Continuando a falar dos obstáculos encontrados na trajetória de uma família empresária, hoje vamos analisar o pacto com a imortalidade do fundador. O patriarca ou a matriarca apresentam resistências na passagem do bastão sucessório tendo em vista o custo emocional e o temor de que seus sucessores não estejam prontos para liderar a condução das empresas
A materialização desse pacto tem sido constatada a partir de algumas características comuns dos fundadores ou fundadoras, patriarcas ou matriz. A primeira característica é a resistência, porque a sucessão materializa o fato de que a sucessão tem que acontecer, ou está sendo. Concretiza o discurso de querer passar o bastão, mas a materialização é o fato em si. Ou seja, quando acontece realmente e cai a ficha. A partir daí a resistência aflora e porque o sucedido se dá conta que está cruzando o que eu chamo de “Cabo da Boa Esperança”.
Essa é exatamente a fantasia da imortalidade, porque a pessoa não quer admitir que é a sucessão em si. Não só uma sucessão fática, de passar o bastão, mas uma sucessão de um modelo de vida. É uma sucessão interna em que a pessoa percebe se auto sucedendo. O fundador, que é uma pessoa empreendedora, dinâmica e ativa, de repente não vai mais ser isso. Pode ser, mas numa esfera em que não tem que passar a mão no filho da empresa todo dia. Vai ter outro guardião da empresa e isso exige uma mudança de postura sucessiva por parte dele próprio e então acaba expressando essa resistência no entorno, seja com os sucessores, herdeiros ou com a esposa. Isso cria uma grande crise existencial pois a fantasia de que a pessoa imortal rui.
Então ele tem que se reinventar e nem todos têm o mesmo tempo. Temos observado nas empresas que trabalhamos um padrão em que essa resistência se manifesta pela intolerância e pela impaciência. O nível de paciência e de tolerância é pequeno porque, de certa forma, ele foi mexido interiormente. E a intolerância é uma defesa, “não tolero o jeito que você toca o meu negócio”. O sucessor não tolera “a imaturidade” e a “falta de educação do filho”. O que falta aí um pouco é buscar o oxigênio de sabedoria, ou seja, o sucedido tem que ter a sabedoria para ser tolerante. Ter ânsia pelo o novo. Isso significa ter tolerância com os padrões de gestão, com a modernidade, com a tecnologia e com a agilidade dos mais novos.
Outra consequência desse pacto com a imortalidade é a não confiança no sucessor. É claro que existem sucessores que ainda não estarão prontos, mas a primeira defesa do sucedido é não confiar. E o que temos observado é que precisa conversar com esse fundador ou fundadora. Dar um ombro, trabalhar a autoestima. É uma reconstrução da autoestima, e com um detalhe: normalmente um fundador não se dá conta que enquanto ele tem o poder e a autoridade, bem ou mal ele é sugado por uma série de pessoas que não tem um vínculo efetivo com a pessoa, então tem um vínculo de extração de dinheiro, extração de poder, etc. Isso também é um fator. O fundador tem a solitude do poder porque ele chega em casa depois de um dia de trabalho e depois de ser sugado ele percebe que não tem quem o nutra. E então, tem que redescobrir sua nutrição, de quem realmente não é sugador. Para tanto, ele precisa rever os vínculos, mas para fazer isso tem que se rever internamente. Esse é o grande desafio e o que nós fazemos aqui na consultoria é orientar. Nossa função, como agente dessa mudança, portanto, não é só técnica, mas é também mostrar que existe, sim, vida depois da sucessão.
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