O título impressiona e pode até chocar, mas o alerta é extremamente importante, especialmente para quem frequenta as praias apenas na chamada “temporada”.
O autor do texto abaixo é Mario Vittone, um Consultor de Riscos Marítimos que se aposentou da Guarda Costeira dos EUA após 22 anos de serviços.
Ele conta que, de início, escreveu um pequeno artigo sobre o assunto para uma revista da própria corporação, e mais tarde o alterou, adicionando informações úteis, mas não conseguiu publicar. Foi então que um amigo postou em seu próprio Blog e as visualizações foram tantas que o site chegou a travar.
Mario diz que em razão da repercussão ele decidiu traduzir o artigo para outros 15 idiomas. A transcrição é do Blog em português:
O afogamento não se parece com afogamento
O novo capitão pulou do cockpit, totalmente vestido, e veio como um torpedo pela água. Um ex-salva-vidas, ele manteve seus olhos em seu alvo enquanto vinha diretamente na direção dos donos da lancha, que nadavam entre o barco ancorado e a praia.
– Eu acho que ele pensa que estamos nos afogando – disse o marido para sua esposa.
Eles estavam jogando água um no outro e ela tinha gritado, mas agora eles estavam apenas parados, em pé sobre o fundo de areia com água até o pescoço.
– Estamos bem, o que ele está fazendo? – ela perguntou, um pouco irritada.
– Nós estamos bem! – o marido gritou, sinalizando para que o capitão parasse, mas ele continou nadando rapidamente.
– Afastem-se – ele gritou assim que passou entre os donos confusos.
Logo atrás deles, a menos de 3 metros de distância, a filha de 9 anos do casal estava se afogando. Assim que o capitão a tinha a salvo em seus braços, na superfície, ela explodiu em lágrimas e gritou:
– Papai!
Como esse capitão sabia – a 15 metros de distância – o que o pai não pode reconhecer a apenas 3 metros?
O afogamento não é aquele agitar de braços violento e gritos por socorro que a maioria das pessoas espera. O capitão fora treinado por especialistas e por anos de experiência em como reconhecer um afogamento. O pai, por outro lado, tinha sido condicionado pelos afogamentos mostrados na televisão.
Se você passa algum tempo na água ou perto dela (dica: isso abrange todos nós), então você deveria se certificar de que você e sua tripulação (*) sabem o que esperar sempre que pessoas entram na água. Até o momento em que a menina gritou chorosa “Papai”, ela não havia feito qualquer som.
Como um nadador de resgate da Guarda Costeira Americana, eu não me surpreendi nem um pouco com essa história. Afogamento é quase sempre um evento enganosamente quieto. O agitar de braços sobre a água e os gritos de socorro são efeitos dramáticos que a TV usa e que são raramente vistos na vida real.
A Resposta Instintiva de Afogamento ou IDR (do sigla em inglês Instinctive Drowing Response) – termo cunhado por Francesco A. Pia, Ph.D – é o que as pessoas fazem para evitar o sufocamento real ou percebido (imaginário) na água. E isso não se parece com o que a maioria das pessoas esperaria. Há quase nenhum tipo de aceno frenético ou gritos de socorro.
Para se ter uma ideia de quão quieto ou desprovido de agitação na superfície o afogamento pode ser, considere o seguinte dado fornecido pelo Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC): o afogamento é segunda causa de morte acidental em crianças até 15 anos (a primeira são acidentes de trânsito); das cerca de 750 crianças que se afogarão nos próximos 12 meses, ao menos metade acontecerá a menos de 25 metros de um dos pais ou adulto; em 10% desses afogamentos, o adulto o presenciará sem ter idéia de que está acontecendo. O Afogamento não se parece com afogamento.
Em um artigo para a Revista On Scene, da Guarda Costeira Americana (edição de Outono de 2006, pág. 14), o Dr. Pia descreveu o IDR como segue:
1. Exceto em raras circunstâncias, pessoas se afogando estão fisiologicamente incapacitadas de gritar por socorro. O sistema respiratório foi projetado para a respiração, a fala é uma função secundária. A respiração precisa acontecer antes que a fala ocorra;
2. A boca de quem se afoga fica alternadamente acima e abaixo da superfície da água, e quando está acima não tem tempo suficiente para exalar, inalar e gritar por socorro rapidamente antes que comecem a submergir novamente;
3. Pessoas se afogando não acenam por socorro. O instinto as força a estender os braços lateralmente e pressionar a superfície da água de forma a permitir que a pessoa erga o corpo e respectivamente sua boca para respirar;
4. Durante todo o tempo que dura o IDR, quem está se afogando não consegue controlar voluntariamente os movimentos dos braços. Fisiologicamente, não conseguem parar de se debater na superfície da água e interromper o afogamento com movimentos voluntários como acenar por socorro, nadar em direção a um possível resgate ou tentar alcançar algum tipo de equipamento que as ajudem a flutuar;
5. Do começo ao final do IDR, o corpo das pessoas permanece vertical em relação á agua, sem evidência de que esteja dando pernadas para se manter nessa posição. A menos que seja resgatada por um salva-vidas treinado, a pessoa só conseguirá se manter nessa posição entre 20 e 60 segundos antes de submergir.
Isso não significa que uma pessoa gritando por ajuda ou se debatendo na água não esteja em perigo real – elas estão passando por um episódio de stress aquático. Nem sempre presente no IDR, o stress aquático não dura muito tempo, mas ao contrário do afogamento, essas vítimas ainda podem auxiliar em seu próprio salvamento agarrando bóias, cabos de resgate, etc.
Fique atento para esses outros sinais de que um afogamento pode estar acontecendo:
• Cabeça baixa na água, boca abaixo da superfície
• Cabeça inclinada para trás com a boca aberta
• Olhos vidrados e vazios, sem foco
• Olhos fechados
• Cabelos sobre a testa ou olhos
• Posição vertical na água, sem o uso das pernas para dar propulsão
• Hiperventilação ou engasgos
• Tentativa de nadar em direção particular sem progresso real
• Tentativa de se virar de costas para a água
• Movimento de subir escadas, raramente para fora d´água
Portanto se um tripulante ou passageiro cair na água e tudo parecer em ordem (*), não esteja tão certo disso. Às vezes a indicação mais comum que alguém está se afogando é que não parece que eles realmente estão. Pode parecer que estão apenas boiando e olhando para o deck.
Como se certificar?
Pergunte claramente
– Você está bem? – se a pessoa puder responder qualquer coisa ela provavelmente está. Se você receber como resposta apenas um olhar vazio, você tem menos de 30 segundos para salvá-la antes que se afogue.
E um recado aos pais: crianças brincando na água são barulhentas. Quando elas ficarem quietas, vá rapidamente verificar o porquê.
(*) Nota minha: lembro que o autor se refere aos incidentes causados por pessoas nadando após mergulhar de barcos; as características dos afogamentos, no entanto, são as mesmas para quem entrar no mar a partir da praia. Os trechos do texto foram negritados por mim.
Leia outras colunas do Gerson Guelmann aqui.
1 Comentário
Texto com informações muito importantes!