HojePR

LOGO-HEADER-slogan-675-X-65

17/05/2024

MÚSICA

Não é velho, é vintage: a volta do vinil

vinil

Por Isabella Honório

 

Chegar em casa, pegar aquele álbum dos Stones na prateleira, abaixar a agulha do toca-discos e deixar rolar. O som é aveludado e o sentimento é de nostalgia – afinal, dar um play em uma lista do Spotify não é a mesma coisa. O LP surgiu em 1948, um lançamento da Columbia Records que prometia mudar o que era ouvir música. A velocidade de 33 e 1/3 rotações por minuto, as 12 polegadas de diâmetro e a capacidade de guardar 45 minutos de áudio nos lados A e B representaram não apenas um avanço técnico, mas também uma forma de ditar como seriam as músicas dali em diante, para que coubessem no formato do vinil. Muita coisa aconteceu depois do ápice da indústria dos discos, na década de 1970, como as fitas K-7, os CDs e o streaming. Mas os vinis conseguiram resistir ao teste do tempo, seja juntando poeira na casa de alguma avó, nas feiras de colecionadores ou nos pequenos selos da cena underground.

O vinil está de volta. De acordo com a Billboard, as vendas de discos nos Estados Unidos tiveram um aumento de 51,4% em comparação com o ano anterior. As 41,72 milhões de cópias representaram o 16º ano consecutivo de crescimento da indústria e a maior marca histórica da RMC Data, que contabiliza estes dados. O aumento da demanda até chega a preocupar. Em 2020, o incêndio da Apollo Masters, uma das únicas fornecedoras de acetato do mundo, e o aumento do preço do petróleo, tornaram o acesso à matéria prima escasso, encarecendo a produção dos LPs. O proprietário do selo curitibano Zoom Discos, Leonardo Cavalli, conta que no Brasil a situação não é diferente. “Para o nosso trabalho com bandas independentes, o compacto é um formato mais barato e mais ágil. O LP é um projeto bem maior, em que você precisa ter quase três vezes mais investimento, não dá para arriscar e lançar alguma banda que não vai vender nada, é muito dinheiro para comprometer”, disse Cavalli.

O empresário relata que o preço do compacto de sete polegadas – aquele disco pequeno, a famosa bolachinha – passou de R$ 20 para quase R$ 40 nos últimos dois anos. No país, a procura por opções mais baratas de fornecedores não vai muito longe. São três fábricas em terras brasileiras, a tradicional Polysom, no Rio de Janeiro, a Vinil Brasil, em São Paulo, e a recém aberta Rocinante, sediada em Petrópolis. Mas mesmo quando os selos optam pela produção em fábricas estrangeiras, a dificuldade está nos custos de transporte, taxas e na burocracia da alfândega. Cavalli cita a GZ Media, a maior fabricante de vinis do mundo, na República Tcheca. A empresa, que produz discos para divas do pop internacionais até bandas de pequeno porte, bateu o recorde de U$ 187 milhões de faturamento em 2020, com um aumento de 11% nas vendas anuais.

A produção é difícil e os preços também não são chamativos. Para seguir no negócio, o dono da Zoom, que produz as bandas Cigarras, Rabo de Galo e Clan dos Mortos Cicatriz, afirma: “É um faça você mesmo. Não tem que ser punk de som, mas tem que ser punk de espírito”.

Já para colecionar, geralmente é preciso gastar uma boa grana. A especulação em torno de títulos raros é outro fator que dificulta o acesso. Andando pela Galeria do Rock, na capital paulista, não é raro encontrar álbuns de bandas como The Beatles custando mais de R$ 300. Depois de comprar os LPs outro desafio é ter onde ouvir. A oferta de vitrolas antigas em bom estado é insuficiente e novos aparelhos, que contam com entrada de CD, pen-drive e até mesmo conexão bluetooth, são caros. O lançamento recente da JBL, o toca-discos Audio-Technica AT-LP120XUSB-BK, por exemplo, custa hoje R$ 3.599 na Amazon, contando com uma estética retrô, mas cheio de recursos modernos.

 

 

Não é a mesma coisa

É a capa, o encarte, a sensação de pegar a música nas mãos. Aquilo que o filósofo da Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, chamaria no século passado de “resistência aurática”. Na época em que a música é cada vez mais abstrata, à um aplicativo de distância, o vinil cria uma conexão profunda com o fã, que se sente mais próximo da arte – é aí que está a chave do grande comeback dos discos nos últimos anos. Afinal, é uma experiência: “A pessoa que está comprando o vinil, não está comprando necessariamente para ouvir, como se ela não tivesse como escutar música de outro jeito. Ela está comprando porquê ela quer ter o objeto, quer colecionar, pegar na mão, escutar de vez em quando enquanto lê o encarte”, explica Cavalli. É como se o vinil tivesse se tornado sinônimo de música – música de verdade.

O baterista das bandas Clan dos Mortos Cicatriz e Ethel Hunter, Welinton Lisboa, conta que se sentiu algo diferente ao ver suas músicas lançadas em disco, mesmo que já tivesse seu material autoral em formato digital. Mas claro, ver a banquinha com merchandising na porta dos shows é outra parada. Welinton, que também é colecionador, explica que a preferência por um formato que pode até ser considerado ultrapassado por muitos está na estética e na sonoridade. “Para quem gosta de música, tem todo um ritual, que é bem gostoso de fazer. O vinil é uma boa escolha de coleção, por ser bem bonito mesmo. O som é mais grave, você sente o som”, diz ele.

Na Zoom Discos, o diferencial, além da possibilidade de ter discos limitados de bandas pequenas da cena local, são as capas artesanais de serigrafia feitas na lavanderia – no estilo DIY. O que importa é a experiência. E não é de agora. Imagine chegar na loja de discos em 1967, olhar pela vitrine e viajar na psicodelia da capa de Disraeli Gears, do Cream.

 

 

Lembra daquele disco?

Vinil é memória. Welinton também é colecionador, com um acervo eclético de cerca de 500 títulos, que vão desde sertanejo raiz até black metal. Sua paixão por discos começou na infância, em 1986, quando ganhou de seus pais um LP do grupo musical infantil Trem da Alegria, objeto que guarda com carinho até hoje. Durante a adolescência, no final da década de 1990, o salário do primeiro emprego virava vinil. Hoje, o hábito antigo de colecionar discos encontra na internet uma forma de se manter vivo. O baterista lembra que além dos sebos, no espaço digital é possível garimpar bons títulos alternativos de selos de outras partes do país, já que considera que é muito seletivo e leva a coleção a sério: “Não abandono por nada”.

As formas de colecionar variam, mas o apego sentimental é o mesmo. Para Nélio Waldy, que diz ser “colecionador desde sempre”, o que agrada é frequentar feiras. O entusiasta, que também é músico, viaja para eventos de venda e troca de vinis, como os que participa em Ponta Grossa e Balneário Camboriú.

Em Curitiba, o destaque vai para a Feira da Travessa, que acontece no Largo da Ordem e conta com quase 40 expositores. Waldy percebe o aumento pela procura por vinis e o aquecimento do mercado. Além disso, ele se alegra ao ver que a cultura do vinil está alcançando novas gerações – o vinil é para todos. “Eu tenho visto muitos jovens, e  com um gosto refinado que até me surpreende. Não é só o heavy metal, que geralmente o jovem gosta, é também jazz, MPB e rock nacional dos anos 1960”, diz Nélio.

O interesse pela música em mídia física – que é uma união da arte sonora e gráfica – também é uma forma de conhecer pessoas e, a partir de um costume tão antigo quanto comprar vinis, criar novas memórias.

 

 

Para mais notícias acesse HojePR.com

(Fotos: Leonardo Cavalli)

1 Comentário

  • A sensação de pegar o disco na mão e volocar para tocar é muito boa

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

z