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28/04/2024



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Shane Macgowan

 Shane Macgowan

Shane MacGowan, líder e vocalista do grupo de folk punk irlandês The Pogues, está infelizmente e absolutamente morto. Falecido por complicações de uma pneumonia e encefalite viral em 30 de novembro último, aos 65 anos em Dublin, na Irlanda, continua a ser uma figura fascinante e enigmática na cena musical. Com sua voz rouca e suas letras profundas, MacGowan transcendeu as fronteiras do convencional, trazendo consigo uma autenticidade crua e uma abordagem única à música que o tornaram um personagem inesquecível. Apesar de ser um irlandês típico, nasceu em 25 de dezembro de 1957, na cidade de Pembury, Kent, Inglaterra. Mas foi um puro acaso e Shane cresceu em Tipperary, Irlanda. Desde jovem, sua inclinação para a música era evidente, mas seria na década de 1980 que ele se destacaria como um dos mais distintos e prolíficos compositores da sua geração. The Pogues, formado em 1982, rapidamente conquistou a cena musical com sua fusão única de punk, folk e música tradicional irlandesa. O talento lírico de MacGowan era evidente em canções como “A Pair of Brown Eyes”, “Dirty Old Town” e, claro, a clássica “Fairytale of New York”, aqui tocada magnificamente no seu funeral.

 

Seu estilo vocal, muitas vezes intransigente, dava vida às histórias por trás de suas letras, encapsulando a experiência irlandesa com uma mistura de melancolia e celebração. Contudo, a vida de Shane não foi apenas uma sinfonia de sucessos, muito pelo contrário. Lutando contra problemas pessoais, incluindo o abuso de substâncias tóxicas, em especial as alcoólicas, enfrentou batalhas que se refletiam em suas músicas. Sua entrega apaixonada no palco era acompanhada por uma vida pessoal tumultuada, acrescentando camadas de complexidade à sua persona artística.

 

Em 1991, MacGowan deixou o The Pogues, mas sua influência perdurou. Sua carreira solo, embora menos prolífica, demonstrou sua habilidade contínua de contar histórias e conectar-se emocionalmente com seu público. Em 2005, ele foi agraciado com o Lifetime Achievement Award no Meteor Ireland Music Awards, um testemunho do impacto duradouro que deixou na música irlandesa e além. Em tempos em que a música quase sempre segue fórmulas previsíveis, Shane MacGowan destaca-se como um artista que desafia as convenções, mantendo-se fiel à sua visão e às raízes que o inspiraram. Sua música é uma celebração da tradição irlandesa, um lembrete de que a autenticidade e a paixão podem transcender fronteiras. Sua figura permanece como uma representação poética da Irlanda, o que não é pra qualquer um, ainda mais naquela terra de tantos poetas geniais.

 

Como irlandês legítimo não podia deixar de gostar de bebidas alcoólicas fortes e isso se refletiu até mesmo em seu funeral. Entre as figuras ilustres que lá compareceram estavam Johnny Depp, Bobby Gillespie, do Primal Scream, Nick Cave e Glen Hansard, que cantou “Fairytale of New York” junto com Lisa O’Neill na cerimônia. Enquanto os participantes da cerimônia fúnebre honravam a memória do vocalista, os mesmos bebiam às custas do dinheiro de MacGowan. Isso porque o artista deixou cerca de R$60 mil para garantir que a conta do bar seria paga depois que todos se despedissem dele. De acordo com o The Independent, o funeral foi realizado em 8 de Dezembro, quando amigos e familiares se reuniram no pub local favorito do músico, o Thatched Cottage, em Nenagh. Lá, eles desfrutaram de bebidas oferecidas por Shane como seu “último pedido” antes de morrer. Por esta e outras que tenho tantos amigos que idolatram o punk que foi enterrado como um rei do povo.

 

Pedi a três deles que dessem um depoimento sobre ele. O primeiro Marcos Maranhão, criador e produtor do famoso Antonina Blues Festival:

 

Conheci o Pogues ouvindo o vinil ” If Should Fall From Grace With God” acho que em 92 quando um amigo pôs o disco pra tocar. E ai saiu aquela poesia com a voz ardente de Shane, que me enfeitiçaram para sempre. As letras era sobre histórias simples e fáceis de cantar com temas sobre uísque, cerveja, ou pequenas história como a de Francesco Vasques Garcia em “Fiesta” ou a épica: “Farytale of New York”, duas músicas muito diferentes uma da outra que colaram na minha cabeça.

 

Bem, depois disse veio “Peace and Love” e mais dois discos e aí o Shane foi expulso do Pogues e acabou se juntando ao the Popes que também escutei muito. “Hauted” sobre a Nancy e o Sid Vicious no dueto com a Sinèad o’ Connor ouvi um milhão de vezes. Ouço mais uma vez aqui.

 

E como ele fez duetos históricos: Kirsty MacColl, Nick Cave, Cair O Riordan e a própria Sinèad, que também morreu esse ano.

 

Ah! e há 11 ,12 anos a banda curitibana Bad Folks se juntou, próximo do Natal, pra um show e tocam pelos menos duas ou três do Pogues, sendo o refrão de “Dirty Old Town” cantada pelo público em uníssono. Alias, vai ter um show desses dia 23 de dezembro no James.

 

Bem, o Shane Mac Gowen nasceu no dia do Natal e morreu próximo, então, a partir de agora tenho motivos pra “comemorar” o Natal ao estilo dele: bebendo muito e não ligando para as aparências. Perdemos um grande compositor e cantor que nos amávamos. Um herói.

 

Viva a Irlanda e o Shane MacGowen! É isso!!

 

 

O segundo fã do Pogues a depor foi Rodrigo Barros, vocalista e guitarrista da Contrabanda, Beijo AA Força, Maxixe Machine e Orquestra Sem Fim:

 

Conheci o Shane , com seu bando em 1985 , os Pogues , através dos meus primos e amigos de Brasília com o Lp Rum, Sodomy and Lash. Eles eram uma espécie de músicos que não teriam muito a ver com o punk , a não ser pelo estilo veloz e a vivência poética lírica do Shane , punk de primeira hora , facilmente identificado em vários vídeos de shows do ícones dos primórdios do movimento na Inglaterra. Shane era pra mim como um amigo bebum e talentoso que morava longe, e que sempre estava acessível na hora que as emoções apertassem. E elas apertaram muitas e muitas vezes, e o Shane estava ali, sempre junto, com suas canções alegres e tristes ao mesmo tempo, que em sua desesperança e emoção eram mais esperançosas que qualquer outro compositor.

 

Sem dentes, descabelado e invariavelmente bêbado , Shane era o loki do boteco , o amigo de todos , o que não o salvou de ser expulso da própria banda, como castigo ou talvez reprimenda pelos excessos. Tem uma entrevista sua em ele e um amigo estão tão bêbados que tentam sair pelo espelho do camarim. Confira aqui. O fato de estar completamente bêbado numa entrevista pós show , só depõe a favor do mito que se construiu de Shane.

 

O Shane era tão foda, que um fã se escalou para cantar na banda enquanto o castigo valesse. O nome desse fã abnegado?: Joe Strummer. Shane voltou mais tarde , para turnês de despedida em 2011/2012. Nesse entretempo, criou outra bandas o Popes , e fez música com vários grandes nomes.

 

No Beijo AA Força era unanimidade , tocamos alguns covers como, Lorelei e Fiesta. Com o Maxixe Machine, temos gravada no Sesc da esquina Dirty Old Town, junto com o Keltoi, com flautim, gaita de fole e violinos (ouça aqui). Três músicas do Shane nos repertórios, e olha que nunca fomos muito de tocar covers nos nossos shows .

 

Agora o Shane morreu… e ver o seu funeral irlandês na madrugada, ao vivo, me fez chorar… Não por ele ou todos amigos que não estão mais por aqui. Foi um choro meio de alegria melancólica, vendo o povo cantando suas canções nas ruas, a festa de despedida na catedral lotada, tudo pro adeus ao nosso velho amigo punk. Até que ele durou bastante. Veja o funeral aqui.

 

O próximo depoimento é de Renato Quege, baixista e guitarrista de grupos como Contrabanda, Beijo AA Força e Ídolos de Matinée, autor de três livros de sucesso e especialista:

 

Shane Patrick Lysaght MacGowan foi um poeta!

 

E garoto inquieto, punk rocker atuante e compositor brilhante.

 

Ainda não tive coragem de ver as imagens das homenagens prestadas ao grande bardo que se espalharam pela Irlanda e resto do mundo desde a igreja de Santa Maria do Rosário, em Nenagh, na Irlanda, onde família e amigos cantaram e dançaram numa celebração comparável ao “funferal” de “Finnegans Wake”. Vi a foto do velho pai que sempre apoiou incondicionalmente, ao lado da mãe, já falecida, o artista que foi uma espécie de irmão mais velho para muitos de nós!

 

Quando andava pelas ruas de Dublin no último “Bloomsday” do século XX, logo percebi que Shane disputava a atenção com James Joyce e U2 nas livrarias, lojas de discos, vendas de lembranças e camisetas e certamente logo será agraciado com uma estátua em algum rincão da ilha de São Patrício.

 

Shane nasceu na Inglaterra por acaso no natal de 1957 e “Fairytale of New York”, dele e do grande amigo Jem Finer, tornou-se a música mais linda tocada nas festas de final de ano desde seu lançamento em 23 de novembro de 1987.

 

Dediquei um capítulo inteiro à música dos Pogues e principalmente ao Shane no meu primeiro livro. Digo isto simplesmente para mostrar que o meu amor pela banda vem de muito longe e vai durar para sempre.

 

Os irlandeses são notórios pelo humor peculiar, simpatia única, literatura, lutas históricas pela liberdade e por serem bons de copo. Então, um brinde ao sujeito que honrou as tradições de seu país e ao mesmo tempo deu vida nova ao pop contemporâneo.

 

“Sláinte!”

 

Pra finalizar os depoimentos, temos um verdadeiro manifesto do músico e compositor Luiz Ferreira, que junto com Rodrigo Barros e Renato Quege foi um super fã deste herói de nossos tempos:

 

PLANXTY NOEL HILL

A morte de Shane Macgowan me provocou uma tristeza profunda, confesso que até rolou uma lagrimazinha sincera, pela constatação de que os mais geniais artistas da geração punk e pós punk vão deixando no ar um clima de obra inacabada e até mesmo sem o merecido reconhecimento.

 

Enquanto os expoentes do rock dos anos 60 e 70 continuam em atividade com todo o apoio estrutural da indústria do entretenimento, seus naturais sucessores morrem cedo: além de Shane, já se foram Joey Ramone, Joe Strummer, Mike Hutchence, Kurt Kobain, Chris Cornel, além daqueles que aparecem pouco por motivos de saúde física e mental. Uma imensa gleba de rockeiros conservadores, por motivos fúteis que pouco ou nada tem a ver com música, tentam cancelar grandes bandas oitentistas, ignorando a verdadeira inovação proporcionada por elas, como é o caso, por exemplo, da mega banda irlandesa U2, talvez por ser a de maior resposta de público e, convenhamos, conserva que é conserva não acredita que sucesso e inovação possam caminhar juntos. A não ser que sejam, é claro, os já consagrados pioneiros do rock, hoje medalhões do mercado do entretenimento. Daí apelam até para o imposto de renda do Bono, mas isso já é outro papo.

 

Os dentes podres de Shane foram a maior surpresa da música pós punk. O mercado, a indústria, a mídia, nada nem ninguém esperava uma resposta tão forte e sincera por parte de um público seleto, mas fiel e espalhado por todos os continentes. Shane chegou ao coração de uma legião de admiradores e influenciou com sua poesia certeira e sua voz rouca e única, ouvintes pelo mundo todo.

 

Mas nem sempre foi assim. Quando começaram, o Pogues foi consagrado como a grande novidade da música por fundir punk rock com música tradicional irlandesa, mais uma vez a inovação aparece olhando para trás, unindo música tradicional com a música contemporânea, das ruas, porém, os músicos mais conservadores da música tradicional irlandesa caíram de pau. Tommy Makem, uma espécie de Garth Brooks irlandês (sem as cifras de vendagem do americano, claro) declarou que The Pogues seria “o maior desastre que já atingiu a música irlandesa”. Ganhou um belo vácuo da banda.

 

Inocentemente, alguns músicos do The Pogues participaram de um debate sobre música irlandesa em um programa na rádio RTÉ, juntamente com Noel Hill, outro consagrado musicista tradicional irlandês, mestre no estudo e ensino da concertina, uma espécie de ancestral do acordeão, só que menor, hexagonal e com botões no lugar de teclas, além de ser muito utilizado na música irlandesa, também na música portuguesa, russa e até mesmo no interior do Espírito Santo, nas festas tradicionais de Santa Teresa e Santa Maria. Todos os músicos do The Pogues tinham por Noel Hill um grande respeito e admiração. Imaginem o espanto dos rapazes quando o cidadão começa a detonar a banda em rede nacional, chamando sua música de um “aborto terrível”.

 

A resposta da banda veio através de uma música de Jem Finer (procure por aí), chamada “Planxty Noel Hill” (link no final do texto), um tema instrumental bem ao estilo de Noel e sua turma de conservadores, só que com algum sotaque punk, gritos e efeitos que levam à informalidade provocativa típica daquela grande banda. Planxty é um tipo de música alegre irlandesa, mas pode ser entendido também como um “Cheers” provocativo à caretice dos compositores mais conservadores, caretões como Noel Hill.

 

Noel Hill parou de tocar devido a ferimentos por uma briga em um pub que nada teve a ver com The Pogues. Sua declaração furada acabou tornando-o mais famoso como crítico ruim, do que como o bom músico que foi. The Pogues, pouco depois, obteve o reconhecimento do público (embora pudesse, ao meu ver, ter maior visibilidade mundo afora), de grandes músicos, compositores, inclusive muitos dos tradicionais irlandeses. Foram consagrados por serem músicos sensacionais, capazes de inovar a música irlandesa e o pop rock mundial com pitadas de James Joyce, palavrões, bom humor, dentes podres de bêbados, jazz, flamenco e música tradicional, sem deixar sua pegada punk e o legado etílico filosófico de seu eterno band leader (mesmo depois de ser demitido por excessos) Shane Macgowan.

 

Shane existiu para nos lembrar que não só o rock, mas toda música precisa sempre romper fronteiras, quebrar paradigmas, fundir, expandir, enfim, inovar. O rock não vai morrer se não inovar, só não vai se renovar. Estilo não morre, hoje em dia só diminui sua presença nas play lists. Mas se não houver inovação, graças à saúde do McCartney, do Keith Richards e da indústria do entretenimento, o rock vai estar fadado a ser ainda por um longo tempo, uma releitura de “Satisfaction” e “Yesterday”, músicas que, aliás, adoro, tanto quanto “A Pair of Brown Eyes”, “Dirty Old Town”, “Fairytale in New York”, “Loreley”, “Fiesta”, “Planxty Noel Hill” e tantas outras maravilhas de Shane e sua excelente banda.

 

Para os que acham que não gostam do que não conhecem porque são “aborto”, “desastre para a música” e outros adjetivos desengonçados, sugiro ouvir de cabo a rabo “Rum, Sodomy & The Lash” pra começar. No mais, vai daqui minha saudação aos conservas do rock: “PLANXTY, FOOLS”.

 

Clique aqui para ouvir “Planxty Noel Hill”.

 

Leia outras colunas Frente Fria aqui.

1 Comment

  • Uma figuraça; triste a morte, essa sombra inevitável de todos nós.

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