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19/04/2024



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Legislativo foge quando o assunto é a pauta LGBTI+

Pergunta: quais direitos relevantes de tutela da população LGBTI+ no Brasil vieram do Poder Legislativo, nos âmbitos federal, estadual e municipal? Resposta: nenhum.


É notório que as relações homoafetivas estão presentes na humanidade desde seus primórdios. Na antiguidade, em diversas civilizações com não havia discriminação ou condenção em relação a essas práticas.


Contudo, o Brasil começou a constituir sua sociedade urbana, como a conhecemos hoje, a partir do século XVI com a colonização européia. Nessa época, na Europa, as relações entre pessoas do mesmo sexo ou identidades de gênero eram entendidas como desvios de comportamentos sociais preestabelecidos. Essa população, tal como a caça às bruxas da idade média, era perseguida, alvo de violência e até mesmo criminalizada.


Consequentemente, no Brasil colonizado por europeus, a discriminação em face de homossexuais  e identidades de gênero foi construida cultural e socialmente segundos esses ditames europeus, sendo a discriminação e a violência com as pessoas LGBTI+ estrutural e institucional em nosso país.


A população LGBTI+ brasileira vem, desde 1978, pleiteando direitos para, ao menos minimamente, garantir sua dignidade, segurança, direito a doar sangue, constituir família, direito ao nome (no caso das pessoas transgêneras) capacitação e inserção no mercado de trabalho, ou seja, tem se buscado condições inerentes a qualquer membro da sociedade, sem privilégios, mas também sem discriminações.


Esse batalha por direitos vem acontecendo, reitera-se, desde 1978, graças a reivindicações e manifestações de grupos organizados, que exauridos com a violência e discriminação contra pessoas LGBTI+ se reuniram com o escopo de constituir direitos.  Neste ano, o Grupo Somos – Grupo de Afirmação Homossexual – contribuiu para a formação de importantes entidades que lutam incansavelmente por direitos e visilibilidade à população LGBTI+ brasileira.


Entre esses grupos, podemos citar, o Grupo Gay da Bahia, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (ABGLT), Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), Associação Brasileira de Lésbicas (ABL), a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), a Rede Afro LGBT.


Em Curitiba, temos o Grupo Dignidade, fundado nesta capital, no ano de 1995, de grande relevância, por ser pioneiro no Paraná na batalha por direitos LGBTI+, além de forte atuação em nível Nacional, tanto no Congresso Nacional como no Supremo Tribunal Federal, se habilitando como “amicus curiae” em diversas ações que tramitam ou tramitaram na Suprema Corte, entre elas a ADI (ação direta de inconstitucionalidade 4275) que teve como objeto a retificação de prenome e gênero das pessoas transgêneras; ADO 29 (ação direta de inconstitucionalidade por omissão) que buscou criminalizar a LGBTI fobia, além de outras ações que serão citadas posteriormente.


Dito isso, em décadas de pleito por direitos, reitero a pergunta: quais direitos relevantes de tutela da população LGBTI+ vieram do Poder Legislativo? Absolutamente nenhum.


Obviamente que houve inúmeras políticas públicas e proposições de lei. Entretanto, não “andam”  e caducam dentro das comissões legislativas.


Por exemplo, no Congresso Nacional, a pauta LGBTI, está em aproximadamente 50 projetos de Lei, nenhum aprovado desde a redemocratização do Estado brasileiro. Esses projetos estão aguardando discussão, há anos, dentro das comissões temáticas, sem perspectiva de avanço a curto prazo.


Isso demonstra o quanto o Brasil é conservador e retrógrado, o país está à beira de se tornar um estado fundamentalista, principalmente pela proliferação das igrejas evangélicas que convencem seu rebanho a votar em quem propague sua ideologia, tendo maioria no poder legislativo. Ignoram  que o país deve ser regido pela Constituição e não pela Bíblia, sempre utilizada  em interpretações equivocadas.


Por mais que tenhamos políticos engajados em defender a pauta LGBTI+, são vencidos pela maioria conservadora. 


Na Assembléia Legislativa do Paraná, o Deputado Goura Nataraj (PDT) tem abarcado a pauta LGBTI veementemente.


Na Câmara Municipal de Curitiba, o Bloco PT/PV, formado pelas vereadoras Carol Dartora (PT), Maria Letícia (PV), Professora Josete (PT) e o vereador Renato Freitas (PT), estão em constante batalha para elaborar políticas públicas de inserção e projetos de Lei, tendo como pauta os direitos LGBTI+.
A exemplo, a vereadora Carol Dartora propôs projeto de Lei (PL 005.00034.2021) “para assegurar a travestis, mulheres transexuais, homens transexuais e transgêneros a utilização do nome social nos atos e procedimentos da administração direta e indireta municipal.”


Temos, ainda, o projeto de Lei (PL 005.00221.2019), proposto pela vereadora Maria Leticia (PV) tendo como escopo a  “inclusão e uso do nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados na Administração Direta, Autarquias e Fundações do Município de Curitiba, bem como na Câmara Municipal de Curitiba.”


Infelizmente, ambos os projetos foram arquivados pela Comissão de Constitucionalidade e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Curitiba.


Por outro lado, não obstante a morosidade, o Supremo Tribunal Federal vem exercendo seu papel contramajoritário no que concerne a decisões favoráveis para tutelar a população LGBTI+. Nesse aspecto, tivemos decisões favoráveis fundamentais. Cabe destacar a ADI 4275, que em 1º de Março completa 4 anos, sendo  considerada histórica e de vanguarda, já que possibilita a retificação de prenome e gênero das pessoas transgêneras diretamente no cartório, apenas se autodeclarando ser pessoa trans, não havendo necessidade de mudanças corporais para se parecer com o gênero que se identifica ou apresentação de laudos psiquiátricos patologizantes. 


Temos também a já citada criminalização da LGBTIfobia na ADO 29; a derrubada, com a decisão proferida na ADI 5543, da restrição feita pela portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e Resolução RDC 34/14 da Agência de Vigilância Sanitária que vedava que homens que fizessem sexo com outros homens doassem sangue; o Casamento homoafetivo proferidos na ADI nº 4277 e a ADPF nº 132.


No STF segue parado o recurso extraordinário nº 845779, que tem como objeto definir se a pessoa transgênera pode utilizar banheiros públicos de acordo com sua identidade de gênero, houve voto favorável do relator, Ministro Roberto Barroso e Ministro Edson Fachin. Entretanto, o Ministro Luiz Fux pediu vistas em 2015 e, até o momento, o RE não foi devolvido para julgamento.


As conquistas vindas do STF são de um cenário onde a Suprema Corte era isenta, mas devemos nos alarmar com o atual cenário. O presidente Jair Bolsonaro indicou e foram aprovados, após sabatina pelo Senado, dois novos Ministros; Nunes Marques e o pastor presbiteriano e  “terrivelmente evangélico” André Mendonça.


Tais indicações tornam a Suprema Corte tendenciosa, parcial e ferem de morte o Estado Laico.
Temos avanços, mas ainda resta um abismo para que a população LGBTI+ tenha uma vivência plena, livre de violência e discriminação, temos que derrubar paradigmas arraigados em uma sociedade construida em sólida discriminação e preconceito voltados a pessoas LGBTI+.


Até então o judiciário, via STF, vinha liderando o ranking na promoção e defesa dos direitos da população LGBTI+, mas o que esperar da nova composição da Suprema Corte? Parece que teremos tempos difíceis.

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Gisele Szmidt
Advogada e assessora parlamentar do bloco PT/PV na Câmara Municipal de Curitiba

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