Não raro sou mencionada como memorialista. Me sinto agraciada com isso e por fazer merecer, debruço-me sobre a janela e caminho ainda mais atenta pelas ruas do Centro à procura de algo digno de menção… e que possa mesclar com minhas saudades.
E mais uma vez vou falar do meu avô: Dr Dante Romanó.
Seu primeiro consultório ficava na Praça Tiradentes. Década de 20.
O prédio, como podemos ver na foto de abertura, era um só. Hoje só existe metade (???).
Tinha 8 ou 9 salas. Alugavam para vários médicos. Vô Dante tinha duas janelas de frente para a praça. Entre os doutores estava o Dr Alô Guimarães.
Essa semana, após muito procura, casualmente achei uma imagem com o letreiro mostrando o nome do Vô Dante no prédio antigo, hoje já parcialmente demolido.
É preciso ler com uma lupa:
DR DANTE ROMANÓ
CLÍNICA GERAL
SYPHILIS
OPERAÇõES
O imóvel onde eram os consultórios foi posteriormente dividido em dois.
Uma metade foi demolida e a outra metade permanece em pé, mantendo as características originais.
Algo que nem Freud explica, só a engenharia da Curitiba de antigamente.
No endereço dos reclames de jornais antigos constava: ” Dr Dante Romanó – “Nos AUTOS da Tiradentes”.
Aliás, esse “autos” era o endereço da maioria dos médicos da época: “Nos autos da… Pharmacia Tell, nos autos da… Pharmacia Sanitas, nos autos da Pharmacia Internacional,…”
Não sei a razão exata de quase todos os doutores da época terem também consultório em cima das “pharmacias”. Do mesmo modo atendiam em suas residências.
Penso que como não eram pharmacias e sim drogarias, os pacientes saíam dos consultórios médicos com a receita para manipular e estar logo abaixo era estrategicamente interessante.
E imagino que os donos de pharmacias ofereciam valores atrativos nos aluguéis para atrair bons médicos. Nunca li nada a respeito, tratam-se de meras especulações.
Mas vejam que o vô Dante foi, assim como muitos outros médicos da época, verdadeiros super-heróis. Multiprofissionais.
Concluiu o curso médico em 5 anos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e logo a seguir foi fazer especialização de Cirurgia em Berlin.
Não era rico para isso. A mãe e irmãos trabalharam no batente da Confeitaria Romanó com muito afinco para isso se concretizar. Não tinham funcionários
Isso certamente o impulsionou a ser mais dedicado e esforçado.
Era também muito inteligente e teve a sorte da mãe falar alemão com os filhos na infância, o que facilitou o contato quando um grande médico alemão veio ministrar aulas na faculdade carioca.
Com o domínio do idioma conseguiu se destacar entre os colegas e ganhou uma bolsa para ir estudar Cirurgia na Alemanha.
Isso o distinguiu e preparou-o para realizar operações.
Algo que se aprendia com o curso médico regular mas com a oportunidade de fazer uma especialização fora do país, seria muito melhor.
No letreiro (que não enxergamos) consta que o vovô fazia operações. Não se especificava de qual órgão. Era geral.
Não sei até que ponto os cirurgiões davam conta de tudo. Porque o corpo humano é infinitamente complexo.
Decerto que com o passar dos anos o vovô foi ficando cada vez mais habilidoso e melhor.
Devia ter intuição apurada também porque todos dizem que ele foi um médico e cirurgião incrível.
Mas hoje é tudo muito diferente.
Se um paciente vai fazer uma cirurgia, é encaminhado para um médico que opera específicamente o ombro, a mão, o joelho, estômago, o cérebro,…
Com certeza a preparação é muito maior e a segurança também.
E se tem o apoio de exames de imagem que dão uma referência gigantesca para os doutores, além dos exames laboratoriais e monitoramento.
Penso que não foi moleza para ninguém, nem para os pacientes e muito menos para os doutores.
Mas o que considerei mais interessante no letreiro foi estar mencionado o tratamento da SYPHILIS. Com “ph” e tudo.
Doença perigosa, que causava muito sofrimento e morte.
Vô Dante tratava a doença numa época em que não existia a penicilina.
A penicilina foi introduzida no tratamento da sífilis em 1943 e ele já estava neste consultório desde o final de 1920.
Então foram uns 15 anos pelo menos, o período que tratou da sífilis sem benzetacil.
Ou melhor, a benzetacil foi ainda depois pois foi uma evolução da penicilina.
A penicilina pura era injetada e tinha o inconveniente de ser eliminada rapidamente pela urina, suor, etc.
Então descobriram uma forma de misturar a penicilina no mel de abelha.
Daí o organismo demorava bem mais para eliminar e assim o antibiótico ficava agindo bastante tempo no organismo.
E é por isso que até hoje dói muito! (Penso eu … ). Quem já tomou, sabe!
E antes de existir os antibióticos, o tratamento era na base do mercúrio e dos metais tipo arsênio e bismuto, pelo que li.
Difícil porque mesmo tendo pouco efeito curativo, se faziam algum bem, faziam mal também, assim como todas as drogas.
Mas era o que se tinha.
Aliás, fui criada onde tudo era iôdo. Iôdo ficava num recipiente de vidro com tampa de rolha lá em casa.
Até se usava a própria rolha para passar o iôdo.
Lembro também que banho de mar era o melhor remédio para tratar feridas, coceiras e machucados porque tinha o tal do iôdo.
Era iôdo pra lá, iôdo pra cá.
Meu pai também tinha mania de iôdo para tratar tudo nos cavalos.
Hoje nem se fala mais nisso.
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