A sucessão em empresas familiares é um processo que transcende o simples repasse de patrimônio ou cargos. Trata-se de uma jornada delicada, permeada por vínculos emocionais, mitos familiares e a busca por identidade, tanto por parte do sucedido quanto do sucessor.
Antes de tudo, é essencial distinguir os papéis de herdeiro e sucessor. O herdeiro é aquele que, do ponto de vista jurídico, recebe o patrimônio da família. Já o sucessor, no contexto das famílias empresárias, é o chamado sucessor diretivo — aquele que assume a liderança dos negócios. Essa diferenciação é crucial, pois nem todo herdeiro está preparado, ou mesmo interessado, em suceder nos negócios.
Famílias tendem a cultivar o mito da unidade absoluta — da tribo, do clã, do rebanho unido. No entanto, cada membro nasce em contextos diferentes, com histórias, necessidades e carências distintas. O momento da vida dos pais, a estrutura emocional da família e até fatores como a ordem de nascimento moldam profundamente a identidade de cada filho.
Essa individualidade é muitas vezes negligenciada na hora de escolher um sucessor. A fantasia dos pais de que “dei tudo igual para todos” ignora que igualdade de condições não resulta em igualdade de desenvolvimento ou vocação. Um filho pode ser mais carente, outro mais ambicioso, outro mais racional. A meritocracia, nesse contexto, precisa levar em conta não apenas a competência técnica, mas também a história emocional e o nível de maturidade de cada um.
Na prática, a escolha do sucessor costuma envolver não apenas critérios objetivos, como habilidades de gestão ou conhecimento do negócio, mas também aspectos subjetivos, como identificação emocional do sucedido com determinado filho. Essa identificação pode se tornar um problema quando o sucedido projeta no sucessor um “prolongamento de si mesmo”, criando uma expectativa de continuidade simbiótica, onde o sucessor perde sua identidade para se tornar o espelho do pai ou mãe.
Essa relação simbiótica, embora inconsciente, pode gerar uma profunda crise no sucessor. Ele passa a viver sob o peso de ser “igual ao pai”, o que o impede de construir sua própria história e imprimir sua própria marca. Surge, então, uma relação ambígua de amor e ódio com a figura sucedida — amor pelo vínculo afetivo, e ódio pela perda da autonomia.
É papel do sucedido, portanto, desenvolver inteligência emocional e visão sistêmica para identificar não apenas quem é mais competente tecnicamente, mas quem está mais pronto emocionalmente para liderar. Isso exige maturidade, preparo, e a capacidade de não projetar seus próprios desejos ou frustrações no filho ou filha escolhidos para sucedê-lo.
Por outro lado, o sucessor precisa trilhar sua própria jornada de autoconhecimento. Ele deve compreender que suceder não é replicar. Herdar competências, valores e visão de mundo dos pais é natural — mas assumir o comando exige que ele ou ela esteja inteiro(a), como indivíduo, com sua própria identidade consolidada.
Enquanto o sucessor não tiver clareza sobre quem é, o processo sucessório será frágil, baseado em expectativas externas, e não em convicção interna. A sucessão bem-sucedida acontece quando há espaço para o novo — não apenas em termos de estratégia ou inovação, mas de autenticidade.
A sucessão em empresas familiares não é uma linha reta. Envolve heranças visíveis e invisíveis, competências objetivas e histórias subjetivas. Exige coragem do sucedido para enxergar além de suas projeções e generosidade para abrir mão do controle. E exige do sucessor a maturidade de não apenas receber um legado, mas ressignificá-lo à sua maneira.
No fim, o verdadeiro desafio da sucessão não é apenas escolher quem irá liderar a empresa, mas permitir que essa liderança seja real, legítima e — acima de tudo — autêntica.
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