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SERGIO-CABECA-COLUNA

O Rebu

16/01/2025

No final de ano, me reuni com o amigo jornalista André Molina no famoso bar Gostinho da Tetê e, entre outras coisas, conversamos sobre nossas novelas preferidas dos anos 70 e 80. Falei que a minha predileta de todas era “O Rebu”, uma novela da Globo que passava às 10 horas da noite e pouca gente tinha visto. O Molina, do alto de seu conhecimento enciclopédico sobre o rock nacional, me informou que a trilha sonora da novela foi dirigida por Raul Seixas e Paulo Coelho e contava com várias músicas inéditas da dupla. Com isso, o disco virou objeto de culto para os fãs de Raul, mesmo porquê nunca foram regravadas em outros álbuns (com exceção de “Como Vovó já Dizia”).

Depois de ouvir a trilha sonora sensacional aqui, fiquei com vontade de pesquisar sobre esta telenovela tão singular.

“O Rebu” foi exibida de 4 de novembro de 1974 a 11 de abril de 1975, em 112 capítulos, mas que se passava em 24 horas. Sendo a 20ª “novela das dez” exibida pela Globo. Escrita por Bráulio Pedroso, teve direção de Walter Avancini e Jardel Mello, com supervisão de Daniel Filho. As ilustrações da abertura foram criadas pela artista plástica Marguerita Fahrer e animadas por Cyro Del Nero. Era comum na época um texto narrado durante as cenas dos próximos capítulos, o desta telenovela era: “Festa, rebu, rebuliço… crime. O rebu. A vida de cada um. A culpa de todos!”.

Sua estreia marcou a integração da rede nacional da Rede Globo, já que na época havia atrasos na apresentação dos capítulos das novelas entre as praças como São Paulo e Rio de Janeiro: os capítulos exibidos em São Paulo já tinham sido exibidos dois dias antes no Rio. A Rede Tupi foi a primeira emissora a uniformizar sua programação em rede nacional, a partir de 1 de julho de 1974, com a novela “A Barba Azul”. Na Globo, isso aconteceu logo em seguida, com a estreia de “O Rebu”, em 4 de novembro.

Segundo Bráulio Pedroso, na matéria “Audácia Inovadora”, escrita por Renato Sérgio para a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em 2011: “ (…) O Rebu, um rompimento com a linearidade temporal, uma tentativa de aproximação com a metalinguagem. A proposta me satisfazia porque era a de mostrar, através de um veículo que leva meses para dizer alguma coisa, uma história que se passava num dia só. Por outro lado, em termos de continuidade, tinha a inovação de ser contada em vários tempos narrativos.”

O Rebu, cujo significado é “rebuliço”, “confusão”, era uma referência à expressão criada por Ibrahim Sued em sua famosa coluna social na época, para designar “festa”, um diminutivo para o palavrão “rebuceteio”, ou um aglomerado de mulheres bonitas. Tratava-se de uma novela que entraria para a história da teledramaturgia brasileira não apenas por situar a sua trama em apenas 24 horas, mas por ser uma história policial onde não perdurava apenas a indagação “quem matou?”, mas também “quem morreu?”. A primeira cena da trama era semelhante ao filme “Crepúsculo dos Deuses”, dirigido por Billy Wilder em 1950. Assim como no filme, um cadáver aparece boiando numa piscina e, daí por diante, toda a trama se desenrola de forma a elucidar o mistério de sua morte. Ao longo da novela, o público apenas via um corpo boiando na piscina, sem saber a identificação do sexo, de quem havia cometido e a razão do crime. A suspeita inicial era a de que o corpo de bruços na piscina era de um homem, mas a confusão aumentou quando, durante a festa, mulheres brincaram de cortar os cabelos, colocando roupas masculinas. Pistas formando um quebra-cabeça eram deixadas pelo autor. No capítulo 50, a vítima foi revelada numa tomada submarina na piscina: era Sílvia, personagem de Bete Mendes. Para despistar a imprensa, também foram gravadas opções com os personagens Cauê, Kico, Lupe e Helena. Bete Mendes havia sofrido um acidente de carro meses antes da novela e estava usando os cabelos muito curtos, fazendo com que a figurinista Marília Carneiro desenhasse cabelos como de um rapaz, o que faria que o visual fosse copiado por outras mulheres no Brasil.

Foi a primeira vez que a homossexualidade foi abordada em uma telenovela brasileira, através dos personagens Cauê e Conrad Mahler, interpretados pelos atores Buza Ferraz e Ziembinski, respectivamente. A censura no Brasil exigia que o garotão Cauê fosse mostrado como filho adotivo do velho Conrad Mahler, apesar de as atitudes dos personagens mostrarem de forma velada a relação.

Entre externas e estúdio, foram feitas 266 cenas apenas nos seus dez primeiros capítulos. Uma das grandes dificuldades encontradas pela produção do figurino foi o fato de ser uma novela a cores, ainda recente na televisão no Brasil, o que implicava em uma série de truques para alcançar o efeito desejado no vídeo. Durante um mês, duzentos funcionários trabalharam na construção da Mansão Mahler, que ocupava uma área de trezentos metros quadrados, e tinha dois andares medindo seis metros de altura. As consultoras de arte Tiza Oliveira e Lila Bertazzi orientavam produção e elenco em relação à etiqueta: elas podiam interromper as cenas para corrigir e explicar as falas, como por exemplo, que os ricos não dizem coisas como “por obséquio”, mas “por favor”, o que desagradava os atores. Fora da produção, o trabalho das consultoras de arte foi questionado por colunistas sociais. Zózimo Barroso do Amaral escreveu no Jornal do Brasil sobre os convites da novela, que eram enviados pelo correio, algo incomum, pois segundo o jornalista, numa grande festa como a da novela, deveriam ter sido entregues em mãos. As consultoras responderam que os convites haviam sido entregues em domicílio, e que ele havia confundido o brasão de Mahler, gravado no envelope, com um selo postal.

Intérprete de Conrad Mahler, o ator Ziembinski era diretor de teatro e televisão, dando palpites de iluminação ao diretor Walter Avancini, segundo o ator Carlos Vereza, que fazia o papel de Laio. Ziembinski, por ser polonês, pedia a um amigo que lesse o script para ele, enquanto anotava os momentos em que os olhos do interlocutor brilhavam para depois reproduzi-los em cena. Este era um método que Ziembinski contou para seu colega Lima Duarte como uma forma de extrair as emoções da língua portuguesa que ele julgava que só um brasileiro saberia exprimir. Lembro que Ziembinski deu um show de interpretação, se destacando dos demais atores.

A estrutura narrativa de O Rebu, lembra Arlete Salles, intérprete de Lídia, exigia um esforço extra do elenco em relação à continuidade da novela. Se uma cena era gravada do lado esquerdo do cenário e a seguinte era para ser feita no lado direito, os atores da primeira cena tinham que se posicionar como figurantes da próxima. O ator Mauro Mendonça também se lembra do cuidado extremado com a continuidade das cenas. O figurino usado era o mesmo durante meses.

O personagem Carlos Braga era feito por José Lewgoy, que contou ao Memória Globo que a naturalidade das cenas era tanta, que chegava a esquecer que estava representando, o que fazia ser repreendido pelo diretor Walter Avancini. A novela tinha idas e voltas na ordem cronológica, sendo dividida em três fases: o presente, com a investigação do crime; o tempo da festa; e as informações sobre cada personagem, o que dava ao autor, Bráulio Pedroso, o triplo de trabalho para escrever a trama. Para dar sentido à história, antes de reescrever as cenas, ele tinha que rever os teipes para lembrar de que modo elas haviam ido ao ar. Diferentes pontos de vista eram explorados na trama.

A história da novela acontecia durante uma festa com música ao vivo. Algumas vezes, porém, o músico Paulo César Oliveira não era escalado para as cenas, e com isso o piano acabava tocando sozinho. O caso do “pianista fantasma” acabou virando piada no humorístico Satiricom, programa da Rede Globo.

“O Rebu” foi a estreia das atrizes Bete Mendes, Tereza Rachel e Isabel Ribeiro na Rede Globo. A personagem Olympia Buoncompagni, a princesa italiana convidada para o jantar na Mansão dos Mahler, vivida por Marília Branco, foi batizada com um dos sobrenomes mais ilustres da Itália, os Buoncompagni, que existiram de verdade. Foram príncipes de Piombino e tinham, entre seus parentes, o papa Gregório XIII. Uma princesa da família já havia visitado o Brasil na década de 1940.

Desafortunadamente, quase todos os capítulos de “O Rebu” se perderam devido a um incêndio ocorrido nos estúdios da TV Globo no Rio de Janeiro em 1976, restando apenas o primeiro e o 92º capítulo, bem como fotos de bastidores e chamadas de estreia. Aqui você pode ver a abertura da novela original e do remake feito em 2014.

A história se passava em dois dias: no primeiro, realizava-se uma festa na casa do milionário Conrad Mahler, em homenagem à princesa italiana Olympia, e na qual ocorria um crime; no segundo, acontecia a investigação da ocorrência. No capítulo 50, a vítima foi revelada – era Sílvia – assassinada por Conrad Mahler por ciúmes de Cauê, rapaz que vivia sob proteção do banqueiro, em uma relação que insinuava homossexualidade. A identidade do assassino só foi revelada no último capítulo.

Trilha sonora

A maior parte da trilha sonora nacional da novela é assinada por Raul Seixas e Paulo Coelho, tanto que o LP da mesma também faz parte da discografia oficial do cantor. Acabou virando cult, com músicas compostas especialmente pela dupla e não encontradas em outros álbuns do cantor. Uma das músicas compostas por Raul Seixas para a trilha sonora, Gospel, foi proibida pela Censura da ditadura. Mesmo assim, a música entrou na novela, com os versos modificados. Esta é a relação das músicas:

1. “Como Vovó já Dizia” – Raul Seixas
2. “Porque” – Sônia Santos
3. “Planos de Papel” – Alcione
4. “Catherine” – Orquestra Som Livre
5. “Murungando” – Betinho
6. “O Rebu” – Orquestra Som Livre
7. “Salve a Mocidade” – Elza Soares
8. “Um Som Para Laio” – Raul Seixas
9. “Se o Rádio Não Toca” – Fábio
10. “Água Viva” – Raul Seixas
11. “Tema Dançante” – Orquestra Som Livre
12. “Vida a Prestação” – Trama
13. “Senha” – Orquestra Som Livre
14. “Trambique” – João Roberto Kelly

Teledramaturgia também é cultura. Viva “O Rebu”!

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