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28/04/2024



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Ditadura Militar e Indústria Cultural

 Ditadura Militar e Indústria Cultural

A relação entre a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) e a Indústria Cultural frequentemente é reduzida à questão da censura. De fato, em simultâneo à já então vigente censura dos costumes, a Ditadura Militar instaurou também a censura política e ideológica das produções culturais. Neste aspecto aquele contexto lembra bastante o atual, no que se refere à redução da Cultura exclusivamente à categoria de campo de batalha disputado por rivais ideológicos. Contudo, ainda mais importante do que a censura foi a adoção de diversas políticas públicas de apoio à quase todos os setores da indústria cultural que, ao final do regime autoritário, havia se constituído como uma das maiores e mais importantes do mundo. O exame da relação entre a Ditadura Militar e a Indústria Cultural pode servir de referência para se pensar as políticas culturais do presente.

 

As políticas de censura à produção cultural foram executadas de forma extensa e sistemática durante a Ditadura Militar. A orientação política da censura era dada pela Doutrina da Segurança Nacional (DSN) desenvolvida a partir de 1959 na Escola Superior de Guerra (ESG). Convertida no credo oficial do Estado depois de 1964, a DSN levou a categoria de prioridade a noção de integração nacional entre as políticas públicas, particularmente nas de transporte e cultura de massa. No que se referia a política de cultura, além da integração cultural sob o ideal da nacionalidade, a DSN deveria inspirar a censura contra os temas da guerra revolucionária de esquerda, da subversão comunista internacional e do inconformismo social e cultural em geral. O resultado foi um amplo esforço de censura que levou à proibição total ou parcial de 3% das músicas, 2,9% das peças teatrais e 1,5% dos filmes.

 

Contudo, a censura era dirigida a produtos específicos, não a mídia que os divulgava. Tal fato se verifica na coexistência da censura de músicas, peças teatrais, filmes e novelas, mas não do rádio, do teatro, do cinema ou da televisão em si. Pelo contrário, devido às políticas públicas adotadas, todas essas mídias conheceram extraordinário crescimento durante o regime ditatorial e, quando do seu término, o Brasil dispunha de um dos maiores mercados de bens simbólicos do mundo e uma indústria cultural de importância internacional.

 

O recurso midiático mais importante para a integração nacional via bens culturais nesse período foi, sem dúvida, a televisão. Foi notável o crescimento do número de aparelhos de televisão, originalmente (1950) apenas ao alcance dos muito ricos. Durante a Ditadura Militar a TV já estava presente em 56% dos lares em 1970, passando para 73% em 1982, tornando-se o bem de consumo durável mais encontrável nas casas dos brasileiros – mais até do que geladeiras.

 

O crescimento do consumo de aparelhos de TV não teria sido possível sem a extensão do sinal televisivo para todo território nacional. As redes nacionais de televisão são uma criação deste período. E, neste processo, o investimento público teve papel decisivo. Em 1965 ocorreu a fundação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL), estatal cuja criação estava prevista desde 1962 no Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). A empresa foi destinada a universalizar, através da construção de troncos de estações de micro-ondas, o acesso à telefonia e, no processo, também ao sinal televisivo. Em seguida (1967) ocorreu a adesão do Brasil ao consórcio INTELSAT (International Telecommunications Satellite Organization) que possibilitou a transmissão de sinais de televisão e telefone via satélite. Entre 1970 e 1975 se obteve a integração do país por televisão e telefone via DDD (Discagem Direta à Distância), bem como a interiorização do sinal da televisão a cargo de diversos governos estaduais. No Paraná, por exemplo, coube à Paraná Radiodifusão (RADIPAR) construir infraestruturas públicas de torres de retransmissão e repetição dos sinais das estações privadas de televisão para enviá-los a todo Estado.

 

Na indústria gráfica os resultados foram igualmente impressionantes. A busca da autossuficiência em papel e o financiamento à modernização da indústria gráfica renderam resultados espetaculares. O crescimento do número de livros publicados multiplicou quase seis vezes em 14 anos. Também ocorreu um fenomenal crescimento do mercado de revistas, da ordem de mais de cinco vezes em 15 anos. Além do crescimento numérico também se deu a diversificação dos títulos e segmentação conforme o público-alvo por gênero, idade etc.

 

O mesmo se verificou na indústria cinematográfica. O crescimento da indústria do cinema foi de mais de três vezes a partir da criação da estatal Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme) em 1967. O incentivo ao cinema nacional levou a um pico de espectadores em 1976 quando somaram 250 milhões.

 

A Música Popular Brasileira provavelmente não teria o sucesso que veio a obter se não fosse pelo desenvolvimento da indústria fonográfica sob os militares. No decorrer do regime militar se verificou o crescimento de mais de oito vezes do mercado de toca-discos em 13 anos. Além dos produtos tradicionais como LPs e compactos surgiram novas mídias sonoras como as fitas cassete. O crescimento deste mercado está associado fortemente à maior disponibilidade de matérias primas industriais devido a criação dos polos petroquímicos da Petrobrás (1973-1979). Finalmente, cabe mencionar o crescimento do mercado publicitário, uma decorrência direta da massificação de tantas mídias. Ao final da ditadura o Brasil era o sétimo maior mercado publicitário mundial.

 

O que se pode concluir é que as mídias de massa de alcance nacional guiadas pela lógica comercial já estavam plenamente constituídas ao final da ditadura militar. O processo foi decisivamente impulsionado por políticas públicas específicas para cada setor da indústria cultural, intensamente apoiados pelos investimentos diretos e em empresas estatais de diferentes ramos de atuação. Tudo isso foi obtido num contexto em que a carga tributária era a metade da atual e as disponibilidades tecnológicas eram exíguas e primitivas. Também a censura, com a subjetividade e irracionalidade intrínsecas, foi um complicador nesse processo de modernização e universalização das mídias de massa. O que se constata é que o regime democrático vigente, embora garantindo liberdade de expressão, sendo muito mais capaz de obter fontes de financiamento e tendo a seu dispor recursos tecnológicos de última geração, até hoje não se mostrou capaz de dar continuidade aos investimentos que noutros tempos foram realizados na Indústria Cultural.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Trazer a televisão”: estado e interiorização do sinal televisivo (Paraná 1975-1988) para baixar clique aqui.

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