Vovó estava com 45 anos quando notou um nódulo no seio.
Vovô prontamente marcou a cirurgia no hospital anexo à casa e ele mesmo fez a intervenção com o auxílio dos assistentes.
A mama foi removida completamente incluindo o músculo que ficava abaixo e gânglios da axila. Cirurgia de porte considerável.
O prognóstico era preocupante. Não havia na época tratamentos complementares após a cirurgia.
Até então o dia a dia da vovó era extenuante: sete filhos, ela mesma cozinhava e fazia questão de preparar todas as refeições; atendia as demais necessidades familiares e dava suporte nas questões operacionais do hospital.
Vovô decidiu dar a ela um descanso e proporcionar um final de vida sereno, sem aquela rotina atribulada. Para isso remanejou a sua vida.
Tirou licença da Universidade, arrendou (ou alugou) o hospital para o Dr Azevedo, colocou os filhos homens no Internato do Colégio Santa Maria e as mulheres no Internato do Colégio Sion.
Meu pai ficou com a Vó María pois como tinha a saúde debilitada por asma crônica, não podia ficar interno.
O filho temporão iria com eles.
Carregaram o carro, fecharam as venezianas de madeira, baixaram as vidraças, trancaram as portas, encostaram o portão da rua e foram para o Rio de Janeiro.
Vovô já conhecia a cidade pois fizera a Universidade de Medicina na sede da Praia Vermelha.
Tinha a oportunidade de retornar agora, já em excelente condição financeira mas bastante apreensivo.
Decidiu comprar uma boa casa na Rua Aperana, no bairro do Leblon. A mesma rua onde a Vera Fisher morou nos últimos 30 anos.
Vovó se adaptou mais do que bem ao clima carioca. A rotina sossegada, repousos, boa alimentação, brisas da praia, sol, boas conversas com a cunhada Ilse, passeios ao ar livre, banhos de mar e belas paisagens ao redor.
Vovô sempre observando. No terreno da casa tinha um pé de manga e era bonito de ver a esposa comendo com gosto as frutas que caíam de maduras.
Os dias passavam e vovó não enjoava das mangas.
Os filhos vieram nas férias escolares e todos mataram as saudades aproveitando aquele curto período.
Ao final de quase um ano vovó estava com ótima aparência e disposição. Faces rosadas e voltara a ganhar peso.
E o marido médico constatou que a esposa estava curada.
Contrariando seu prognóstico inicial, viu que a doença tinha sido debelada.
Hora de retornar. Saudades dos filhos. Obrigações a serem retomadas.
Fecharam as portas, carregaram novamente o carro, a casa foi vendida mas antes foi providenciada a compra de um apartamento no Posto 6 da Avenida Atlântica.
Assim teriam o compromisso de voltar com frequência e a esposa continuaria a usufruir daqueles ares que lhe fizeram tão bem.
Vovô retomou as atividades junto à Universidade e consultório. Arrendou de vez o hospital/maternidade para excelentes médicos tendo à frente seu dileto sobrinho: Gastão Romanó que ao lado do Dr Tizzot e do Dr Greca conduziram a maternidade com competência durante muitos anos.
Lembro que mudamos para São Paulo na década de 70 e voltávamos para Curitiba na época do Natal.
Em uma dessas ocasiões, vovó embaraçada comentou com minha mãe que teve conhecimento de uma confecção paulista que fabricava soutiens com enchimento unilateral (Eu sempre se orelha em pé).
A mãe se dirigiu ao local buscar a encomenda e fui a tiracolo.
Vovó viveu até os 92 anos.
A foto de abertura mostra a casa. O hospital foi erguido em 1942.
Vovô está com o segundo filho no colo e que neste 2024 completou 96 anos.
O Fordeco e o motorista encostado fazendo pose.
Uma coisa que nunca me saiu da cabeça: – Até que ponto as mangas contribuíram para a cura?
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