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GERSON-CABECA-COLUNA

Um milhão e seiscentas mil árvores, seis filhos. Falta o livro

06/01/2025

Sempre ouvi a expressão “um ser humano precisa plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro”, usada como uma espécie de mandamento para marcar nossa passagem pela Terra. Essa frase reflete a ideia de que, após nossa partida, deixaríamos ao mundo um legado duradouro no meio ambiente, na família e na cultura. A frase é atribuída ao poeta e filósofo cubano José Martí, mas não há segurança de que realmente seja dele.

Para esta primeira coluna de 2025, resolvi antecipar aos meus queridos amigos e leitores o desejo de tentar, antes do final do ano, cumprir o último desses requisitos. Então, anote em sua agenda:

• No dia 8 de novembro, sábado, quando, BeEzrat haShem (∗), estarei completando meu 78º aniversário, lançarei meu livro, em local a ser definido. Se será o primeiro ou único, apenas O Eterno sabe.

Agora, vamos à explicação do que já foi cumprido, começando justamente pelo que parece exagerado: as árvores, que vieram antes dos filhos.

No longínquo 1967, o Governo Brasileiro criou o IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal) para incentivar políticas de florestamento e reflorestamento, com o benefício fiscal da dedução de parte do Imposto de Renda de pessoas jurídicas que investissem em projetos. No ano seguinte, aos 21 anos e já trabalhando na indústria de móveis da família, recebi dos tios a incumbência de administrar a área de terras adquirida por nosso avô Salomão Guelmann na localidade conhecida como Desvio Ribas, no município de Ponta Grossa.

A compra foi feita nos anos 1940 com a finalidade expressa de acolher imigrantes judeus, devido ao decreto do governo Vargas que controlava a entrada de imigrantes, priorizando agricultores, ou seja, pessoas dispostas a trabalhar na terra. Esse assunto ainda será contado por mim.

Na verdade, a Fazenda Guabiroba vinha sendo subutilizada, restando apenas um plantio de eucaliptos feito pelo vovô para a produção de carvão e a criação, em sociedade com outra pessoa, de umas poucas cabeças de gado. De bom havia a casa da sede, razoavelmente usada pela família, e a localização às margens da Rodovia do Café. Antes de existir a estrada, o acesso à fazenda era por trem que saía de Curitiba e parava na estação de Desvio Ribas antes de seguir a Ponta Grossa.

Para a elaboração do projeto foi necessária a contratação de técnicos, começando pelo agrimensor Ênio Rubens Scheffer. Nesse momento, houve uma certa surpresa, porque o levantamento revelou uma área total menor do que se imaginava: 448 alqueires. Detalhe curioso é que a escritura original mencionava “mais ou menos X alqueires”, como, parece, era usual nos documentos da época.

Lembro ainda dos limites: rio Tibagi (divisa com o município de Palmeira), ribeirão Quebra-Perna e a área da família de Adolpho de Oliveira Franco, nossos vizinhos que, durante décadas, nos permitiram a “servidão de passagem”. Outro profissional contratado foi o engenheiro florestal José Geraldo de Araújo Carneiro, que nos assessorou desde a montagem do viveiro de mudas até o plantio da última árvore. Ambos eram profissionais de enorme dedicação e competência, e a eles agradeço pela paciência com o jovem que tanto os perturbou. O resultado foi o reconhecimento pelo IBDF como reflorestamento-padrão.

No que concerne ao viveiro, um orgulho pessoal: do total de 1.600.000 árvores, apenas 28.000 foram mudas adquiridas. Ou seja, a quase totalidade do plantio foi de mudas geradas a partir de sementes. Foi necessária a compra de um trator de esteiras para abertura de estradas entre os “talhões”, tanto para a segurança contra incêndios quanto para a futura extração da madeira.

Em uma ocasião, um pequeno avião que havia saído de Santa Maria (RS) com destino a Ponta Grossa pousou em uma dessas estradas devido a uma forte chuva.

Natural que surja a pergunta: o que foi feito de tudo aquilo? Tristes lembranças… Me desliguei da empresa em 1974, mas, por acordo com os tios e primos, continuei administrando a fazenda até que, no bojo de uma crise financeira, houve a necessidade de vendê-la. Desligar-me de tudo aquilo foi tão doloroso que, durante muitos anos, sempre que ia a Ponta Grossa, onde ainda tenho familiares, desviava o caminho pela cidade de Palmeira.

O segundo quesito foi cumprido em duas etapas: quatro filhos vieram com o primeiro casamento e outros dois ganhei no segundo.

Em um processo introspectivo, absolutamente sincero, digo que tenho plena convicção de que deixarei ao universo gente muito melhor do que eu, graças às mães deles. Tentei ser um pai melhor do que o que tive; espero ter me saído bem.

(∗) B’Ezrat Hashem é a expressão hebraica que nos lembra da presença e o comando de D’us. Serve para reconhecer que embora nosso desejo e esforço, o resultado final está nas mãos d’Ele.

Leia outras colunas do Gerson Guelmann aqui.

6 comentários em “Um milhão e seiscentas mil árvores, seis filhos. Falta o livro”

  1. Nossa. Meeus Parabéns!!!
    Seja pela passagem de seu aniversário vindouro, seja pelos 6 filhos sob sua Felicidade, seja pela Honorável façanha do milagre da multiplicação dos pães, digo, das 1.600.000 árvores e seja também pelo cumprimento do terceiro e último requisito (em novembro próximo), quando do lançamento de seu legado à nossa cultura, à cultura da humanidade.

    Como Ser, antes de Humano, parabenizo-o com um imenso sentimento de gratidão por me permitir participar do rol de amizades deste Ser, ao mesmo tempo que humilde, de tamanha envergadura no que tange a compreensão do próximo.

  2. Querido primo, achei otimo este artigo, tinha coisas que nao sabia e fiquei sabendo, estou aguardando o lancameto do livro e espero poder comprar um exemplar e depois receber aqui em Israel e desfrutar de lindas historias que imagino estarao neste exemplar…

  3. Seus Artigos Reunidos já representam uma enciclopédia nessa suave abordagem de dramas e alegrias.. Aguardando Novembro….
    1975, Ano da Geada Negra me causou um grande prejuízo, pois tinha uma belíssima lavoura, cadastrada e elogiada pelo IBC..,(Inst.Brasileiro do Café).

  4. gosto do estilo da tua escrita – redação meta-jornalística … autobiográfica e macia pra ler.

  5. Luís Mário Luchetta

    Parabéns Gerson, orgulho de ser teu Amigo e na espera do sucesso que será seu primeiro livro 🤝. Grande abraço

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