“Poetas, seresteiros, namorados correi.
É chegada a hora de escrever e cantar
Talvez as derradeiras noites de luar…”
“Lunik 9”, de Gilberto Gil, interpretada divinamente por Elis Regina, em 1967, nos leva ao momento da ida do homem à lua. Tempos em que chegamos a acreditar que, um dia, esse corpo celeste que gravita em torno da Terra e nos encanta com sua beleza, seria por nós habitado. E lá se vão quase sessenta anos… e ela continua lá, no alto, interferindo na vida da terra e dos “terráquios”, regendo as marés e todas as águas da nossa natureza, feminina e possuidora de um misterioso lado escuro.

Alguns planetas do sistema solar possuem várias luas, mas nós, aqui na Terra, temos apena uma – A Lua –, que nos fascina e nos inspira. Mesmo sem luz própria, iluminada pelo sol, a nossa estrela maior, esse astro quer brilhar e reger as águas e líquidos do nosso planeta. Pequena e feminina, assim como ela, a também pequena brasileira, Bidu Sayão, cujo sonho de subir aos palcos para brilhar, não como a lua, mas como uma estrela, foi avisada de que tinha uma voz, também pequena, e aconselhada a desistir de seu sonho. Sayão, o “Rouxinol do Brasil”, nascida em 1904-1999 no Rio de Janeiro, teimosa e obstinada (com o apoio de sua mãe), viajou pelo mundo aprendendo a técnica vocal e subindo aos maiores palcos, dedicados à ópera, do mundo. Não me canso de ouvi-la interpretar, com música de Villa Lobos e poema de Dora Vasconcelos, a belíssima “Melodia Sentimental”, que fala dos sentimentos do amor e da beleza da lua. A pequena grande intérprete chegou aos palcos do Metropolitan Opera House, em 1937, onde esteve muitas vezes, bem como no “Scala” e em outros palcos consagrados do nosso planeta. No Brasil, onde muito viajou, se apresentou em grandes e pequenos palcos e foi homenageada, em 1995, pela Escola de Samba Beja Flor de Nilópolis, tendo participado do desfile. No mês do carnaval e mês de homenagens à mulher, essa estrela que canta a lua é a minha escolha.

E por falar em carnaval, lembro-me que nessas ocasiões, na infância, a fantasia de” índio” era quase sinônimo desses festejos. Nunca me perguntei o porquê. Para os povos originários de nosso país, muito ricos em mitos e lendas, a lua sempre foi feminina para um sol masculino. Em uma das etnias, diz-se que é porque “o sol aparece de dia, a lua de noite”. Assim tem sido, também, em outras culturas: o sol masculino e a lua feminina. Na astrologia, no mapa astral, não é diferente. A casa e os aspectos da Lua tratam das relações familiares, dos cuidados afetivos, da nutrição emocional, bem como dos instintos mais profundos, das coisas da alma, considerados dotes femininos. No mito de São Jorge na lua, o guerreiro que matou o dragão que atacava e devorava os animais e jovens de um determinado reino, em sua luta, acabou na lua, onde as crateras foram os sinais deixados pela titânica peleja e, dizem, lá ficou morando para cuidar da terra.
Nas artes plásticas, René Magritte, assim como Marc Chagall, deixou muitas luas em suas obras, dentre as quais escolhi a “Dezesseis de Setembro” (1956) para ilustrar aqui o nosso texto. Tarsila do Amaral tem sua interessante obra, denominada “A Lua”, que faz parte do acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Um óleo sobre tela, datado de 1928. Aqui em nossa cidade, num lindo final de tarde do verão curitibano, a lua é surpreendida, compondo o cenário do jardim, pelo olhar do fotógrafo Hay, nosso parceiro aqui da coluna.

Desde os tempos do colégio, quando aprendemos sobre o Sistema Solar, até o quase o susto, quando dirigindo por uma rua qualquer, em noite de lua cheia, nos deparamos com ela, gigante, vermelha, baixinha, quase tocando a terra, resplandecente à nossa frente, a Lua, misteriosa, inspiradora de cantores, poetas e namorados, mesmo com seu lado escuro, ou por causa dele, nos encanta. Não conseguimos, simplesmente, seguir adiante ignorando tanta beleza! É preciso parar e admirar! Espero que nunca precisemos habitá-la. Vamos deixá-la em paz, com seu habitante imaginário velando por nós, pronto para matar os eventuais dragões que possam vir a nos ameaçar.
(Ilustração de abertura: Selo Bidu Sayão – Música Lírica – 2006 – C2648.)
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Olha só, uma canceriana! Justifica o cuidado e atenção às causas das pessoas! Agradeço o sempre gentil comentário!
Como uma boa canceriana, influenciada pela Lua, não poderia deixar de enaltecer o brilho cintilante desse poético e delicado texto. Parabéns 💕