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13/05/2024

Dilema de um romeiro agnóstico

Eis que me dei conta de não ter ido a Nova Jerusalém, no agreste pernambucano, ver a Paixão de Cristo, espetáculo montado todos os anos durante a Semana Santa.

Aproveitei para rever os amigos em Recife e tomamos um ônibus, Tânia e eu, para a cidade de Brejo da Madre de Deus, o município que abriga o imenso teatro ao ar livre. Saímos ainda de manhã, com direito a passar pela Feira de Caruaru, comprar algumas réplicas dos bonecos de Mestre Vitalino, uma ou outra gravura naif e apreciar carne de sol temperada com uma cachacinha e cerveja bem gelada.

Chegamos a Nova Jerusalém no meio da tarde. O espetáculo inicia quando a noite passa a dominar o firmamento, normalmente por volta das 18h. As pessoas agrupam-se nas chamadas estações, numeradas a partir do número 1. As primeiras a chegar sentam nos degraus de cada arquibancada, o que significa de 100 a 200 espectadores. Os demais ficam em pé.

Ao fim do trecho naquela estação, todos são orientados a seguirem para a próxima, quando alguns dos que estavam em pé têm a chance de sentar. Assim segue a encenação, até a ascensão de Jesus aos céus após a ressurreição.

É uma montagem de altíssima qualidade, digna de primeiro mundo. O teatro é tido como o maior a céu aberto do planeta, cercado com muralhas, com cenários distribuídos em nove palcos, exigindo em torno de 500 pessoas para a apresentação da Paixão.

É coisa para três horas, mais ou menos, mas o público não demonstra cansaço. O encerramento é apoteótico, os aplausos ecoando pela noite límpida do céu nordestino.

Depois ainda há a caminhada até o ônibus, a espera pela chegada de todos os fiéis, digo, espectadores retardatários e, enfim, o início da viagem de volta.

Nesse ponto, começou a nossa angústia. Num ônibus que viajava com as janelas abertas, as cortinas a tremular com a ventania, motorista dirigia ensandecido, abusando da velocidade nas curvas, freando com violência, xingando o mundo como se fosse um dos chicoteadores do Cristo, agora distribuindo chibatadas na esperança dos passageiros em chegar incólumes.

Achei que a sorte estava lançada – e não seria nada positiva. Avisei a Tânia do perigo que corríamos. Ela, mais serena do que a situação exigia, quis saber que se havia alguma alternativa ou se era melhor nos conformarmos.

– Olha, conformado já estou. O único problema será a manchete da Tribuna do Paraná.

– Como assim?

– Será a minha desmoralização: “Conhecido agnóstico de Curitiba morre como romeiro no interior de Pernambuco”.

Aconteceu que a hora fatal não havia chegado, como pudemos comprovar ao descer no terminal em Recife, a salvo daquele louco condutor dos infernos.

Estávamos no Terminal de Boa Viagem, a propósito.

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