O escândalo das Lojas Americanas gerou inúmeras dúvidas, repercussões e prejuízos. Por óbvio, em um futuro próximo, muito será descoberto e debatido. De qualquer sorte, os prejuízos à sociedade e ao mercado de capitais são imensuráveis e irreversíveis. Além disso, a maioria da sociedade organizada não consegue entender como pode falir uma empresa, cujos acionistas majoritários são bilionários. No caso em tela, aliás, os acionistas majoritários fazem parte do grupo 3G, os quais integram a lista de bilionários da revista Forbes!!! Ou seja, até meses atrás, eram sinônimo de sucesso, inclusive objeto de livros e entrevistas cansativas e superficiais, para dizer o mínimo.
Sucede que a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios ou administradores (artigo 49-A do Código Civil), mesmo porque, por regra, “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos” (art.49, parágrafo único Código Civil). Aqui, pois, reside o perigo para aqueles que contratam com a pessoa jurídica, uma vez que a atividade empresarial é uma atividade de risco, na qual alguns ganham e outros perdem, ainda que premidos de boa-fé. Aliás, para mitigar os riscos, a maioria dos credores, por ocasião de concessão de empréstimos, exigem garantias, as quais podem ser constituídas por bens imóveis ou mesmo particulares dos acionistas.
Portanto -sem aqui enfrentar as relações de trabalho, cujo microssistema é total oposto -, no âmbito da atividade empresarial, caso os credores negligenciem na concessão de crédito, inclusive sem exigir garantias particulares dos acionistas, restam-lhes amargar o prejuízo, quando senão, investigar os atos praticados pelos acionistas e administradores. Afinal, excepcionalmente, “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso” (Art.50 CCiv).
Inegável, pois, que havendo confusão patrimonial ou desvio da finalidade da pessoa jurídica, excepcionalmente, os acionistas e administradores beneficiados por esses malsinados atos, respondem solidariamente pelas dívidas da sociedade. Por esses motivos, pode se compreender o duelo público travado entre as instituições financeiras e demais credores com os acionistas das Lojas Americanas. Enfim, o futuro é imprevisível, com muitas emoções. Esse cenário, porém, não afasta a seguinte indagação, também aplicável a outros casos semelhantes: se os acionistas majoritários e bilionários não acreditam no negócio, aportando novos recursos, por qual motivo os credores devem fazer novas concessões e descontos??? Não seria melhor, desde logo, realizar o prejuízo, de modo a evitar que outros casos se repitam????
De fato, a situação é delicada, inclusive exigindo investigações na esfera penal. Porém, nunca se pode esquecer que as crises são essenciais para a reinvenção e manutenção do capitalismo. Triste realidade.
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