Há uns 40 anos, todo supermercado tinha uma área externa onde os clientes entregavam os cascos vazios (garrafas vazias) e recebiam um vale para comprar novos, sem pagar o casco.
Era o tempo das garrafas de refrigerante de vidro. Para comprar um refrigerante, somente era possível se o cliente trouxesse o casco certo.
O mais comum era que as pessoas comprassem cervejas e refrigerantes em distribuidoras de bebidas, onde já se chegava com o engradado vazio no porta-malas do carro e se trocava pelo cheio.
Mas havia quem preferia comprar nos supermercados, em unidades.
Então, era comum que cada residência já tivesse os cascos certos, conforme o gosto de cada família.
Não adiantava ter casco de Pepsi-Cola e querer comprar Coca-Cola, já que as distribuidoras de bebidas e os supermercados não aceitavam vender os refrigerantes com cascos trocados.
Dessa forma, era necessário ter engradados de Crush, de Garrafinhas de Chocomilk, de Fanta, Grapete, cerveja, Bidú, Gasosa Cini.
Nesse início dos anos 1980, recebi um telefonema de uma amiga chamada Ana Zelinda, que trabalhava numa grande fábrica de refrigerantes:
– Oi Karin, tudo bem? Meu chefe precisa de alguém que fale alemão. Precisa resolver um “probleminha” com um cliente.
– Ah é? Tudo bem e qual o probleminha?
– Na verdade, é um pouco longo mas é bem urgente! Fazemos assim, passaremos aí na tua casa daqui a pouco te pegar e no caminho explicaremos melhor! Assim vamos todos juntos falar com o cliente”.
Eu tinha recém chegado da Alemanha, onde fiquei por 7 meses. Tinha ido fazer intercâmbio e aprender o idioma.
Acontece que 7 meses é um tempo relativamente curto para você aprender um alemão fluente. Eu até conseguia me virar com o básico, pois como trabalhei lá como “Aupair Madchen”, que era o mesmo que babá, cuidava de duas crianças pequenas e me comunicava até um pouco.
Mas era um alemão limitado, ou melhor, limitadíssimo! Conseguia me comunicar com frases simples como: “Quer comer uma banana?”, “Querem que eu leia uma história?”, “Fiz panquecas e as crianças comeram tudo!”, enfim, coisas simples assim, frases curtas e diretas.
Minha amiga não demorou a chegar acompanhada com seu chefe e, durante o trajeto de carro até o consulado da Alemanha, me colocaram a par da situação, que aliás, era delicadíssima!
A esposa do cônsul da Alemanha tinha encontrado uma barata dentro de uma garrafa de refrigerante tamanho Família. Ela mesma abriu garrafa com o abridor e tirou a tampinha de metal.
O cônsul, indignado, entrou em contato com a fábrica do refrigerante e exigiu explicações, mas como não falava português, ninguém entendeu nada.
Foi nesse ponto da conversa que entendi a minha missão: intermediar aquela situação. E quando me dei conta, já estávamos em frente ao Consulado da Alemanha.
Uma belíssima casa de esquina em estilo eclético. Não havia como recuar. Queria explicar à Ana e ao chefe dela que não estava preparada para intermediar aquela situação complicada e não fazia ideia de como seria a tradução correta em alemão da maioria das palavras que eles estavam falando.
O fato é que não me deixaram recuar e só sei que quando vi, estava sentada em frente ao cônsul, numa linda sala. No canto, a bandeira da Alemanha, ao lado e em pé, a secretária dele. Minha amiga e o chefe dela sentados ao meu lado.
– Guten Abend! Deixei o cônsul falar. Ele estava perplexo! Indignado! Aguardava uma explicação.
E chegou a minha vez de abrir a boca, fiquei paralisada. Não sabia o que dizer. Não conseguia elaborar um pensamento convincente diante daquela situação. Nem em português. Quem diria em alemão.
Diante da minha mudez, o chefe da empresa que estava ao meu lado soprava o que eu tinha que falar:
– Explique o processo rigoroso de higienização das garrafas retornáveis e todas as etapas até o posterior envasamento!
– Fale que a limpeza é feita mecanicamente e não há contato manual em nenhuma das etapas da higienização!
– Explique a ele que são utilizados dezenas de jatos potentes de água fria e a finalização é com jatos em temperatura altíssima e que a etapa posterior de secagem é em ambiente estéril, com temperatura controlada!
– Fale da impossibilidade da barata ter entrado no recipiente dentro da fábrica!
– Explique como é feito o controle de qualidade…e parará… parará…!
Meu Deus! Nessa altura, me dei conta que não lembrava nem como era a palavra “barata” em alemão, muito menos “envasamento”, “mecanicamente”, “retornáveis”.
Comecei a balbuciar algo, mas fui interrompida pelo cônsul que estava cada vez mais fora de si.
E como eu poderia insinuar para aquele distinto senhor que a barata não tinha vindo da fábrica?
Isso era o mesmo que afirmar que a barata tinha entrado na garrafa na cozinha da casa dele.
Naquele momento imaginei que a mulher dele deveria manter a cozinha limpíssima.
E não ia ser eu que iria dar a entender o contrário. Caso insinuasse que a barata entrou na garrafa na própria cozinha, seria o mesmo que chamar a esposa de desleixada.
Minha amiga que assistia a tudo cada vez mais aflita, ainda tentou me mover:
– Fala Karin! Explica para ele!
Mas eu emudeci. Diante de tudo e todos, fechei a minha boca. Fiquei absolutamente calada.
E só fiquei imaginando que minha amiga ia perder o emprego por minha causa.
Seria o fim da nossa amizade. Não sei o desenrolar do litígio, pois fiquei envergonhada, me afastei por um bom tempo dessa amiga e depois nunca tive coragem de perguntar como resolveram a situação.
Só lembro de chegar em casa e, como não havia celular nem Google, corri para o dicionário português-alemão e procurei a palavra “barata”.
– Die Kakerlake!
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Uma verdadeira saia justa em alemão! kkkkkkkkk
A pressão foi grande , fico imaginando aqui que qq pessoa na frente de um alemão furioso teria tido este apagão!!!!
Kkkk
estou rindo alto aqui! Que situação!! Kkk
E refri na garrafa é muito mais gostoso.
Ahahahah