HojePR

Onde andará aquele médico de antigamente?

27/02/2023
doutor

Compartilho texto de autoria de Tatiana Bruscky, médica de Recife (PE). A publicação mais antiga que encontrei é de 2009.

 

Como meus leitores são na maioria da faixa dos “enta” sei que muitos o apreciarão. Um detalhe que agrega para que a gente possa conhecer um pouco mais sobre ela, é que na pesquisa encontrei manifestação de um seu irmão que diz “Tati, além de excelente médica e ótima poetisa, é escritora e, achando pouco, ótima artista plástica!”.

 

O título original é “Onde Andará o Meu Doutor” e nele a autora, com conhecimento de causa, diz que de uma forma geral os médicos de hoje são muito diferentes dos generalistas de antigamente.

 

Sou do tempo em que quando o paciente não conseguia sair, o médico ia vê-lo em casa, sentava à cabeceira da cama para examiná-lo e, importante, conversava com ele e com o resto da família.

 

Rendo aqui, por justiça, um preito de saudade e reconhecimento ao Dr. Ayssor Jamur, médico humanista que nos deixou em 2006. A descrição acima espelha seu trabalho.

 

Não adianta apenas sermos saudosistas e temos que viver der acordo com os tempos de hoje; os médicos passaram a receber outra formação e existem excelentes profissionais que mesmo sendo moços, exercem aquele tipo de medicina “antiga” e fazem, se não tudo, muito do que se praticava antigamente.

 

Claro que hoje os médicos têm ao seu dispor um arsenal de equipamentos e exames que lhes permitem investigar e diagnosticar a doença com muito mais precisão. Como disse, vivemos uma outra época.

 

Vamos ao texto da Dra. Tatiana?

 

Onde andará o meu doutor?

Hoje acordei sentindo uma dorzinha, aquela dor sem explicação, e uma palpitação, resolvi procurar um doutor,
fui divagando pelo caminho…

 

Lembrei daquele médico que me atendia vestido de branco e que para mim tinha um pouco de pai, de amigo e de anjo…

 

O Meu Doutor que curava a minha dor, não apenas a do meu corpo mas a da minha alma, que me transmitia paz e calma!

 

Chegando à recepção do consultório, fui atendida com uma pergunta:

 

– QUAL O SEU PLANO?

 

– O MEU PLANO?

 

Ah, o meu plano é viver mais e feliz, é dar sorrisos, aquecer os que sentem frio e preencher esse vazio que sinto agora!

 

Mas a resposta teria que ser outra… o MEU PLANO DE SAÚDE…

 

Apresentei o documento do dito cujo já meio suada, tanto quanto o meu bolso, e aguardei…

 

Quando fui chamada corri apressada, ia ser atendida pelo Doutor, aquele que cura qualquer tipo de dor…

 

Entrei e o olhei, me surpreendi, rosto trancado, triste e cansado… será que ele estava adoentado?

 

É, quem sabe, talvez gripado não tinha um semblante alegre, provavelmente devido à febre…

 

Dei um sorriso meio de lado e um bom dia…

 

Sobre a mesa, à sua frente, um computador, e no seu semblante a sua dor.

 

O que fizeram com o Doutor?

 

Quando ouvi a sua voz de repente: O que a senhora sente?

 

Como eu gostaria de saber o que ELE estava sentindo…

 

Parecia mais doente do que eu, a paciente…

 

– Eu? ah! sinto uma dorzinha na barriga e uma palpitação, e esperei a sua reação.

 

Vai me examinar, escutar a minha voz auscultar o meu coração…

 

Para minha surpresa apenas me entregou uma requisição e disse:

 

– Peça autorização desses exames para conseguir a realização…

 

Quando li quase morri…

 

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA, RESSONÂNCIA MAGNÉTICA e CINTILOGRAFIA!?

 

Ai, meu Deus! que agonia!

 

Eu só conhecia uma tal de abreugrafia…

 

Só sabia que ressonar era (dormir),

 

De magnético eu conhecia um olhar…

 

E cintilar só o das estrelas!

 

Estaria eu à beira da morte? de ir para o céu? Iria morrer assim ao léu? Naquele instante timidamente pensei em falar:

 

– Terá o senhor uma amostra grátis de calor humano para aquecer esse meu frio? Que fazer com essa sensação de vazio? e observe, Doutor, o tal Pai da Medicina, o grego Hipócrates, acreditava que A ARTE DA MEDICINA ESTAVA EM OBSERVAR. Olhe para mim…

 

Bem verdade que o juramento dele está ultrapassado!

 

Médico não é sacerdote…

 

Tem família e todos os problemas inerentes ao ser humano…

 

Mas, por favor, me olhe, ouça a minha história! Preciso que o senhor me escute, ausculte e examine! Estou sentindo falta de dizer até aquele 33! Não me abandone assim de uma vez! Procure os sinais da minha doença e cultive a minha esperança! Alimente a minha mente e o meu coração…

 

Me dê, ao menos, uma explicação! O senhor não se informou se eu ando descalça… ando sim! Gosto de pisar na areia e seguir em frente deixando as minhas pegadas pelas estradas da vida, estarei errada?

 

Ou estarei com o verme do amarelão?

 

Existirá umas gotinhas de solução?

 

Será que já existe vacina contra o tédio?

 

Ou não terá remédio?

 

Que falta o senhor me faz, meu antigo Doutor!

 

Cadê o Scoth, aquele da Emulsão? Que tinha um gosto horrível mas me deixava forte que nem um Sansão!

 

E o Elixir? Paregórico e categórico.

 

E o chazinho de cidreira, que me deixava a sorrir sem tonteiras? Será que pensei asneiras?

 

Ah! meu querido e adoentado Doutor!

 

Sinto saudades dos seus ouvidos para me escutar, das suas mãos para me examinar, do seu olhar compreensivo e amigo… do seu pensar…

 

O seu sorriso que aliviava a minha dor…

 

Que me dava forças para lutar contra a doença… e que estimulava a minha saúde e a minha crença…

 

Sairei daqui para um ataúde?

 

Preciso viver e ter saúde!

 

Por favor, me ajude!

 

Oh! meu Deus, cuide do meu médico e de mim, caso contrário chegaremos ao fim…

 

Porque da consulta só restou uma requisição digitada em um computador e o olhar vago e cansado do Doutor!

 

Precisamos urgente dos nossos médicos amigos, a medicina agoniza… ouço até os seus gemidos…

 

Por favor, tragam de volta o meu Doutor!

 

Estamos todos doentes e sentindo dor…

 

E peço, para o ser humano, uma receita de calor, e para o exercício da medicina….. uma prescrição de amor!

 

Leia outras colunas do Gerson Guelmann aqui.

2 Comentários

  • Complicado, hoje em dia, a maioria das pessoas querem que o médico passe exames, se só receitam e ascultam o coracao, pulmão, ou só medem pressão, falam que o convênio quer economizar.
    Mas falando da autora, realmente fala com a alma, de uma forma leve e poética

  • Gerson, agradeço a divulgação dessa crônica, linda em sua lucidez e que confirma, em muito, o que estamos presenciando.

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *