Tínhamos ido almoçar na casa da Vó Cylá na Praça 29 de Março e voltávamos pela Rua Martim Afonso sentido Centro, quando um carro subindo pela Rua Cabral atravessou a via ignorando a preferencial e bateu em cheio na moto 750 cilindradas que meu irmão dirigia e eu na garupa.
O James teve ferimentos leves. Já eu tive muitos ferimentos, não perdi a consciência e lembro das pessoas em volta, a chegada da ambulância, as dores fortes, especialmente quando me colocaram na maca, e o sacolejo pareceu piorar muito as dores depois que a ambulância saiu com a sirene ligada, avançando sinais, mudanças repentinas de faixas, freadas bruscas, arrancadas…
Ainda mais penosa foi a longa espera em uma antesala antes de entrar no centro cirúrgico, visto que tinha acabado de almoçar.
Após as cirurgias, o resultado foi o corpo quase todo engessado e só um braço e uma perna ficaram livres.
Com a fratura e cirurgia da clavícula engessaram também o tórax.
As fraturas expostas dos ossos da perna engessaram o pé, perna e coxa.
A fratura do braço engessou desde a mão até o ombro.
As várias escoriações no rosto e corpo só levaram pontos e fizeram hematomas.
Era 1980 e estava fazendo faculdade de Nutrição na Federal.
Providenciaram em casa uma cama de hospital, com aquelas manivelas para facilitar a mobilidade no leito, higiene e alimentação.
Passado algum tempo, nova cirurgia.
No leito, fui criando uma rotina, mas não lembro de sofrimento nem de ter sido penoso.
Só lembro que um rádio à pilha passou a ser meu melhor companheiro. Ficava em cima do armário.
Logo pela manhã a mãe ligava na Rádio Colombo e ficava ouvindo música, programas de entretenimentos.
As rádios AM transmitiam vida, movimento, havia uma interação com o ouvinte.
Escutava as dez músicas mais pedidas: da décima até a primeira música, sempre tentando adivinhar qual seria a próxima.
Em determinado horário começava o programa mais aguardado. O locutor cumprimentava assim: 🎶- Oioioi gente querida!🎶
Luiz Carlos Martins tinha as palavras certas, encorajadoras. Falava com o coração. E tinha uma voz tão bonita. Minhas manhãs corriam leves.
Tomava banho no leito, usava fraldas mas nada tirava minha alegria.
E fui criando uma proximidade com o radialista.
Sentia muita falta de escutar o programa aos sábados e domingos e era tão bom quando chegava de novo a segunda-feira e podia ouvi-lo de volta.
Após idas e vindas ao médico, nova cirurgia. A retirada total do gesso da perna ocorreu somente após 11 meses.
E então, já recuperada, quis conhecer pessoalmente o dono daquela voz tão encantadora.
Como ele trabalhava na Rádio Colombo que pertencia ao pai da minha melhor amiga, recebi o incentivo dela e fui ao encontro, bastante envergonhada.
Ele foi simpático, cordial.
Conversamos brevemente e já não sabia o que dizer, parecia que pessoalmente éramos somente desconhecidos.
Nossa relação sempre foi e será por ondas de rádio de amplitude modulada.
Educadamente nos despedimos.
Alguém me disse que isso acontece e não é raro entre ouvintes e radialistas.
– Teria sido uma paixão radiofônica?
Não importa a denominação.
Tornou minha recuperação muito mais leve.
– “Um beijo no coração”.
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