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13/05/2024

O jovem ovo

Desde o momento em que foi expulso do útero materno, passou a se destacar. Em 99% das vezes, pelo lado negativo. Ali mesmo, na sala de parto, causou espanto, com os cabelos plantados até na testa, algo semelhante a um exemplar do homem de cro-magnon.

Depois a aparência melhorou ao nível do aceitável. Já o controle motor, este revelou-se inexistente. Passou a derrubar a mamadeira, a tropeçar nos batentes, a dar cabeçadas em mesas, cadeiras e no que surgisse. A coisa piorou quando descobriram que o energúmeno era, por isso mesmo, canhoto.

Enquanto a coexistência se dava com parentes, os problemas eram subestimados. Sempre havia alguém a passar a mão na cabeluda cabeça da criança, tentando consolá-la. Ocorre que, aos cincos anos, viu-se matriculado em um jardim de infância. Lá, o esforço para desenhar uma letra era brutal, a mão esquerda teimando em seguir uma trilha autônoma, divergente dos princípios da boa caligrafia.

Ao fim do ano a professora resolveu montar um espetáculo teatral para mostrar aos orgulhosos pais a vocação artística de seus rebentos e rebentas. Quem sabe ali não se escondia um futuro Marlon Brando, uma Meryl Streep? A mais bonita das alunas foi escalada para protagonizar a peça. Em torno de um caldeirão, ela pedia os ingredientes para fazer um bolo.

Começou pedindo açúcar, com o que entrou no palco um garotinho branquelo. Temperou com açúcar mascavo, papel a caráter para um aluno moreno. O mais fornido era o fermento. Então viriam os ovos.

O talento dramático do pobre canhoto revelou-se um fiasco. Foi escolhido para compor o esquadrão dos ovos, o que significa que era um doze ovos. Digo, doze avos. Todos envergando uma fantasia amarela e branca de papel crepom. Ao sinal da professora, os ovos entraram, solenes, no palco.

Onze deles. O atrapalhado encostou o lombo em uma parede na coxia, de onde saia um traiçoeiro prego, responsável por rasgar a fantasia a ponto de deixá-lo seminu, refém de uma mísera cueca. A família decepcionou-se – e sua avó passou de novo a mão naquela cabeçorra, tão grande quanto vazia.

Poucos anos depois, fez sua segunda aparição pública. A diretora da escola seria homenageada pelo seu aniversário. Escolheram quatro crianças, uma de cada sala, para lhe entregar um presente. O ex-ovo foi um dos escolhidos. Houve fotos e a promessa de que seria publicada no jornal.

Nosso anti-herói avisou em casa que seria um dos astros do tal evento. Agora sim faria bonito. Era sua estreia no mundo dos espetáculos. Cedo, na manhã seguinte, seu pai correu à banca de jornais. A edição foi aberta na mesa da cozinha e os três trataram de procurar a foto prometida.

Na página 5, lá estava. No centro, a diretora, cercada por duas alunas e um aluno. Em seguida, havia um braço. Sim, o braço direito do aspirante a ator em Hollywood foi a primeira e única parte do seu corpo a estrear nos jornais.

Esta seria a sina de quem começou a vida artística de cueca nos fundos de um palco. Mais tarde sua carreira deslanchou, se assim se pode afirmar, ao verter taças de espumante no vestido de uma aniversariante de 15 anos, despencar do palco em frente à plateia lotada, espatifar o vidro de um Rolex do passageiro da poltrona ao lado, ao deixar seu celular cair do gavetão acima, quebrar um copo de cristal tcheco que pertencia ao acervo de uma senhora da sociedade carioca e rasgar a manga do paletó ao enganchar em um trinco.

Foram razões mais que mais suficientes para que adotasse outro nome. Desde então, para sempre, tornou-se Hermann Sheffield – o desastre que anda, mas sempre tropeça.

 

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