Pular para o conteúdo

HojePR

O consultório do meu avô, Dr. Dante Romanó

30/04/2024
curitiba

Não raro sou mencionada como memorialista. Me sinto agraciada com isso e por fazer merecer, debruço-me sobre a janela e caminho ainda mais atenta pelas ruas do Centro à procura de algo digno de menção… e que possa mesclar com minhas saudades.

 

E mais uma vez vou falar do meu avô: Dr Dante Romanó.

 

Seu primeiro consultório ficava na Praça Tiradentes. Década de 20.

 

O prédio, como podemos ver na foto de abertura, era um só. Hoje só existe metade (???).

 

Tinha 8 ou 9 salas. Alugavam para vários médicos. Vô Dante tinha duas janelas de frente para a praça. Entre os doutores estava o Dr Alô Guimarães.

 

Essa semana, após muito procura, casualmente achei uma imagem com o letreiro mostrando o nome do Vô Dante no prédio antigo, hoje já parcialmente demolido.

 

É preciso ler com uma lupa:

 

DR DANTE ROMANÓ

CLÍNICA GERAL

SYPHILIS

OPERAÇõES

 

 

O imóvel onde eram os consultórios foi posteriormente dividido em dois.

 

Uma metade foi demolida e a outra metade permanece em pé, mantendo as características originais.

 

Algo que nem Freud explica, só a engenharia da Curitiba de antigamente.

 

No endereço dos reclames de jornais antigos constava: ” Dr Dante Romanó – “Nos AUTOS da Tiradentes”.

 

Aliás, esse “autos” era o endereço da maioria dos médicos da época: “Nos autos da… Pharmacia Tell, nos autos da… Pharmacia Sanitas, nos autos da Pharmacia Internacional,…”

 

Não sei a razão exata de quase todos os doutores da época terem também consultório em cima das “pharmacias”. Do mesmo modo atendiam em suas residências.

 

Penso que como não eram pharmacias e sim drogarias, os pacientes saíam dos consultórios médicos com a receita para manipular e estar logo abaixo era estrategicamente interessante.

 

E imagino que os donos de pharmacias ofereciam valores atrativos nos aluguéis para atrair bons médicos. Nunca li nada a respeito, tratam-se de meras especulações.

 

Mas vejam que o vô Dante foi, assim como muitos outros médicos da época, verdadeiros super-heróis. Multiprofissionais.

 

Concluiu o curso médico em 5 anos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e logo a seguir foi fazer especialização de Cirurgia em Berlin.

 

Não era rico para isso. A mãe e irmãos trabalharam no batente da Confeitaria Romanó com muito afinco para isso se concretizar. Não tinham funcionários

 

Isso certamente o impulsionou a ser mais dedicado e esforçado.

 

Era também muito inteligente e teve a sorte da mãe falar alemão com os filhos na infância, o que facilitou o contato quando um grande médico alemão veio ministrar aulas na faculdade carioca.

 

Com o domínio do idioma conseguiu se destacar entre os colegas e ganhou uma bolsa para ir estudar Cirurgia na Alemanha.

 

Isso o distinguiu e preparou-o para realizar operações.

 

Algo que se aprendia com o curso médico regular mas com a oportunidade de fazer uma especialização fora do país, seria muito melhor.

 

No letreiro (que não enxergamos) consta que o vovô fazia operações. Não se especificava de qual órgão. Era geral.

 

Não sei até que ponto os cirurgiões davam conta de tudo. Porque o corpo humano é infinitamente complexo.

 

Decerto que com o passar dos anos o vovô foi ficando cada vez mais habilidoso e melhor.

 

Devia ter intuição apurada também porque todos dizem que ele foi um médico e cirurgião incrível.

 

Mas hoje é tudo muito diferente.

 

Se um paciente vai fazer uma cirurgia, é encaminhado para um médico que opera específicamente o ombro, a mão, o joelho, estômago, o cérebro,…

 

Com certeza a preparação é muito maior e a segurança também.

 

E se tem o apoio de exames de imagem que dão uma referência gigantesca para os doutores, além dos exames laboratoriais e monitoramento.

 

Penso que não foi moleza para ninguém, nem para os pacientes e muito menos para os doutores.

 

Mas o que considerei mais interessante no letreiro foi estar mencionado o tratamento da SYPHILIS. Com “ph” e tudo.

 

Doença perigosa, que causava muito sofrimento e morte.

 

Vô Dante tratava a doença numa época em que não existia a penicilina.

 

A penicilina foi introduzida no tratamento da sífilis em 1943 e ele já estava neste consultório desde o final de 1920.

 

Então foram uns 15 anos pelo menos, o período que tratou da sífilis sem benzetacil.

 

Ou melhor, a benzetacil foi ainda depois pois foi uma evolução da penicilina.

 

A penicilina pura era injetada e tinha o inconveniente de ser eliminada rapidamente pela urina, suor, etc.

 

Então descobriram uma forma de misturar a penicilina no mel de abelha.

 

Daí o organismo demorava bem mais para eliminar e assim o antibiótico ficava agindo bastante tempo no organismo.

 

E é por isso que até hoje dói muito! (Penso eu … ). Quem já tomou, sabe!

 

E antes de existir os antibióticos, o tratamento era na base do mercúrio e dos metais tipo arsênio e bismuto, pelo que li.

 

Difícil porque mesmo tendo pouco efeito curativo, se faziam algum bem, faziam mal também, assim como todas as drogas.

 

Mas era o que se tinha.

 

Aliás, fui criada onde tudo era iôdo. Iôdo ficava num recipiente de vidro com tampa de rolha lá em casa.

 

Até se usava a própria rolha para passar o iôdo.

 

Lembro também que banho de mar era o melhor remédio para tratar feridas, coceiras e machucados porque tinha o tal do iôdo.

 

Era iôdo pra lá, iôdo pra cá.

 

Meu pai também tinha mania de iôdo para tratar tudo nos cavalos.

 

Hoje nem se fala mais nisso.

 

Leia outras colunas da Karin Romanó aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *