A Coca-Cola tinha a tradição de fazer memoráveis campanhas de Natal. Não lembro de tê-las visto nos últimos anos, mas algumas, como a de 2012, marcaram época. Ela foi feita em uma comunidade rural chamada Suspiro, distante 15 quilômetros da zona urbana do município de Betânia do Piauí, cuja população total, segundo o censo de 2022, era de 6.220 pessoas.
Betânia fica distante 510 quilômetros de Teresina, a capital, e a pouco menos de cinco quilômetros da divisa com o estado de Pernambuco. No entanto, ainda mais longínqua era a chance de a pequena vila de Suspiro ser lembrada pelas autoridades, tanto assim que só saiu do anonimato por conta do comercial. Era uma das muitas comunidades pobres, isoladas e sem energia elétrica do sertão piauiense. À época, Betânia era o município com o menor número de residências ligadas à energia elétrica no Brasil. Não sei se a situação de pobreza endêmica mudou desde então. É pouco provável, especialmente considerando que em 2018 um ex-prefeito do município foi condenado por desvio de verbas públicas.
Suspiro simbolizava, e talvez ainda simbolize, um país que mesmo no século XXI padece com a falta de infraestrutura e serviços básicos. Essa dura realidade, paradoxalmente, fez da comunidade o cenário perfeito para um dos comerciais mais caros e bem produzidos daquele ano, exibido no intervalo do Fantástico de 23 de dezembro. O vídeo tocou os corações de muita gente e até hoje é lembrado.
Na campanha, o tradicional ‘Caminhão da Coca-Cola’ visitou Suspiro em parceria com a prefeitura local, levando a emoção do Natal às crianças e adultos. A iniciativa culminou, em 2015, na construção de uma praça de recreação batizada de ‘Clube da Felicidade’. O comercial mostrava crianças e moradores simples falando sobre suas expectativas para o Natal e o ‘Bom Velhinho’ – conceitos que sequer conheciam. No vídeo, via-se as crianças indo à escola na carroceria de uma caminhonete e jogando futebol com bolas artesanais feitas de plásticos e borrachas. A pureza dos depoimentos e a simplicidade dos personagens emocionaram o público, alimentando a esperança de melhores dias para a comunidade.
Contudo, ao revermos ações como essa, é natural que surjam perguntas. O que mudou em Suspiro? Será que a energia elétrica finalmente chegou? Como estarão os moradores que participaram do comercial, especialmente as crianças? Algum deputado federal destinou ao município uma dessas famosas ‘emendas Pix’ das quais tanto ouvimos falar?
Apesar das incertezas sobre o impacto dessas iniciativas, a ação da Coca-Cola mostra o poder transformador da esperança e da solidariedade. O raro momento de visibilidade para uma gente tão sofrida deixa no ar a pergunta: o brilho das luzes natalinas do comercial conseguiu iluminar também os caminhos para um futuro melhor para aquele povo ou tudo não passou de um ‘Suspiro’ e o silêncio voltou a predominar?
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