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03/05/2024

“Pixote”: os Capitães de Areia dos Anos de Chumbo

Ei! Faz um tempinho que não nos vemos por aqui, eu já estava com saudade desse papo de boteco sobre cinema. E continuando na onda de filmes nacionais (minha obsessão da vez) resolvi assistir um filme de um diretor argentino. Mas calma, estou falando de Héctor Babenco: o cara que talvez seja o argentino mais brasileiro do mundo. O cara entendeu tudo. Pixote: a lei do mais fraco (1980, disponível na Netflix) é um retrato visceral dos reformatórios brasileiros durante a Ditadura Militar, no maior estilo “Capitães de Areia”, de Jorge Amado.

 

Pixote (Fernando Ramos Da Silva) é um garoto de 11 anos que é levado para um reformatório de menores após uma “limpa” da polícia pelas ruas de São Paulo. Aí história segue como já se espera: entre as péssimas condições do lugar, guardas violentos e corruptos e a própria relação difícil com outros internos, Pixote vai aprendendo a se virar. Quando dois meninos são assassinados, nosso anti-herói mirim e seus amigos, Dito (Gilberto Moura) e Lilica (Jorge Julião) encontram uma brecha para escapar, e voltam para a rotina de batedores de carteira. Para levantar uma grana, o grupo se envolve com tráfico de drogas e vai para o Rio de Janeiro.

 

 

Inspirado tanto pelo Cinema Novo de Glauber Rocha quanto pelo Cinema Marginal da Boca do Lixo, Babenco se naturalizou brasileiro nos anos 70, cativado pelo clima experimental das produções nacionais e após descobrir no Brasil um cenário perfeito para fazer filmes. O diretor tem uma filmografia que é uma lista de clássicos absolutos: Lúcio Flávio: o passageiro da agonia (1977), O beijo da mulher aranha (1985) e Carandiru (2003). Nessa pegada de denúncia social e atenção aos aspectos técnicos, sempre impecáveis.

 

No final da Ditadura Militar, quando tudo ainda estava bem fresquinho na memória, o cineasta sacou que era uma boa começar do começo: a infância perdida do filho do pobre. Baseado no livro Infância dos Mortos, de José Louzeiro, Pixote: a lei do mais fraco é sobre todas aquelas crianças que nunca tiveram a chance de ser outra coisa antes de serem chamadas de “delinquentes” pela primeira vez.

 

As atuações são super envolventes, inclusive, são de meninos das periferias de São Paulo escolhidos por Babenco para o longa. E como a vida imita a arte, após não conseguir despontar na carreira de ator, Fernando Ramos Da Silva foi morto pela polícia aos 19 anos durante um assalto (essa história você encontra no livro Rota 66, de Cacos Barcellos).

 

 

E os personagens são demais. Lilica é uma menina transexual prestes a completar 18 anos, descobrindo que o mundo lá fora não tem espaço para ela. Dito é o cara de atitude, black power e óculos escuros que não dá moral para ninguém. E o meu favorito, o Roberto Carlos dos pobres (Israel Feres Davis) a grande promessa musical do reformatório, que canta os clássicos do rei com uma medalha de papel alumínio pendurada no pescoço. Gente fina.

 

Quando tem muito a se dizer sobre um filme, não resta outra opção senão resumir em “veja você mesmo”. Apontando a câmera para assuntos como violência policial, prostituição, homofobia, crime e pobreza, Pixote é destemido. E vale não apenas pela narrativa visceral, mas também por tudo aquilo que faz um filme, como fotografia, trilha sonora e ritmo. E só para eu te convencer de uma vez que a coisa é boa mesmo, várias falas do longa foram incluídas nas faixas do disco Carniceria Tropical (1997), do Ratos de Porão. Pode confiar, é um daqueles filmes que você termina e fica em silêncio olhando para a tela por uns cinco minutos. E depois não consegue parar de falar sobre.

 

 

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