Era um misto de oficina mecânica, com eletrodomésticos , aparelhos de rádio, vitrolas , toca discos, violões, bumbos, reco-recos, cuícas, violinos e diversos instrumentos musicais sobre as mesas.
Caixas de ferramentas, pneus, câmaras de ar, maçaricos , tanques de oxigênio e baús , espalhados pelo chão de cimento queimado.
Teias de aranhas pendiam, do teto enroladas e dissolvidas nos fios e lustres de iluminação ora apagados. Os caibros e tesouras do madeiramento suportavam ,as telhas goivas que ainda resistiam as chuvas.
A companhia elétrica nos tinha cortado a energia por falta de pagamento. Telefones mudos. Estávamos quebrados. O samba de Ataulfo soava no Radio. Era a Tupi.
Programa Barros de Alencar.
Naquela manhã ensolarada , os raios de sol ,através das frestas das tábuas de madeira , desde as paredes do galpão iluminavam, uma miríade multicolorida e fragmentada de artefactos musicais e ferramentais, dentro oficina desorganizada.
Aos poucos, o calor da luz do sol faria evaporarem, os odores de óleos, querosenes e gasolina do recinto.
Porém, aquele odor característico das tintas automotivas demoraria para diminuir a sua intensidade. Latas abertas de antiferrugem e muitas estopas dispersas, na tentativa de enxugarem as múltiplas cloacas de óleo industrial jaziam espalhadas, no piso acinzentado.
Garrafas de cerveja vazias ao chão…restos de comida. Garrafas de pinga, guardanapos, talheres e pratos com restos, da moqueca de peixes, expressavam a roda de samba da noite anterior.
A ressaca encontrou-me, de cabelos revoltos, barbudo e eu ainda de macacão de mecânico. Limpo mesmo somente de anteontem, após o banho as cuecas limpas.
Era hora de iniciar os reparos daquele velho Studbacker do Prefeito.
Ataulfo Alves no Rádio cantava o seu pequeno Miraí em lancinante e saudoso samba.
Eu aqui meio pescador. Meio mecânico. As vezes sambista. Muitas vezes bêbado.
Alguém se aproximava do barracão da Oficina. Um ronco de motor que eu conhecia.
Um Simca Chambord, deslizava rumo ao nosso portão.
Simca, rabo de peixe. Novinho em folha. 1964. Na cor verde turquesa. Cheio de frisos cromados e prateados. Aros dos pneus metalizados. Pneus novos com faixas brancas. Radio Transistor a bordo pensei. Vi a antena erguida. Eu vi!
Jóia da indústria automobilística francesanas terras tupiniquins.
Obcecado ,estive em transe pela visão do Simca.
Este parou ao meu lado e estacionou quase dentro da oficina.
A luz do sol me impedia ver direito o motorista. Olhei deliciado para as mãos sobre aquele volante perolado, com cambio anexo e o painel pleno de botões e relógios.
Que mãos delicadas! Surgiu-me desde o Simca uma esplendorosa motorista loira.
Pensei que a conhecia de algum lugar. Sim!!! Das revistas Manchete e O Cruzeiro.
Nossa! Não acredito! Parece ela….a famosa atriz francesa. Brigitte. Meu coração disparou. Saindo pela boca. Tremi.
Meu Deus! Ela estaria aqui em Armação de Búzios!?? É uma alucinação minha.
E quem é esse cara, com ela?
– Bom Jour Monsieur! Não entendi nada mas respondi.
– Olá tudo bem! Entrem! Em que posso servi-los ( falei me sentindo um Jeca Tatu)
Adentraram à Oficina. Os cumprimentei novamente. Quem a acompanhava pareceu-me ser um playboy e ou um gigolô.
Mas falava com sotaque a nossa língua. Ele falava enquanto ajeitava a camisa de linho. Depois me pede umas estopas para limpar seus sapatos. É um tal de Bob Zagury.
Entendi, após sua fala, que o Motor do Simca está trabalhando desregulado.
Levantavam suspeitas sobre a qualidade da gasolina que adentrou, no tanque em um Posto da Atlantic ou da Shell.
Agora, Briggite caminhava com leveza e elegância de bailarina , pela oficina e sorria-me, quando percebera dependurado ,em uma parede, um calendário poster, com a imagem de Bettie Page a Pin Up americana.
Brigitte pergunta-me: – Voce gosta dela? E o que pensa sobre mim? Acha que sou muito mais bonita?
Respondo: Sim ! Muitissimo mais bonita. Maravilhosa! Horas depois….
Consertei o carro . Eram velas sujas atrapalhando a ignição e o arranque.
Me pagaram em francos franceses.
Bob me olhou meio enciumado pois Brigitte acariciou-me o rosto barbudo e meu peito cheio de graxa e óleo, nos entremeios do meu macacão de mecânico.
No dia seguinte Bob viajou ao Rio para buscar uns francos no Banco Paribas. Ficaria uns quatro dias no Rio cuidando de negócios da sua nova Boate.
Brigitte sozinha ,veio à oficina com o Simca novamente para eu regular melhor o carro.
Bem, com todo aquele óleo e graxa ,não regulei apenas o carro!
A praia de Armação de Búzios tinha muitos atrativos , sol , mar e céu azul. Aquelas quatro noites seriam bem estreladas. Inclusive iluminadas por cometas alucinantes!
Dentro do Simca, sobre as poltronas de couro eu ensinei algums sambinhas do Ataulfo Alves para a Brigitte.
E ela me fez gostar de Silvie Vartan ,Sasha Distel e até do Aznavour.
O que não se faz por uma Bela Mulher??! Até cantar Aznavour dentro de um Simca 1964.
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