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27/04/2024



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Rodrigo Garcia Lopes

 Rodrigo Garcia Lopes

No último dia 2 de agosto foi lançado, em Curitiba, o livro “Poemas Coligidos (1983-2020)”, de Rodrigo Garcia Lopes, uma edição especial da Kotter, a valente editora que ainda se atreve a publicar Poesia. É um catatau de 616 páginas que reúne as obras: Solarium (1994), Visibilia (1997), Polivox (2001), Nômada (2004), Estúdio Realidade (2013), Experiências Extraordinárias (2015) e O Enigma das Ondas (2020).

 

O lançamento aconteceu no Pepita Tapa y Vino, que se localiza num beco com vários restaurantes e bares que vale a pena conhecer, na Rua Saldanha Marinho, 1220, fundos. Ainda houve uma leitura dos poemas do livro pelos vários poetas presentes. Tive a honra de ler o poema “Mendigos”, bastante aplaudido pela sua qualidade estética. Quem quiser mais sobre o livro pode acessar o site da editora.

 

Veja uma amostra do talento do paranaense Rodrigo Garcia Lopes, hoje radicado em Florianópolis

 

Rumo às estrelas
Um poema de “O Enigma das Ondas”, em “Poemas Coligidos (1983-2020)

eles dançam na imensidão
olham-se nos olhos

os dois presos apenas
pelo cordão umbilical
do traje espacial

eles sabem
não tem mais certezas
já não esperam ninguém

muito longe agora
muito longe
da minúscula bola de gude azul

planetas dançam
por toda parte
em sua aparente
imobilidade

sem gravidade
longe muito longe da Terra

as palavras que eles trocam
boiam também no espaço
ou quedam presas
na redoma da roupa

mas não se tornam opacas
fragmentos delas ocupam
o espaço

corpos celestes
“desejar é cair das estrelas”
“filho, deixe-me ir”

eles flutuam
não lutam mais
apenas flutuam

o próprio conceito de lar
se perde no éter

“ninguém responde mais aos nossos sinais”
não sabem para onde vão
rumo às estrelas

eles flutuam
num outro tempo
sob a luz azul
que emana deles mesmos

o filho então solta o pai

eles sabem
a viagem mais para fora
é a viagem mais para dentro

ele sabem
para ser capaz de se encontrar
antes é preciso saber
se perder

ao redor
e por toda parte
aonde os olhos conseguem penetrar
paz infinita
.
.
.
.
.
Escuridão e silêncio

 

Sobre o autor 

Rodrigo Garcia Lopes, nascido em Londrina (PR), em 2 de outubro de 1965, é poeta, romancista, tradutor, compositor e jornalista. É Mestre em Humanidades Interdisciplinares pela Arizona State University, com dissertação sobre a obra de William Burroughs e Doutor em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina, com tese sobre a poeta e pensadora norte-americana Laura Riding. Em 2001 Rodrigo Garcia Lopes teve seu poema “Stanzas in Meditation” incluído na antologia Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século (2001), organizado por Ítalo Moriconi (Objetiva). Como jornalista, trabalhou na Folha de Londrina, Folha de São Paulo (1988), jornal Nicolau (1989) e A Notícia (1996). Em 1997 lançou Vozes & Visões: Panorama da Arte e Cultura Norte-Americanas Hoje (Iluminuras), com 19 entrevistas com personalidades da cultura e literatura norte-americana como John Cage, Allen Ginsberg, Marjorie Perloff, Charles Bernstein, Laurie Anderson, Amiri Baraka, John Ashbery, Lawrence Ferlinghetti, Nam June Paik e William Burroughs, entre outros. Todas as entrevistas foram publicadas com destaque em jornais brasileiros (Folha de S.Paulo, Estadão, Nicolau).

Toda esta atividade mereceu uma série de elogios de personalidades importantes da literatura brasileira:

“Rodrigo Garcia Lopes, o Satori Uso, é um dos mais notáveis poetas paranaenses da safra novíssima. Me impressiona a falta de provincianismo, a abertura cosmopolita, a coragem da informação difícil, o extremo atrevimento desse londrinense, nada indigno do pioneirismo que levantou, naquela terra vermelha, a cidade mais rápida do Brasil”.
– Paulo Leminski, Correio de Notícias, 16/11/1985

“Depois de ler os poemas de Rodrigo Garcia Lopes, não tenho a menor hesitação em afirmar coisas grandiloquentes como: ele é um dos melhores poetas surgidos ultimamente neste país”.
– Caio Fernando Abreu, “Caderno 2”, O Estado de S. Paulo, 14/3/1988

“Polivox é um experimento investigativo da linguagem, assumindo a vida como a mais agressiva das artes. Ocorre a frequente mudança de tom, desenvolvendo códigos, estilos e escolas — dos haicais, passando pela poesia medieval e desaguando no barroco.[…] Lopes se enraíza na percepção, instaurando um épico da fala contemporânea”.
– Fabrício Carpinejar, jornal Rascunho, junho de 2003

“Em todas as partes de Estúdio Realidade encontram-se poemas que, com sua combinação peculiar de contemporaneidade e erudição, promovem uma festa de intelecto e imaginação, razão e sensibilidade, emoção e humor, cultura e intuição”.
– Antonio Cicero, em Estúdio Realidade, 2012

“Pela abrangência de questões, pelo esmero estético, O Enigma das Ondas é um momento alto da poesia brasileira recente”.
– Samuel Leon, em O Enigma das Ondas, 2020

Sua obra está representada em várias antologias importantes de poesia brasileira contemporânea, no Brasil e no exterior, como Artes e Ofícios da Poesia (organizada por Augusto Massi, 1991), Outras Praias / Other Shores: 13 Poetas Brasileiros Emergentes (organizada por Ricardo Corona, 1998), Esses Poetas (organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, 1998), Antologia Comentada da Poesia Brasileira do Século 21 (organizada por Manuel da Costa Pinto, Publifolha, 2006), Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil (organizada por Frederico Barbosa e Claudio Daniel, 2002), Poesia Br (organizada por Sergio Cohn, 2016), Haicai do Brasil, de Adriana Calcanhotto (2014), 101 Poetas Paranaenses (por Ademir Demarchi, 2015) e Haiku do Paraná (2018) e Uma Espécie de Cinema: antologia de poemas brasileiros e portugueses (Oficina Raquel, 2019) e Ato Poético: poemas pela Democracia (organizada por Maria Tiburi e Luis Maffei).

 

No exterior, participou das antologias das revistas Rattapalax (2004, EUA), tse=tsé (Argentina), Poetry Wales (País de Gales) e dos livros El Poeta y su Trabajo (México), Cities of Chance: an Anthology of New Poetry from the United States and Brazil (Estados Unidos), Brazil, Lyric, and the Americas, de Charles Perrone (University Press of Florida, 2009), entre outras.
Por dois anos consecutivos foi finalista do Prêmio Jabuti: em 2005, na categoria Melhor Livro de Poemas, com Nômada e, em 2006, na categoria Melhor Tradução, com Folhas de Relva (de Walt Whitman). Como compositor, em 2001 lançou o CD Polivox (independente), e nos anos seguintes se apresentou com show homônimo em várias capitais brasileiras. Em 2012 lançou seu segundo disco, Canções do Estúdio Realidade.

 

Sua produção musical também recebeu homenagens de críticos e medalhões da música brasileira

 

“Canções do Estúdio Realidade é um disco maravilhoso. Escutei-o nas estradas da Paraíba, a caminho do sertão. E me deu muita alegria e sensações variadas'”.
– Chico César, compositor

 

“No ótimo Canções do Estúdio Realidade, o poeta, compositor e tradutor visita a canção popular com desenvoltura, explorando as características específicas do gênero sem cair na armadilha de fazer mera poesia musicada”.
– Roger Lerina, Zero Hora.

 

“No segundo disco do poeta paranaense, a invenção imagética supera a toada amena, entre o jazz e a MPB –ganhando mais trepidação em ‘Vertigem (Um Corpo que Cai)’, encontro inusitado de Hitchcock com o simbolista Alphonsus de Guimarães, e na urbana ‘New York’, no espírito da vanguarda paulistana dos anos 1980, em especial seu conterrâneo Arrigo Barnabé”.
– Manoel da Costa Pinto, Folha de São Paulo

 

“Grande esmero, produção caprichada mesmo. Prestei atenção em tudo, com um destaque especial às linhas de baixo, voz e a equalização das vozes, mixagem, os arranjos…tudo muito bem feito. Parabéns. Muito interessante pra mim ouvir um disco bem diferente do que faço, mas igualmente trabalhado e ambicioso. Fiquei contente de conhecer seu trabalho musical. Aliás, todos os instrumentos soam bem. Parabéns mesmo, e sabe, adorei a sua versão pra música Nobody does it better. Não só o arranjo é ótimo, como a sua voz soa deliciosa”.
– Marina Lima, cantora e compositora

 

“Em 12 faixas com letras de veio poético, o artista tece uma ode à canção com arranjos melodiosos e que tomam forma híbrida de jazz e MPB, acentuada pela formação da banda, que tem baixo acústico, piano, bateria e violão. […] Garcia Lopes também foi próximo de Paulo Leminski (1944-1989), outro que desarranjou as fronteiras entre música e poesia, e de quem musicou versos”.
– Rodrigo Levino, Folha de São Paulo.

 

“É muito difícil a gente decifrar o que pretende um autor quando lança um trabalho. Apenas podemos conjecturar, intuir, ler nas entrelinhas coisas que não sabemos de verdade, imaginações. Como o próprio autor, que pensa saber o que pretende, e a cada vez que se aproxima da obra, descobre essa vertigem (traduzida por uma supressão da qualidade crítica tão fundamental para um criador, a severidade de julgamento) que o faz oscilar acompanhando os movimentos daquilo que não sabemos, mas fizemos. Então falamos de coisas técnicas, da fluidez dos arranjos, da elegância da interpretação, da competência instrumental, e logo vamos nos perdendo nos adjetivos. Este CD de Rodrigo Garcia Lopes, que carrega o sinuoso título de Canções do Estúdio Realidade, lembra sonhos de juventude, quimeras de uma possível aproximação com a poesia, com a divindade, com o vinho da existência, com a uva da metáfora sufi, a fonte. Como diria um zen budista: a imersão na realidade. Que coisa mais bem feita!”
– Arrigo Barnabé

 

“A arte da música popular é mais complexa do que muitas vezes parece ser. Criar uma letra em perfeita sintonia com a melodia de uma canção exige um esforço hercúleo, como bem destacou Luis Fernando Veríssimo, um de nossos gênios das palavras, convidado para o projeto ‘Com Todas as Letras’, onde grandes literatos generosamente escreveram letras para músicas de Kleiton & Kledir. Cito essa experiência pessoal recente para tentar mostrar a ‘encrenca’ que deve ser a vida criativa de Rodrigo Garcia Lopes. Obstinado em busca do resultado original, do prazer desesperado na busca da palavra certa em perfeita comunhão com as melodias, prosódias perfeitas, sua atitude não é recomendável aos neófitos. Mergulhado nesse prazeroso desespero estético, muitas vezes recita poemas sobre temas musicais livres, na impossibilidade aqui de fazê-los entrar em acordo com as frases musicais, e respeitando ao máximo a liberdade das duas formas de expressão, para mais adiante, se apresentarem próximas da perfeição (que não existe e Rodrigo sabe bem disso) onde letra e música se encaixam em perfeita harmonia, no limite das possibilidades. Em ‘Canções do Estúdio Realidade’, mais uma vez ficam claras a paixão do artista por explorar textos (vários livros publicados – prosa/poesia) e infindas possibilidades sonoro-musicais. A nobre atitude de experimentar sem se ater a velhos clichês é transparente nesse novo e exuberante trabalho. Escutar o disco na íntegra nos leva a uma sensação agradável e aflitiva de se estar constantemente viajando através de notas musicais e palavras, sustentadas ora por melodias complexas, ora por delicadas concepções, harmonias saborosamente conflitantes dentro de um mesmo tema, uma viagem sem dúvida que perpassa obras de gerações e gerações, que se dedicaram a arte em busca de algo novo. E isso, apenas isso, é o que vale a pena ser considerado, e cultuado, na música de hoje”.
– Kleiton Ramil

 

“Refinar o pop a partir da experiência literária não é um sonho novo. Leonard Cohen, Leminski: muitos burilaram essa fronteira. Rodrigo Garcia Lopes, poeta, tradutor, cantor e compositor, faz percurso curioso em seu segundo disco, Canções do Estúdio Realidade. Aqui se dá o inverso: é a leveza do pop que impulsiona uma trama poética sutil. […] Uma natural familiaridade costura as harmonias do poeta, que nos leva, pelo som, a um território novo e antigo ao mesmo tempo”.
– Jotabê Medeiros,  O Estado de São Paulo

“Rodrigo Garcia Lopes, autor de Polivox, é mesmo um cara de muitas vozes. Vozes dele, vozes de outros. Não é toda a hora que se encontra gente múltipla assim, que escreve poesia e ensaios, faz entrevistas, toca violão, compõe, canta…Tudo bem feito, claro. Para o público em geral, ávido de cultura, uma personalidade criativa e livre dessas por perto, nesta época de especializações, de nichos de mercado, de repetições e limitações, é motivo para comemorar”.
– Vitor Ramil, compositor, cantor, escritor

 

“Lírico, moderno, cinematográfico e com um “livrinho” que faz jus ao disco. Muito bom! Arrojado, cheio de experiências com versos e com maneiras de dizer. Também gostei dos arranjos, bastante adequados ao projeto. Uma bela exploração sinestésica da realidade”.
– Luiz Tatit, compositor

 

“Em Canções do Estúdio Realidade não há duas faixas parecidas, com Rodrigo demonstrando uma tremenda versatilidade, cantando balada, blues, funk, jazz, rock, rap e canções de sua autoria com autenticidade. As letras falam da condição humana (ex, ‘Quaderna’) e da vida no mundo moderno (ex, a sobrecarga sensorial em ‘New York’). Todas as canções são em português, com exceção da bela balada ‘Butterfly’, escrita em inglês. [parceria com Neuza Pinheiro]. Sua incrivelmente bela interpretação de ‘Nobody does it Better’ [aqui na sua própria versão em português, Ninguém Melhor que Ela] é o melhor tratamento que a composição já recebeu. Seu estilo violonístico e a progressão de acordes em ‘Quaderna’ traz à mente o violonista Guinga. O funk-rap ‘New York’ evoca a Farofa Carioca. Os arranjos, a maioria de André Siqueira, são luminosos (ex. ‘Cerejas’). Os músicos são esplêndidos (por exemplo, a deliciosa introdução de baixo de Gabriel Zara e o solo e acompanhamento pianístico de Mateus Gonsales em ‘Iluminações [parceria com Bernardo Pellegrini], só para dar dois exemplos. Tudo combinando com a qualidade do livro suntuoso de 36 páginas [por Marcos Losnak e Beto] com evocativas fotos coloridas [por Elisabete Ghisleni]. Rodrigo Garcia Lopes assaltou o Estúdio Realidade e trouxe para nós tesouros musicais e poéticos”
– Randy Morse, produtor norte-americano, no site de música brasileira “The Best of Brazil”

 

“Nascido em Londrina (PR), o poeta Rodrigo Garcia Lopes se lança em disco como músico, cantor e compositor com o independente Polivox. De voz séria e redonda, aventura-se pela música popular com sonoridade e poética que remetem diretamente a Itamar Assumpção, especialmente em ‘Minuto’ e ‘Clique, Plugue, Ligue'”.
– Pedro Alexandre Sanches

 

“Obrigada por me mandar o Polivox, tenho ouvido direto porque este é um trabalho para se ouvir muitas vezes, tem muitas camadas. Eu simpatizei de cara, antes mesmo de ouvir porque meu CD Público ia se chamar Polyvox, que é um nome lindo prum CD… Parabéns pelo trabalho”.
– Adriana Calcanhotto

 

Recentemente, Rodrigo deu duas entrevistas, uma para Cláudio Portella da Revista Cândido e outra para Marcos Losnak na Folha de Londrina. Fiz uma mistura das perguntas e respostas que mais gostei

 

O título (Estúdio realidade) do seu novo livro de poesia, bem como do seu novo CD (Canções do estúdio realidade), foram cunhados de um livro de William Burroughs. A capa do livro traz uma foto do escritor americano tirada por você. Em que medida a obra de Burroughs influenciou a sua criação?

É, aquela foto foi curiosa, nós criamos juntos. O livro sai em maio pela 7Letras, do Rio. Minha dissertação de Mestrado, na Arizona State University, foi sobre os romances de Burroughs, filosofia da linguagem, intertextualidade, entre outras questões. Os cut-ups [técnica de colagem utilizada por Burroughs] foram importantes, eu mesmo fiz alguns experimentos poéticos com isso. “Assaltem o Estúdio Realidade e retomem o universo” é uma frase que pinta no livro Nova express (1964). A expressão, como a leio, traz embutida a ideia da realidade, em nossa Idade Mídia, como algo cada vez mais fabricado e manipulado, sobretudo pelos meios de comunicação de massa. O livro dá continuidade a uma característica comum no meu trabalho: o sentido crítico, a busca pelo inusitado e pela surpresa, por diálogos com diversas tradições literárias, pela pesquisa de novos dizeres, além da exploração e práticas poéticas diversas, que vão de formas ancestrais de poesia (como a poesia visual) até o hipertexto contemporâneo. O título também sinaliza a poesia enquanto artifício, com o poder de questionar essa “realidade”, bem como o de construir e inventar outras. Acho que a poesia pode cumprir seu papel de questionar os padrões medianos de sensibilidade e sentido, de provocar uma re-sensibilização.

 

Sua poesia tem uma forte pegada pop. O que, em alguns momentos, lembra o poeta Paulo Leminski. Mas noto que apesar da sua levada pop, o arremate é quase sempre visceral, como se você estivesse aprofundando o que o Leminski não queria, ou não teve tempo de trazer para a poética. É isso? Fale sobre a sua poesia, como ela se processa?

Em que sentido, “pop”? Eu não gosto dessa designação. Pra mim, passa a ideia daquilo que não fica, de algo descartável, superficial. Vejo muita gente usando o termo, inclusive poetas jovens. Aliás, hoje parece haver muita pose e pouca poesia. Também acho que dizer que a poesia de X lembra a de Z desmerece a singularidade de cada poeta. Qual a semelhança entre uma maçã e uma laranja? Nós somos em boa parte um arquivo vivo de todas as leituras e experiências que afetaram nossa sensibilidade. Eu tenho afinidade com muitos poetas, minha poesia tenta dialogar com todo um passado. E um presente também, é claro. Leminski foi importante, mas muitos outros (e não só escritores) também foram.

 

Quando você esteve com Burroughs ele lhe disse que achava que a maioria dos poetas eram essencialmente prosadores preguiçosos. Você acha mesmo que isso se encaixa à perfeição na poesia brasileira atual? Eu acho que a poesia mais interessante que se tem feito no Brasil nos últimos anos é justamente essa, e que ela não tem uma relação direta com a prosa longa, talvez com a crônica. Bem, o que você realmente pensa sobre isso?

Eu concordo com o que o Burroughs me disse naquela entrevista. Muitos poemas que leio hoje em dia são apenas prosa cortada em linhas, arbitrariamente, e raramente linguagem em versos. Eu discordo de você que a poesia mais interessante tem sido nessa linha, embora eu ache que o atrelamento a uma certa ideia de “materialidade da linguagem”, a uma ideia de “concisão”, além do poema curto, no Brasil das últimas décadas, impediu ou inibiu a criação de poemas mais longos, de fôlego e visões amplas, como encontramos com frequência na poesia norte-americana, na sul-americana ou mesmo entre nós (Jorge de Lima me vem à mente).

 

“Poemas Coligidos” reúne seus sete livros de poesia publicados até o momento. O que significa reunir toda sua produção poética escrita ao longo de quatro décadas em um único volume?

O volume recoloca em circulação livros que estão há muito tempo esgotados. Permite olhar para o trabalho poético por uma perspectiva panorâmica. Acho que ter acesso, num único volume, a uma obra que ainda está em desenvolvimento, dá ao leitor a chance não só de conhecer a obra simultaneamente, mas acompanhar, cronologicamente, as mudanças de estilo, dicções, técnicas e experimentações linguísticas ocorridas ao longo dos anos. Dá a chance ao leitor de estabelecer conexões e referências entre os diferentes livros, identificando continuidades, recorrências ou transformações na obra poética. É possível ver, acima de tudo, como cada livro foi pensado como um projeto, um desafio. Ele adquire um sentido se lido isoladamente e outro, se lido em relação ao anterior ou posterior. Juntos os sete livros formam, por assim dizer, uma espécie de autobiografia poética. Há também uma fortuna crítica, no fim do livro, que dá pistas de como minha poesia e meus livros têm sido lidos e recebidos ao longo dos anos.

 

Sua poesia possui uma linguagem própria, mas também traz uma série de referências, influências e inspirações. Como você descreve sua poética?

Acho que a busca, sempre, é por ressignificar e reformatar, pela arte da linguagem, o mundo em que vivemos. Explorar a palavra em suas várias possibilidades. Em “Poesia Coligida” há espaço para a revisitação de várias formas poéticas antigas, como a sextina, o soneto, o haiku, ou ainda o rap, o poema-colagem, os heterônimos, o poema em prosa, a tritina, o poema longo, a canção. Acho que a investigação da linguagem e a relação entre o ser humano, o mundo e a linguagem ocupam o centro do meu trabalho, que abrange poesia, romance, tradução, música, ensaio, crítica, jornalismo e cinema. Gosto de pensar a poesia como um campo de possibilidades, onde é possível trabalhar com vários temas, vozes, estilos, alteridades, sem deixar de dialogar com a tradição brasileira e outras. Procuro fazer com que cada poema que escrevo seja uma mini-investigação do mistério chamado vida, a criação de “uma realidade vívida de palavras”, como definiu a poeta Laura Riding.

 

Sua poesia possui um caráter claramente cosmopolita. Como Londrina se manifesta em sua literatura?

Esta questão hoje, com a internet, relativizou bastante. Antes era preciso, necessariamente, estar fisicamente presente em um determinado lugar para vivenciar diferentes culturas e estabelecer conexões com pessoas de origens diversas. O acesso à informação e à diversidade cultural se tornou muito mais amplo e acessível. Me dediquei por muitos anos a escrever um romance policial-histórico chamado “O Trovador”, que não deixa de ser uma homenagem à cidade e a história fantástica da colonização do Norte do Paraná. Embora se passe em Londrina, Rolândia, Londres e Escócia, construí muitas cenas sem sair de onde estava vendo fotos e filmes, documentários raros, relatos em jornais dos anos 20, Google Earth, Google Street. Coisas impensáveis há poucos anos.

 

A trama, que se passa em Londrina em 1936, esteve na minha cabeça por muito tempo. É como se fosse um filme que se recusa a acabar. Foi uma maneira incrível de viver em Londrina intensamente, 24 horas por dia, mas em outro tempo, ou paralelamente. É a cidade onde nasci, onde estão boa parte de minhas memórias, onde me criei, me formei, onde fiz amizades que duram até hoje. Tenho alguns poemas em que a cidade entra, mas de maneira nostálgica. Muitos poemas do livro foram escritos em Londrina. O que acho fascinante é que tanto a experiência de escrever um livro como de lê-lo nos fazem ocupar vários lugares, personalidades e mundos ao mesmo tempo.

 

Falando em “O Trovador”, publicado pela editora Record em 2013, existe a notícia de que o romance em breve deve ser transformado em minissérie. Essa notícia é verdadeira?
Sim, há um mês fechei contrato com o diretor, roteirista e produtor paulistano Luis Dantas, que já dirigiu filmes como “Se Deus Vier Que Venha Armado” e “A Performance”, além de ter produzido “Washington Heights”, de Alfredo de Villa. Ele é um apaixonado pela história. No momento, a produtora está estruturando o projeto e preparando-o para oferecer a grandes players do mercado, pois ele prevê uma minissérie e um longa-metragem.

 

Muito bom saber que Rodrigo Garcia Lopes, um dos mais admirados escritores de minha geração, tenha tantos planos e siga em frente.

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  • Brilhantes, poetas, poemas e texto.

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