Aos 77 anos, ainda não sei como me definir. De início me ocorreu o termo “paleontológico” mas não me sinto assim, realmente. Desde sempre me preocupei em viver de acordo com o meu tempo, valorizando o aprendizado proporcionado pela vida e ao mesmo tempo usufruindo tudo o que a modernidade traz de bom.
Consultada, a I.A. sugere que eu poderia ser uma espécie de “Avô Tecnológico” (ainda que não tenha netos humanos), “um septuagenário que desafia os estereótipos” ou, ainda, “alguém com 77 anos de experiência e uma mente aberta à inovação” (gostei dessa).
Pois então: “Estava eu posto em sossego, de tudo o que o mundo quer” (roubado do Camões), pensando no que compartilhar com meus persistentes leitores nesta terceira segunda-feira de 2025, e lembrei de um texto atribuído, sem comprovação, ao notável Nelson Motta. Como tudo o que se propaga pelas redes, ele se apresenta em diferentes versões. Vou tentar transcrever da melhor forma.
O texto é, no mínimo, sarcástico e polêmico; há flagrantes exageros e, por que não dizer, até inverdades. Parte da premissa de que antigamente tudo era excelente — o que não é verdade —, e que nada do que existe hoje é bom, o que também não é correto. Vale conhecer, pensar a respeito e tirar suas próprias conclusões.
Vamos lá, então:
“Homens de 18 anos pilotavam caças Spitfire para defender Londres, que era bombardeada por pilotos da Luftwaffe, de 19 anos. Com a guerra, milhões morreram, e os que sobreviveram voltaram para casa e tiveram que trabalhar duro para reconstruir seus países. Tiveram filhos e envelheceram. Comiam o que tinha pra comer. Economizavam o que podiam e cuidavam de suas famílias.
Hoje, a adolescência vai até os 35 anos. Muitas crises. Mundo cruel. Muitas decisões. Muita pressão. Tudo o que fora construído, até hoje, está errado.
Caras de 30 anos tomam toddynho, fazem depilação, usam óleos especiais na barba — desenhada. Praticam Tai Chi Chuan ou treinam Muay Thay. Não vestem couro, mas cânhamo. Depois de uma semana árdua de trabalho, de 6 horas com 2 de almoço — digitando em teclados ergonômicos, ou projetando maçanetas menos estressantes para o mundo moderno, ou traduzindo poemas húngaros, ou atualizando blogs —, reúnem-se com amigos, igualmente estressados, em bares modernos.
Com ar-condicionado, com mesas posicionadas segundo feng shui, ao som de gemidos de baleias ou de gaivotas imperiais de Vancouver ou de uma cachoeira de alguma serra que ninguém conhece, discutem problemas modernos. Para os quais têm todas as soluções.
É o tipo de gente que faltava para o mundo melhorar. Pena que chegaram tarde. Pedem suflê de mandioquinha com alho-poró, com traços de curry e framboesa selvagem — e harmonizam-no com caipirinha de aguardente de alecrim, com mixed de saquê e vinho crianza catalão, com adoçante natural destilado da casca da mini-jaca colombiana.
Finalizam com uma taça de café gourmet gelado (descafeinado, é claro), aromatizado com favas de baunilha de Madagascar e raspas de limão siciliano — curtido no vapor de madeira verde (reciclada) da margem esquerda do rio Loire, cortada na primeira semana do outono.
O fim da night: sarau de haicais nas ruínas de uma antiga fábrica ou em um terreno baldio. Ou então a performance de algum grande diretor revolucionário desconhecido nu (por ser incompreendido e perseguido pela mídia/crítica burguesa), que pinta o corpo de idosas igualmente nuas com tinta ecológica elaborada com pigmentos de terra trazida da Córsega, tendo ao fundo fotos — em preto e branco — de um fotógrafo cego — que não tem seu olhar moldado pelas convenções.
Chega em casa. Liga a TV. Coloca no canal alemão, embora não saiba sequer o presente do infinitivo do verbo sein. Dorme com camiseta de campanha israelense (comprada de um turco numa viagem a Madri) e meias Puket — uma de cada cor. Acorda de madrugada, toma água aromatizada, come meio polenguinho e volta pra cama, mas não consegue dormir — indignado com a operação Lava Jato ou com a crise — orquestrada — na Venezuela. Sofre. Acorda com olheiras, toma um toddynho, pensa em chamar um Uber. Desiste. Vai de bike. No caminho, recebe a ligação da mãe. Chora e pede pra passar na casa dela depois do trabalho, pra comer peras e para que assistam juntos Star Trek.”
Como disse, o sarcasmo e a ironia são evidentes – a expressão correta é “forçaram a barra” – mas temos que lembrar fatores que ajudam a explicar essas diferenças. Sou de 1947 e sei que antes disso as famílias enfrentaram guerras, crises econômicas e desafios que exigiam que os jovens assumissem responsabilidades cedo — e os exemplos são muitos. Na Europa, jovens de 15 ou 16 anos já trabalhavam em fábricas durante a Revolução Industrial para ajudar no sustento de suas famílias; outros, recém-passados dos 20 anos, lideraram famílias durante a Grande Depressão ou enfrentaram a Segunda Guerra Mundial como soldados e enfermeiras. Cemitérios militares provam isso.
Hoje, as circunstâncias são diferentes. O acesso à educação melhorou, mas o mercado de trabalho é mais competitivo e exige maior qualificação. Ao mesmo tempo, a sociedade passou a priorizar mais a saúde mental e o bem-estar, levando muitos jovens a priorizarem experiências pessoais antes de assumir compromissos como casamento, filhos e até mesmo carreiras definitivas. A transição para a idade adulta parece mais lenta, o que pode estar relacionado à dependência prolongada dos pais e a uma infância mais protegida.
Enquanto muitos jovens hoje discutem a crise climática ou a ética empresarial, as gerações passadas tinham preocupações mais urgentes: sobrevivência, guerra e fome. Outro ponto é exatamente o impacto da tecnologia. Se no passado o trabalho braçal era a base da economia, hoje o cenário é outro. Procurando o nome correto das profissões ligadas à Tecnologia, fiquei pasmo com a diversidade: desenvolvedor de software, engenheiro de dados, cientista de dados, especialista em segurança cibernética, administrador de rede, gerente de mídia social, especialista em marketing digital, criador de conteúdo, influenciador digital, entre outras. Isso pode não dizer nada aos mais velhos, mas é essencial no mundo digitalizado.
Ao mesmo tempo, temos que reconhecer que a dependência dos celulares e a pressão das redes sociais criaram desafios emocionais que as gerações anteriores desconheciam. O texto exagera nos estereótipos atuais (‘bares com feng shui, refeições gourmet e performances artísticas alternativas’), mas, apesar do tom jocoso, as descrições refletem escolhas culturais e estilos de vida que valorizam experiências estéticas e emocionais. Isso é fruto de uma sociedade mais globalizada, onde a individualidade é buscada e as tradições são questionadas.
O mundo mudou, e com ele, as prioridades e as formas de encarar a vida. Por um lado, os jovens de hoje se ressentem da experiência do amadurecimento forçado pelas circunstâncias. Por outro, se beneficiam com os ganhos em termos de criatividade, acesso ao conhecimento e, é bom dizer, com as preocupações com as pautas globais.
O desafio é encontrar um equilíbrio entre o melhor dos dois mundos: a responsabilidade e a maturidade do passado com a criatividade e a sensibilidade do presente. Afinal, talvez as gerações tenham mais a aprender umas com as outras do que a criticar.
Leia outras colunas do Gerson Guelmann aqui.
Caro amigo: no seu texto, com o qual me identifico plenamente (afinal, sou de 2/5/1946), você estabelece uma relação com o modernismo, e aponta certas dificuldades na adaptação ao que atualmente se apresenta – como exemplo, as atuais profissões trazidas pela cibernética.
Pois bem: como somos da mesma geração, permita-me aqui citar exemplos que nos deixarão mais livres, leves e soltos.
Meu pai, mineiro de Juiz de Fora que nasceu com o século passado (1907), nunca usou tênis nem calças jeans; o irmão caçula dele, que nasceu os anos 30 (minha avó casou duas vezes), já usava.
Meu pai usava um relógio Longines de bolso, com aquela correntinha para sacar o relógio do colete (que meu pai não usava).
Meu filho, de 45 anos, tem tatuagens pelo corpo. Eu não.
O linguajar do meu neto de 8 anos inclui palavras como “dificilmente”, “a princípio”, “amealhar” e por aí vai.
Sabe de uma coisa, caro Gerson? Nada mudou. Meus netos vão achar que estão totalmente desatualizados quando tiverem 40, 50 anos.
Forte abraço!
Como sempre excelentes textos! Parabéns