Os recentes episódios envolvendo o serviço de ferry boat em Guaratuba e de transporte intermunicipal em Guaraqueçaba são representativos do arcaísmo a que foi condenada a infraestrutura paranaense. No que se refere especificamente às rodovias e obras correlatas o cenário atual é de estagnação e obsolescência, com efeitos negativos sobre a atividade econômica, a qualidade de vida e o desenvolvimento social do Estado. Objetivamente, não se trata de fenômeno especificamente estadual, uma vez que tal situação é decorrente da Era Neoliberal iniciada no Brasil em 1990. O exame da situação vigente no contexto histórico do Nacional-Desenvolvimentismo (1930-1990) permite perceber o potencial de superação da estagnação vigente.
É trágica a situação atual das rodovias paranaenses. Depois de décadas pagando a mais cara tarifa de pedágio do mundo os paranaenses constatam que tudo que lhes restou foram praticamente as mesmas rodovias transferidas ao controle da iniciativa privada século passado. Considerando a maciça ampliação do número de veículos em circulação nas últimas décadas, o caráter superado e arcaico destas obras de infraestrutura salta aos olhos. Não ocorreram praticamente nenhuma das prometidas duplicações e, mesmo que tivessem sido feitas, ainda assim seriam claramente insuficientes para dar conta da demanda atual. Mais ainda, todas as mortes em acidentes com colisão frontal neste período poderiam ter sido evitadas, se as rodovias tivessem sido duplicadas.
O atraso histórico de algumas obras de infraestrutura é quase secular. A primeira vez que se propôs fazer uma rodovia ligando a Capital a Foz do Iguaçu foi em 1941, quando da elaboração do Plano Rodoviário Estadual. Ao final da Segunda Guerra Mundial alguns militares da engenharia do Exército dos Estados Unidos, então servindo nas bases aéreas que mantinham no Nordeste, também fizeram a mesma sugestão. Com o maquinário então disponível, que havia se tornado ocioso com o fim da ampliação e manutenção das bases aéreas, eles sugeriram que seria possível construir várias rodovias pavimentadas de importância estratégica no Brasil. Uma delas era a que ligaria Curitiba a Foz do Iguaçu. Em seus estudos, a engenharia militar estadunidense notava em 1944 que, com algum gasto adicional, tal rodovia também poderia ser duplicada em até uma década. Neste caso, obras como pontes e viadutos já seriam dobrados, em preparação para a futura duplicação da pista. Até hoje, 77 anos depois, esta duplicação não foi concluída.
O Paraná está bem abaixo da média de rodovias pavimentadas em nível nacional, e aquém até dos índices regionais. As regiões com maior percentual de rodovias pavimentadas são Nordeste (30,8%), Sudeste (19,3%), Sul (18,5%) e Centro-Oeste (17,6%). No total o Paraná tem mais de 120 mil quilômetros de rodovias. Contudo, pouco mais de 20 mil (16%) são pavimentadas. E, das pavimentadas, pouco mais de mil quilômetros (ou, irrisórios 1,2%) são duplicados.
A prolongada duração do pedágio meramente de manutenção bloqueou durante décadas a total duplicação das mais importantes rodovias paranaenses. Mas, é importante notar, se trata de uma situação historicamente superada. A mera duplicação destas rodovias, embora vital e urgente, não resolveria por si só os graves gargalos e pontos de estrangulamento da atual infraestrutura rodoviária. As serras e cadeias montanhosas que cortam o Estado requerem uma abordagem especifica para o problema, permitindo pensar na triplicação ou quadruplicação das nossas mais importantes rodovias e respectivos anéis viários que irão circundar as maiores cidades.
É indispensável superar o padrão construtivo vigente de pista ao nível do solo, retomando a concepção instaurada pela primeira vez no Brasil com a inauguração da Rodovia dos Imigrantes em 1976, ligando a capital do Estado de São Paulo ao litoral. Nesta obra, autêntico marco na história da engenharia nacional, foram reduzidos ao mínimo os problemas de contenção de encostas e de impacto ambiental, sempre severos em um ecossistema como o da Serra do Mar, com extenso recurso à túneis, pontes e viadutos.
Desta forma, boa parte da rodovia passa por sobre vales e atravessa montanhas que, noutras circunstâncias, imporiam um trajeto sinuoso, muito mais longo, de manutenção problemática e de grande impacto ambiental. Dos seus 58Km de extensão quase 4Km (6,8%) e mais de 8Km (13,7%) são, respectivamente, de túneis e viadutos. Uma abordagem deste tipo eliminaria para sempre, por exemplo, os crônicos e insanáveis problemas de engenharia responsáveis pelos constantes acidentes nas imediações do Km 666 da Rodovia BR-376 que liga o Paraná à Santa Catarina. Ainda no que se refere à pontes cabe notar que a obra destinada a Baia de Guaratuba, atrasada em 30 anos e impondo o recurso ao sucateado e obsoleto serviço de ferry boat, teria apenas 1Km.
O que constatamos é que a privatização das rodovias paranaenses constitui uma catástrofe de proporções históricas. Não será com a continuidade do modelo privatista, cujas contradições, prejuízos e inconsistências foram apontadas em estudo recentemente desenvolvido pela Universidade Federal do Paraná, que tal situação será revertida. É indispensável que o Governo do Estado assuma seu papel como gestor e promotor da melhoria e ampliação constante da malha rodoviária paranaense, entendida como recurso de importância estratégica para nosso futuro, ao invés de eternizar seu arcaísmo sob a forma de mera fonte de lucro para algumas poucas entidades privadas.
DENNISON DE OLIVEIRA é professor de História na UFPR e autor do artigo “A pior deficiência do Brasil”: aliança militar Brasil-EUA, políticas de transporte e as negociações sobre uso de bases militares no pós-guerra (1943-1945) para baixar clique aqui.
1 Comentário
Texto sóbrio e digno de parabens. Abordagem mais do que perfeita e pertinente .