sem bateria, em um volume que a audiência pudesse conversar e fazer tranquilamente seus pedidos durante a apresentação.

 

Acontece que o Beijo AA Força não era bem uma banda de fazer shows sem a distorção e microfonias de suas guitarras e amplificadores, sem o volume e o vigor que caracterizavam suas apresentações. Para não recusar o generoso convite de Jony, resolvemos então criar uma banda que pudesse tocar um repertório mais voltado aos sambas que aprendemos a gostar desde meninos e que fomos ainda mais estimulados pelas interpretações dos grupos paulistanos Rumo e Premeditando o Breque. Já tocávamos algumas dessas canções e algumas outras dos compositores da chamada “época de ouro” do samba carioca: Noel Rosa, Lamartine Babo, Geraldo Pereira e outros bambas. Definido o repertório, o Rodrigão pensou num nome estranho, com uma sonoridade que achei bacana: ”Maxixe Machine”. Fechou. Falei com o Jony, ele gostou da ideia, escolhemos dois dias, sexta e sábado para a estreia da banda.

 

Eu já tinha um cavaquinho que havia comprado do Roberto Prado, na verdade, resgatei das mãos do Rodriguinho, filho do Roberto e da Liliane, antes que o instrumento virasse sucata. Gostei do cavaquinho, guardo com carinho até hoje o Tonante herdado pelo Roberto de um tio querido. Cheguei a comprar um outro instrumento um pouco mais caro depois, mas o velho Tonante se mostrou mais fiel à minha pegada meio samba, meio punk rock. Toco com a afinação clássica, com as quatro cordas agudas da guitarra, não a tradicional, com a mais aguda afinada em ré.

 

Chegou a noite da estreia do Maxixe Machine. Esperávamos uma noite de pouco público, afinal, banda nova, samba velho, essas coisas. Enfim, estimamos a audiência restrita a algumas mesas cochichando enquanto tocávamos animadamente nossos instrumentos em uma mesa no canto com cara de roda de samba… exatamente, SEM EQUIPAMENTO DE SOM. A surpresa veio com uma superlotação do Café Curaçao, que acabou se tornando um dos locais mais procurados na noite curitibana, claro, não foi por causa dessa noite caótica, onde o samba berrado e esmurrado se misturou aos risos e conversas da casa lotada. Saldo final: todos roucos, porém felizes e animados para o show do dia seguinte. Daí não tivemos escolha. Trouxemos nossos amplificadores e microfones e no sábado o Maxixe fez-se ouvir de verdade, conquistando a simpatia da audiência e do Jony, que nos convidou para outras apresentações. Foram várias.

 

O Maxixe ganhou corpo, o tempo passou e o Beijo começou a tocar menos, por termos um cachê um pouco mais alto que as bandas locais que tocavam na noite, afinal, éramos estrelas e não queríamos deflacionar nosso cachê. O resultado foi que em alguns meses, o Maxixe já fazia mais shows que o Beijo AA Força. Era uma banda que tinha uma simpatia brejeira brasileira que eu, particularmente, gostava muito.

 

Fizemos então, em 1.999, um álbum, um filme (dirigido pelo Antonio Freitas com roteiro do Roberto Prado e Rodrigão) – sempre achei que poderia ter a metade do tempo, culpa da narrativa arrastada, não necessariamente do roteiro quase enxuto – estrelado por Luis Melo e grande elenco local, posteriormente global – e uma revista que encartava o álbum, contendo fotogramas com a história do filme.

 

Para tentar driblar o sistema de distribuição das grandes gravadoras, colocamos o álbum para venda em bancas de jornais, hoje uma carinhosa nostalgia, lembrança de um tempo que não volta mais, quem diria, hem? Só esquecemos que a indústria das publicações impressas era muito agressiva também, as revistas semanais sempre ficavam por cima do nosso elegante produto cultural. Ainda assim, vendemos bem nas banquinhas. Dezessete canções e todo aquele primor cultural que ficou nossa orgulhosa produção embalada, diagramada e finalizada pelo diretor de arte da OSS Propaganda, Roberto Jubainski: capa dura encartando o cd em berço de plástico e uma revistinha quadradinha, colorida, com 47 páginas em bom papel, a preço módico, afinal, esse também foi um produto via “Leide Records” e sempre respeitamos o financiamento cultural com dinheiro público. Uma necessidade nesses tempos de patrocínio privado somente vinculado à renúncia fiscal, mas isso já é um outro assunto.

 

O álbum teve o nome do filme, “Bar Babel” e todas as cópias que sobraram das banquinhas (fizemos 2.000) acabaram sendo vendidas durante as duas edições que participamos do projeto “Comboio Cultural”, no ano de 1.999 e 2.000, com mais de 30 shows pelas cidades do interior do Estado do Paraná em um ônibus colorido que por onde passava levava música, teatro, ópera, enfim, alegria em cidades que muitas vezes nem dispunham de algum equipamento cultural. Uma grande sacada do então governador Jaime Lerner, um político que entendia do assunto como ninguém. Mas isso também já é mais um outro assunto.

 

Os pouquíssimos exemplares que restaram, deixamos em São Paulo, durante nossa participação no primeiro edital “RUMOS” do Itaú Cultural, selecionados entre milhares de inscritos, como genuínos representantes da boa música do sul do país.

 

O tempo passou, com ele muitas histórias, shows e perrengues, claro. Cinco álbuns depois (seis se contarmos o álbum do Thadeu Wojciechowski, produzido e tocado pela banda e convidados), senti a banda deixando de lado uma vertente brasileira que muito me interessava e ainda interessa, fazendo mais presente o rock e menos o samba. Na ânsia de tentar uma mudança de rumo, acabei por colocar a banda em contato com Miguel Zattar e Marcelo Sandmann, produtivas mentes criativas da banda ZiriGdanski. Acabamos indo ensaiar no excelente estúdio do Miguel, o “Ponto Z”. Assim, criamos uma outra banda, chamada “Orquestra Sem Fim”, que colocou definitivamente o Maxixe na geladeira. Resolvi, então, me afastar dos velhos parceiros para embarcar em outros projetos musicais, com minha banda Ferryboat, meus projetos solo e a banda “Estacas”, que agora mudou de nome para “Figurazzas”, sugestão do Thadeu e aceita por todo o time como um nome mais simpático.

 

Sou parte integrante do núcleo criativo da banda Maxixe Machine, junto com o Rodrigão e o Walmor Góes, somos membros fundadores e remanescentes. Fica aqui meu abraço carinhoso aos amigos queridos que nos ajudaram nas fileiras do Maxixe Machine: Alberto Lins, Rodrigo Genaro, Cláudio “Mola” Kobachuk e Therciano Albuquerque, foram os que contribuíram por mais tempo com seus inestimáveis talentos. Outros músicos participaram em shows, turnês e gravações, são vários e estou com preguiça de tentar citar todos e acabar esquecendo algum.

 

Em 2024 o Maxixe fará 30 anos de existência, embora os últimos anos tenham sido um tanto “congelados”, e eu gostaria de fazer alguma coisa para reviver o samba “paudurecente” do Maxixe Machine. Acho que essa banda merecia um revival. Mas confesso que também não pretendo tentar convencer ninguém e só de pensar nos ensaios, nos shows, nas viagens, correria, produção, preparo e negociações… aiai… dá uma preguiiiiiiça…”

 

Discordo um pouco do Ferreira quanto ao fim do MM. Quando voltei à Curitiba, em 2017, eles estavam ensaiando um novo repertório, que ajudei a compor, na casa do baixista Alberto Lins. As características das músicas eram diferentes do Maxixe e já havia intenção de transformá-lo em outra banda. O encontro com o pessoal do ZiriGdanski só clarificou e apressou o surgimento da Orquestra Sem Fim, que recentemente fez um show memorável no 92 Graus. Acho que os 30 anos do Maxixe merecem uma apresentação comemorativa por tudo que eles realizaram no período, senão vejamos:

 

Música Brasileira de Curitiba é como os compositores do Maxixe Machine batizaram o samba urbano rápido, quase frevo/quase punk/quase carnaval e sem tons folclóricos ou farsecos praticado com exclusividade nesta cidade. O escritor Valêncio Xavier definiu muito bem esta rapidez, não como uma referência às escolas de samba que o aceleram no afã de cumprirem o seu cronograma, mas sim pelo fato que se mistura tudo aos compassos frenéticos da escola de velhos punk rocks com polkas e maxixes.

 

O maestro Roberto Gnatalli, quando em Curitiba classificou o Maxixe com a expressão “Paudurecência do Samba”. Formado em 1.995, pelos músicos do Beijo AA Força, o Maxixe Machine ganhou terreno com uma identidade sonora peculiar, acentuando sua pegada meio punk até mesmo em sambas antigos, de compositores consagrados como Noel, Assis Valente e Lamartine Babo entre outros. No repertório do MM, sambas antigos mesclados por sambas novos, composições próprias com a personalidade de quem veio do punk rock, mas tem o apelo do som popular. “BARBABEL” é o título de seu CD de estreia, lançado em 1.999. Juntamente com o CD foi lançado o filme média metragem 35mm “Bar Babel”, estrelado por Luis Melo, Carlos Careqa, Guilherme Weber, Guta Stresser, Erica Migon, Edu K, Alberto Trindade e grande elenco. O filme, uma ficção documental sobre o samba, ambientado em um bar curitibano, tem 30 minutos e parte dele pode ser observada no vídeo clipe da música “Perdendo Tempo”, composta por Thadeu Wojciechowski, Paulo Leminski, Roberto Prado e Walmor Góes e lançada simultaneamente com o CD e a revista: https://www.youtube.com/watch?v=f4cTRYrTFJw.

 

A partir daí, o grupo excursionou divulgando seu trabalho, se apresentando para mais de 100.000 pessoas durante os anos de shows pelo País. Em 2001, celebraram o fato de terem sido selecionados entre os sete trabalhos mais representativos do sul do país pelo projeto “RUMOS MUSICAIS – ITAÚ CULTURAL 2000” e duas músicas foram incluídas em uma caixa de 10 CDs com distribuição nacional e internacional.

 

Em 2.008, o trabalho continua com a divulgação e lançamento de seu mais recente CD, o ABC DO LÁLÁLÁ, um disco voltado ao publico infanto-juvenil de todas as idades, com a pegada e o sarcasmo de sempre, mas desta vez a Censura é Livre, ou seja, o Maxixe continua divertido, mas aborda temas não etílico-sexuais como anteriormente. A temática é a própria música, monstros, animais e ecologia em ótimas letras e composições inspiradas. “ABC do LÁLÀLÀ” foi premiado e incluído na carteira música infantil 2010/2011/2012 do Itaú Cultural – Rumos Musicais.

 

Em 2010 e 2011 se apresentou nas Viradas Culturais Paulistas e no palco principal do SESC da Segunda Virada Cultural de Curitiba em 2011. No mesmo ano, o Maxixe fez um show com o lendário Paulo Diniz, que se apresentou pela primeira vez em Curitiba. Uma das músicas tocadas foi “Um Chopp Pra Distrair”: https://www.youtube.com/watch?v=TWuz-j1-chg.

 

Em 2012, na comemoração de 40 anos do Teatro Paiol, o Maxixe trouxe à Curitiba Walter Franco, o famoso artista de vanguarda, para um show conjunto. Uma das músicas pode ser vista aqui.

 

Em 2016, Rodrigo Barros, Luiz Ferreira e Sérgio Viralobos compuseram para a trilha sonora do filme “Deserto”, primeiro filme do diretor Guilherme Weber. Aqui vemos o Maxixe Machine tocando a música “Decrépita Trupe” em sua última gravação: https://www.youtube.com/watch?v=aNKuxb1RA9s.

 

É ou não é um mundo estranho e inacreditável?

 

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