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13/05/2024

O motel da avozinha

No tempo em que Foz do Iguaçu era uma pequena cidade de pouco mais de 30 mil habitantes, na antevéspera da construção da usina de Itaipu, todos aguardavam os milhares de operários que iriam chegar, embora ninguém pudesse prever a cidade aprazível que ela iria se tornar décadas depois.

 

À exceção do Hotel das Cataratas, desde sempre inatingível para as pessoas comuns, os hotéis ficavam na Avenida Brasil e em seu entorno. Eram, quase todas, construções em madeira, a abrigar tanto turistas como caixeiros viajantes e profissionais transferidos para a fronteira, como juízes, promotores, militares ou funcionários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica.

 

O comércio no Paraguai já era a maior atração da região. Enquanto para chegar até Puerto Iguazu era necessária a travessia do Rio Iguaçu por balsa, a Ponte da Amizade unia com facilidade Foz do Iguaçu a Puerto Stroessner, como era então chamada a atual Ciudad de Leste.

 

Certa noite atravessamos a fronteira para um bife de chorizo e uma morcilla capazes de despertar nos comensais incríveis sensações organolépticas – como asseguraram alguns habituês da casa.

 

Uma casa simples, nas quebradas da cidade, nada sugerindo ser possível sair dali o tal deleite das papilas gustativas.

 

Mais impressionado fiquei com o anúncio luminoso da casa ao lado, naquele pisca-piscar do neon a clamar pela chegada dos clientes, desde logo apregoando quem era a responsável pelo negócio: Motel de mi Abuela.

 

Fiquei a imaginar uma de minhas avós, Anita ou Chiquinha, com os vestidos cinza escuro que costumavam usar para cobrir braços, colo e as pernas até as canelas, recebendo casais interessados em outros prazeres da carne que não os oferecidos pelo vizinho restaurante: “Don Raúl, tengo para usted una chica muy linda que llegó ayer de Buenos Aires”, diria uma das minhas avós a um fazendeiro paraguaio adepto das artes mercenárias da noite.

 

Concluo que não seria possível, o que não me impede de conjecturar sobre as feições daquela abuela tão ousada. Não pode ser muito jovem, visto que o nome do estabelecimento deve ser sido sugerido por um neto – ou neta. A mulher deve ter cruzado a linha dos 60 anos, o que não elimina sua capacidade de sedução a eventuais clientes.

 

Minha parceira pergunta a razão do hipotético fazendeiro recebido pela vovó chamar-se Don Raúl – o que me levou a contar que, anos antes, em uma tarde de sábado de verão, estávamos eu e a então namorada em um motel perto do aeroporto Afonso Pena. Cada apartamento tinha uma janela basculante que dava para um pequeno jardim de inverno, permitindo o trânsito dos sons caso a janelinha estivesse aberta. Por ali começaram a vazar os gritos de uma mulher, cada vez mais intensos:

 

– Vai, Raul. Dá-lhe, Raul. Ai, ai, Raul.

 

A narração dominou de tal forma o ambiente que resolvemos engrossar o caldo.

 

– Estou torcendo por você, Raul – berrou a minha namorada pela basculante.

 

– Vai firme, Raulzão – completei, já exibindo alguma intimidade.

 

Raul seguiu em sua vigorosa função por mais alguns minutos, até cumprir a tarefa, conforme a locução nos deu a entender. Não pudemos deixar de aplaudir a performance. Se bem me lembro, cheguei ao exagero de dizer que ele era meu ídolo.

 

Então houve alguns segundos de silêncio. Ao voltarmos para a cama, escutamos a voz da mulher, anunciando da janela vizinha:

 

– Raul é f***, sacaram?

 

Foi sobre isso o que conversamos aquela noite em Puerto Stroessner em que a avó de alguém recebia casais ávidos por um desempenho digno do velho Raul. Talvez ele mesmo, já maduro, transformado em Don Raúl, para siempre cumplidor.

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