Renovada a um preço cada vez mais caro, a dívida pública cresce como uma bola de neve que atinge em cheio a confiança dos investidores em relação ao Brasil. Nos últimos nove anos, seu valor mais do que dobrou de tamanho, ultrapassando R$ 9 trilhões, o equivalente a 76,2% do Produto Interno Bruto (PIB), no último balanço fiscal do Banco Central (BC), cujos dados são relativos a fevereiro.
Pelas previsões de mercado, a dívida vai ultrapassar a marca de R$ 10 trilhões, a preços de hoje, até o fim do mandato atual do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora também inclua os governos estaduais e as prefeituras, 95% do endividamento público pertence ao governo federal.
O cumprimento do arcabouço fiscal, como aconteceu no ano passado, passou para o segundo plano aos olhos dos analistas. Primeiro, porque suas metas não permitem estabilizar a dívida diante da pesada conta de juros. Segundo, porque, com flexibilizações e exceções à regra, o governo segue, na prática, sem zerar o déficit das contas primárias — ou seja, não faz economia para pagar a dívida.
O resultado é uma necessidade de financiamento do setor público de 9% do PIB, porcentual previsto por economistas para este ano. Projeções de um relatório publicado pelo BTG Pactual em dezembro mostram que apenas a Bolívia precisa captar mais dinheiro no mercado para rolar a dívida.
Procurado pelo Estadão/Broadcast, o Ministério da Fazenda ressalta que as despesas com juros devem cair no médio prazo, levando a uma estabilização da dívida, como resultado dos esforços para a consolidação fiscal. Diz ainda que não há riscos relevantes em relação à solvência da dívida pública federal, sendo que os títulos públicos colocados em leilão têm demonstrado demanda consistente ao longo do tempo.
Para mitigar riscos de refinanciamento e garantir flexibilidade na gestão da dívida, o Tesouro mantém uma reserva de liquidez dedicada ao pagamento de obrigações, que fechou o ano passado em R$ 860 bilhões. “Em síntese, apesar do aumento no custo de curto prazo, o Tesouro dispõe dos instrumentos necessários para uma gestão eficiente dos riscos associados à dívida”, respondeu o ministério às questões enviadas pela reportagem.
Analistas consultados pelo Estadão/Broadcast também descartam o risco de calote e concordam que os investidores ainda mostram interesse em financiar o Brasil. Há preocupação, contudo, com as consequências da escalada da dívida na inflação.
“O ponto de partida, com uma dívida elevada, a um custo elevado, cria sim uma trajetória de insustentabilidade fiscal e preocupa bastante. Caso não haja mudança de rumo da política fiscal, o ‘calote branco’ vem via inflação. Não tem atalho, a forma mais estrutural de reduzir o juro de equilíbrio passa por endereçar o desequilíbrio das contas públicas”, comenta Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Ex-secretário do Tesouro e chefe de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt ressalta que a carga de juros paga pelo governo brasileiro é muito maior do que a de outros países porque a dívida pública é não apenas elevada como também cara. Um dos motivos é a demora no ajuste fiscal. “É a melhora lenta do resultado primário, junto com a desancoragem das expectativas de inflação, que faz a taxa de juros permanecer, na expectativa dos agentes, mais alta por mais tempo. Com isso, os juros nominais da dívida não caem rapidamente”, comenta o economista.
Conforme o especialista em contas públicas do Itaú Unibanco, Pedro Schneider, o Brasil, enquanto precisa de um superávit primário em torno de 2% do PIB para estancar a elevação da dívida, segue penando para chegar a um déficit zero. “O equilíbrio ainda está bem distante, o que contribui para a percepção de que existe um desafio fiscal sem uma solução clara de curto prazo.”
Para ele, o País não caminha a um cenário pessimista e vivido no passado no qual a dívida se torna impagável e só se resolve via hiperinflação. O problema, avalia, é que a rota trilhada leva a juros mais altos e inflação, o que compromete o crescimento econômico. “Não é que o Brasil está se tornando insolvente, é que estamos indo a um equilíbrio macroeconômico pior”, assinala Schneider.
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