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A proliferação descontrolada de municípios no Brasil

05/04/2022

Os municípios são entes da federação brasileira e, do ponto de vista do cidadão, são instâncias de importância estratégica para viabilizar uma série de direitos e causas de seu interesse. Existem atualmente 5.568 municípios no Brasil. Destes nada menos de 1.179 foram criados desde a promulgação da atual Constituição em 1988. A proliferação descontrolada de municípios no Brasil tem comprometido de forma grave a capacidade de atuação política e administrativa destas entidades. O resultado é que a vasta maioria dos municípios brasileiros é financeira e administrativamente inviável, cabendo planejar com urgência a extinção de todos eles.

 

Um aspecto importante da atual conjuntura é o abandono das políticas de planejamento regional e metropolitano, o qual remonta já há várias décadas. Para além da proliferação descontrolada de municípios, outro dos seus resultados é a concentração urbana e metropolitana, fazendo com que cidades já enormes e com graves problemas de gestão sigam crescendo cada vez mais.

 

Existem 17 municípios brasileiros com população superior a 1 milhão de habitantes, dos quais 14 são capitais. Esse grupo concentra cerca de 21% da população, somando aproximadamente 46 milhões de pessoas. Também existem as cidades com mais de 500 mil habitantes, somando algo como 31% da população brasileira, isto é, cerca de 68 milhões de pessoas. Se somar a estes os municípios com mais de 100 mil habitantes constata-se que neles se encontra a vasta a maioria da população (57%), ou cerca de 123 milhões de habitantes. Assim, a maior parte dos habitantes do país se concentra em aproximadamente 326 municípios, isto é, por volta de 6% do total.

 

Se a alta densidade demográfica em algumas poucas centenas de municípios já é grave, ainda pior é o grau de concentração econômica. Apenas 8 municípios brasileiros concentram 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Somente a cidade de São Paulo responde por 10,3% do PIB. Além desta somente tem expressiva participação no PIB as cidades do Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR).

 

Em contraste com algumas poucas centenas de grandes cidades temos milhares de micro e pequenos municípios, a quase totalidade dos quais é inviável tanto do ponto de vista financeiro quanto administrativo, uma vez que contam com menos de vinte mil habitantes. Um número excessivamente reduzido de habitantes não configura qualquer base econômica compatível com os custos de manutenção de uma máquina administrativa e legislativa própria.

 

No Brasil cerca de 67% dos municípios (algo como 3.770 deles) têm menos de 20 mil habitantes e abrigam 14% da população, isto é aproximadamente 31 milhões de habitantes. Ou seja, cabe notar que as 17 maiores cidades do país têm uma população superior àquela resultante da soma dos 3.770 menores municípios. Pior ainda é a inviabilidade econômica destes micros e pequenos municípios os quais dependem geralmente em mais de 80% do repasse de verbas tributárias arrecadas em outras instâncias.

 

É o caso do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores) arrecadado pelos Estados, do qual metade é repassado ao município onde o veículo está registrado. Também são repassadas as verbas do Fundo de Participação dos Municípios referente a 22,5% da arrecadação da União com IR (Imposto de Renda) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

 

As funções legais e constitucionais dos municípios são numerosas e de custo elevado. Compete à municipalidade manter a limpeza e a iluminação públicas; o sistema de transporte urbano; serviços de saúde municipais; a guarda municipal; escolas de educação infantil e ensino fundamental; planejar e controlar o uso do solo urbano; e a proteção do patrimônio histórico-cultural local dentre outros.

 

Dificilmente tais missões são financeiramente compatíveis com os custos da máquina administrativa municipal nestes micros e pequenos municípios. Cabe notar que o salário de um prefeito raramente é menor do que 9 mil Reais, havendo casos em que pode chegar ao limite do teto constitucional, atualmente em cerca de 39 mil Reais. Os municípios com até 15 mil habitantes, os quais nem sequer deveriam existir, podem eleger 9 vereadores, cujos salários têm valores geralmente próximos àquele que é pago ao prefeito. A estes encargos devem ser somados os salários de secretários, cujo número pode variar em muitas dezenas. Finalmente, existem os cargos de livre nomeação, nos poderes executivo e legislativo municipal, cujo número é sempre expressivo em relação ao dos funcionários públicos concursados.

 

Os resultados da proliferação descontrolada de municípios no Brasil são trágicos. É o que se constata ao contabilizar que em 85% dos municípios brasileiros apenas 25% dos seus estudantes têm aprendizagem adequada em matemática no 9º ano do ensino fundamental. Em 74% dos casos os municípios não possuem nenhum museu. Ou que 63% das crianças da faixa etária correspondente estão fora dos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIs), as antigas creches. Também é o caso de notar que cerca de 60% dos municípios ainda utilizam lixões, de grave impacto ambiental derivado do acúmulo indiscriminado de resíduos de todo tipo a céu aberto.

 

O caso do Paraná é particularmente grave. O Estado do Paraná conta com exorbitantes 399 municípios. Destes, 306 municípios têm menos de vinte mil habitantes. Ainda pior, mais de uma centena tem menos de 5 mil habitantes. O menor município do Estado é Jardim Olinda que conta com exatos 1.309 habitantes, isto é, o público normal de um bom ginásio de esportes.

 

Não basta conter a proliferação descontrolada de municípios no Brasil. Cabe planejar a drástica redução deles, através da fusão com outros municípios. É indispensável se estabelecer como limite mínimo para criação de novos municípios o piso de 20 mil habitantes. Somente desta forma os municípios deixarão de ser um fim em si mesmo, meros cabides de emprego e máquinas eleitorais, para passar a efetivamente dar conta das suas funções legais e constitucionais.


DENNISON DE OLIVEIRA é professor de História na UFPR, autor do livro “Urbanização e Industrialização no Paraná” (SEED/PR, 2002) (baixe aqui)

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