Nos últimos dias, uma notícia me chamou atenção — infelizmente, não consigo lembrar o nome da pessoa envolvida, mas era uma figura conhecida que teria decidido se mudar para um país da Europa onde a morte assistida é legalizada. O motivo? Um diagnóstico sem volta e o desejo de não prolongar o sofrimento.
Não é um tema leve, mas é, sem dúvida, humano. O cinema já se debruçou sobre ele com delicadeza, poesia e profundidade. Três filmes que assisti me vêm à memória:
– As Invasões Bárbaras, em que um professor universitário, diante da morte iminente, reúne amigos e familiares para a despedida;
– Fale com Ela, que aborda o coma prolongado e o direito à interrupção de tratamentos; e
– Mar Adentro, baseado na história real de Ramón Sampedro, que passou trinta anos tetraplégico lutando pelo direito de morrer com dignidade. Esse é o meu preferido.
Há outros filmes que tratam desse abismo ético, e todos eles apontam para o mesmo dilema: quem deve decidir o fim da vida? O Estado? A religião? A família? O próprio doente?
Fui pesquisar sobre o assunto e encontrei alguns casos reais. Uma figura conhecida que decidiu se mudar para um país europeu onde a morte assistida é legal foi David Goodall, um ecólogo e botânico australiano. Em 2018, com 104 anos — e mesmo não estando terminalmente doente —, optou por viajar para a Suíça, onde o suicídio assistido é permitido. O fato repercutiu na mídia internacional e suscitou discussões sobre os direitos de escolha no que diz respeito ao fim da vida.
Goodall disse que desejava terminar sua vida com dignidade. Mencionou suas contribuições científicas e deixou claro que não estava sofrendo de uma doença terminal, mas buscava a morte assistida devido à deterioração da qualidade de vida. Esse caso mostra os desafios e as complexidades da legislação sobre a morte assistida e como a sociedade contemporânea a encara.
A Suíça é um dos países que permite o suicídio assistido sob certas condições, o que atrai pessoas de vários lugares do mundo que buscam a opção legal de morrer com dignidade. Há quem se refira a isso como “turismo de suicídio” — o que, convenhamos, é de péssimo gosto.
O astro de cinema francês Alain Delon, que faleceu há pouco mais de seis meses, aos 88 anos, também na Suíça, havia deixado clara a opção pelo suicídio assistido, conforme revelou seu filho em 2022.
Além da Suíça, Bélgica, Holanda, Canadá e alguns estados americanos já legalizaram a prática — com critérios.
Sobre a chamada eutanásia, é conhecido o caso do médico norte-americano Jack Kevorkian, que ganhou atenção internacional após assistir mais de 100 doentes terminais.
No Brasil, o assunto ainda é tabu, e qualquer ajuda ao suicídio é enquadrada como crime. Mas isso não impede que ele ronde os corredores dos hospitais, onde habita o silêncio das famílias que assistem seus entes queridos definharem. Há outros países que estudam sua legalização.
Os que defendem a prática argumentam que não se trata de apologia à morte, mas de defesa da dignidade na hora de morrer. Dizem que, da mesma forma que defendemos o direito de nascer bem e viver com qualidade, é preciso discutir abertamente o direito de morrer sem dor, sem angústia e sem humilhação.
É claro que há quem veja nisso uma afronta à vida, ao plano divino, ou mesmo um risco de banalização. O debate é legítimo, mas deve ser feito com cuidado.
É curioso observar que evoluímos tanto na medicina, na ética e na liberdade, e ainda haja quem prefira fingir que essa discussão não existe — ou que só se aplica aos outros.
Embora o debate sobre a morte assistida avance no campo da ética, da medicina e da legislação, as religiões, em sua maioria, mantêm forte oposição ao tema.
Para as tradições religiosas, a vida não é apenas um bem individual — é dom de D’us. Portanto, interrompê-la voluntariamente, mesmo em situações extremas de sofrimento, é visto como uma violação da ordem sagrada da criação.
No judaísmo, a vida é considerada o bem mais precioso — e deve ser preservada até o desenlace natural. Mesmo em casos de dor extrema ou doença terminal, não se autoriza nenhuma ação que antecipe a morte. O princípio de pikuach nefesh (salvar uma vida) prevalece sobre quase todos os outros mandamentos.
Assim, a eutanásia ativa é condenada pelas correntes ortodoxas e conservadoras. Há, no entanto, uma pequena margem para discutir os limites do prolongamento artificial da vida, quando os tratamentos apenas estendem o sofrimento, sem chance de reversão. Isso leva, eventualmente, ao consentimento em não iniciar ou suspender intervenções, desde que a morte ocorra de forma natural, sem provocar ativamente o seu desenlace.
Entre os católicos, a posição também é clara: a vida pertence a D’us, e só Ele pode determinar seu fim. O Catecismo da Igreja Católica condena tanto o suicídio quanto a eutanásia. No entanto, assim como no judaísmo, a suspensão de tratamentos desproporcionais — que apenas prolongariam o sofrimento — é considerada aceitável, dentro de uma visão de “morte digna”.
Nas religiões protestantes, a questão é mais plural. Algumas denominações mantêm posição conservadora, como a católica, enquanto outras — especialmente nas vertentes mais liberais — têm se mostrado mais abertas ao debate, enfatizando a compaixão e o respeito à autonomia individual.
No islamismo, a vida também é sagrada e só pode ser encerrada por vontade divina. A eutanásia é proibida, mas também se discute a legitimidade de interromper tratamentos que mantêm o corpo vivo sem chance real de recuperação.
Talvez a pergunta mais importante seja:
— E se fosse comigo? Ou com alguém que eu amo?
A resposta deve ser construída dentro de cada um. Mas ignorar a pergunta é que me parece inaceitável.
Pesquisando sobre o assunto, encontrei uma reflexão profunda:
— “A vida é sagrada, sim. Mas não será ainda mais sagrada quando é vivida — e encerrada — com consciência, escolha e dignidade?”
E você, querido Leitor Amigo, o que acha?
Mínimas que são o máximo
“A bondade de D’us é dar o que você merece, e a misericórdia dele é não dar o que você merece.”
Leia outras colunas do Gerson Guelmann aqui.
Muito bom texto, passou da hora de tratarmos desde assunto. Por aqui no tabelionato, fazemos uma escritura conhecida como “testamento vital” mas que, tecnicamente é uma Declaração Antecipada de Vontade, que prevê como a pessoa quer ser tratada em caso de não poder manifestar seu desejo a ortotanasia e também podendo indicar um procurador para tomar decisões. E, no limite, também declarar seu desejo de morte assistida, a eutanásia, fora do Brasil, ou aqui se a legislação venha permitir.
Angelo, extremamente oportuno teu comentário. Eu desconhecia a existência desse recurso.
O nome desse meu fraterno amigo carioca era o poeta, escritor e filósofo Antônio Cícero.
Acredito que o livre-arbítrio deva prevalecer sobre todos os princípios e dogmas religiosos, independente se, cristãos em suas diversas vertentes, islamismo, judaico. Recentemente tivemos um caso de grande repercussão na mídia nacional, o escritore compositor brasileiro, Antonio Cícero, membro da Academia Brasileira de Letras, morreu em 23/10, após fazer um procedimento de suicídio assistido na Associação Dignitas, localizada na Suíça. De Joinville-SC, a herdeira do Laboratório Catarinense também optou pelo suicídio assistido na Suíça. Respeitar o sentimento, e vontade, de quem não quer prolongar próprio sofrimento pessoal e de seus queridos, aos meus olhos, é inquestionável; a legislação nacional necessita ser revista, não cabe ao Estado decidir sobre aspectos de fórum íntimo dos cidadãos e seus familiares.
Sérgio, os casos citados por você reforçam a necessidade de se discutir o assunto, independente das considerações de ordem religiosa.
Sem Dúvida,a Vida é um Dom Divino!!O sofrimento é o que??.. Punição??
Meu Pai sofreu desesperadamente as dores de um câncer, teve terminais nervosos seccionados para alívio da dor e ficou imobilizado por consequência… falava com os olhos..Uma dor que todos nós compartilhamos em tristeza… Deus nos Proteja 🙏🏻
Ronaldo, o sofrimento pelo qual teu pai passou e que se extendeu ao resto da família é
uma contribuição à necessidade de avaliação da questão por parte da sociedade.
O nome desse meu caríssimo amigo é Antônio Cícero , poeta, escritor, filósofo e letrista. Grande pensador brasileiro.
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