Ir a outro lugar, diferente daquele onde se vive habitualmente. Viajar é uma mudança temporária quando não se precisa desatar laços familiares ou de trabalho permanentemente. É como um voo, leve, em busca do diverso e algumas vezes até do estranho. Tudo vai depender do tamanho da ousadia! Esta semana pensei em viajar para conhecer desenhos rupestres, o que seria viajar duas vezes, uma no espaço, para o local onde se encontrariam os desenhos escolhidos e outra no tempo, para o período em que foram criados.
Viagens ao passado, a civilizações que não mais existem, mas que, por meio de sua arte, nos deixaram a expressão de sua existência e de sua presença nesse mundo que hoje é nosso, são fascinantes. Fico pensando em quantas dessas civilizações já conheciam artes que hoje não mais dominamos, tal como algumas técnicas construtivas e até a confecção de pequenas joias de ouro ou outros metais, extremamente delicadas, que enfeitavam os corpos daqueles seres que certamente se importavam coma beleza, com a artesania e com a criação.
E o que dizer de viagens interestelares, ou apenas uma voltinha até a lua, como pudemos sentir naquela famosa fotografia que nos mostrou o planeta azul, a nossa terra, essa nossa desconhecida. Alguns acham que é “fakenews” que a terra é chata e que o homem nunca pisou na lua, essa bola prateada que muda de forma de tempos em tempos e inspira poetas, músicos, e tantos outros autores que dela se apropriam em suas viagens imaginárias, como o genial Méliès em um de seus espetaculares filmes, ”Le Voyage dans la lune”(1902).
Na ficção científica, Júlio Verne (Jules Gabriel Verne) nos leva em suas “Viagem ao centro da Terra”, ao fundo do mar com “ “Vinte mil léguas submarinas”, ou viajando em um balão, ou talvez mesmo, dando a “Volta ao mundo em oitenta dias”, viajando “Da terra à lua” e também em“A ilha misteriosa”. Esse autor que encantou a nossa adolescência ou infância, “viajou” por nosso planeta Terra entre os anos de 1828 e1905.
Existem ainda as viagens que não são de passeio, ou de imaginação, são aquelas exigidas pela vida. São os êxodos como nos conta Graciliano Ramos em “Vidas Secas” (1937/38), obra levado ao teatro, aos cinemas pelas lentes de Nelson Pereira dos Santos (1963) e nas telas de Cândido Portinari com “ Os retirantes” (1944) que relata com realismo a vida do nordestino brasileiro que não consegue sobreviver da terra árida passando pela fome e a miséria na busca de melhor lugar. Miséria e pobreza que hoje invade a vida dos ricos e desafortunados prisioneiros dos grilhões da tecnologia das telinhas, que viajam pelas terras secas e áridas de brutal volume de informação, desnecessária, que absorvem todo o tempo e possibilidades de busca interior do indivíduo, o que lhe permitiria encontrar seu próprio eu.
Afinal…não é sobre isso? Afinal de contas, do que se tratam as viagens? Ir ao mundo para conhecer a si mesmo? Ir para longe para se encontrar? Pois não é no relacionamento com o outro, namorados, maridos ou esposas, tão diferentes da gente, quase seres de outros planetas, que muitas vezes nos descobrimos? E não acontece que ao nos comunicarmos com esse outro, por meio das palavras, que empurradas por debates inimagínáveis, conhecemos o nosso próprio pensamento?
É nesses leves e breves voos, que chamamos viagens, encontros inpermanentes com o novo, com o temporário, que acontecem as transformações profundas e, tantas vezes definitivas, dependendo da ousadia e da imersão. É como encontrar as imagens de extraterrestre nos desenhos rupestres. Lembrando que foi só quando viajamos para a lua que conseguimos ver a terra.
(Ilustração de abertura: “Earthrise”- Bill Anders/Nasa-1969. Primeira fotografia da Terra vista da Lua.)
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