HojePR

LOGO-HEADER-slogan-675-X-65

28/03/2024

PAULO PIMENTEL

Sem Categoria

“Recebi minhas punições e recebi minhas premiações. Sou um cara feliz”

 “Recebi minhas punições e recebi minhas premiações. Sou um cara feliz”

Por Israel Reinstein, André Lopes e Fernando Ghignone

 

Do alto dos seus 93 anos, o ex-governador Paulo Pimentel é um observador privilegiado, mas acima de tudo protagonista, dos últimos 60 anos da história do Paraná. Apesar de paulista de Avaré, foi aqui que criou suas raízes, formou sua família e prosperou nos negócios e na vida pública.

 

Mais jovem governador do Paraná, fez da sua administração um exemplo de prosperidade e austeridade. Incentivou a agricultura, construiu estradas, elevou o ensino público criando universidades e unificou o Paraná, levando seu governo aos rincões do Estado.

 

Como empresário, criou um dos maiores grupos de comunicação do país. Foi perseguido pelo governo militar, perdeu tudo e quase faliu. Reconstruiu seus negócios com muito sangue, suor e lágrimas, como ele mesmo define.

 

Em pouco mais de duas horas, Paulo Pimentel, o ex-governador, ex-deputado e empresário, falou de tudo com exclusividade ao HojePR. Relembrou momentos importantes da história política e econômica do Paraná, revelou detalhes de atritos com grandes personalidades, se emocionou ao falar das suas perdas, como recentemente, da companheira de uma vida toda, dona Ivone, mas sorriu com alegria ao falar dos netos.

 

No fim das contas, não foi uma entrevista, foi uma boa conversa e, com a franqueza que sempre lhe foi peculiar, doutor Paulo não fugiu de nenhum assunto. A idade, segundo ele, lhe confere o direito de não filtrar mais nada, doa a quem doer.

 

O INÍCIO

Comecei a trabalhar em São Paulo, na Votorantim, e depois fui advogar na Usina Central do Paraná, dos Lunardellis, em Porecatu. Em dois anos, virei superintendente da usina. E ganhava bem.

 

Em 1960, lá de Porecatu, apoiamos Ney Braga para governador. Já eleito, um dia o Ney apareceu e foi almoçar comigo. Me convidou para ser o seu secretário de Agricultura. Conversei com meus parentes, mas a princípio não queria aceitar, porque ganhava bem na usina e o salário de secretário era mixuruca.

 

Acabei aceitando e vim para Curitiba, sem conhecer ninguém, a não ser o Hermes Macedo. Assumi a Secretaria e o pessoal achava que eu era um “jacuzão”. Com o passar dos dias, percebi que uma parte grande do funcionalismo não queria trabalhar. Eram preguiçosos. Diante disso, entendi que, para ter sucesso, precisava fazer uma transformação e me aproximei dos agricultores.

 

Comprei um avião para a Secretaria da Agricultura para chegar mais perto dos produtores. O governador só soube da compra dois anos depois. Ouvindo os produtores, entendi que havia necessidade de fazer chegar às mãos deles uma semente de qualidade. Passamos a fornecer essa semente. O produtor pagaria depois. Muitos não conseguiram pagar e conseguimos o perdão da dívida com ajuda da Assembleia Legislativa, sob comando do deputado Aníbal Curi.

 

No período em que fui secretário, buscamos melhoramento genético do nosso gado e ampliamos o apoio técnico ao produtor. A estrutura de apoio ao cafeicultor também se tornou forte, atendendo o setor. Em pouco tempo, o Paraná se destacou nacionalmente pela sua produção, colocando o governador Ney Braga em evidência.

 

Foi assim que consegui dar destaque à Secretaria da Agricultura e as pessoas passaram a me conhecer. Diferente do secretário anterior, que havia passado 14 anos no cargo e ninguém sabia o seu nome. Eu movimentei o interior, mesmo sofrendo com a preguiça dos funcionários públicos.

 

MOSCA AZUL

Paulo Pimentel em campanha, em 1965

Eu tinha 33 anos quando assumi a Secretaria da Agricultura. Quando ocupava o cargo, fui homenageado como Cidadão Honorário de Curitiba, pela Câmara Municipal. Após meu discurso, começaram a gritar “governador, governador”. Foi quando a mosca me picou e eu acreditei que poderia ser governador do Paraná.

 

Me filei ao PDC, que era do Affonso Camargo e do Ney Braga. O candidato do partido era para ser o Affonso, estava tudo certo. Mas eu queria ser candidato. Fomos para a convenção e eu ganhei. Mas o Ney tinha o compromisso com o Affonso e fez um discurso dizendo que eu devia tudo a ele, pois ele me trouxe para o Paraná e para a política. Então eles me traíram e a convenção não foi formalizada.

 

O Ney acreditava que eu devia algo para ele. Mas o governo do Ney se deve ao meu sucesso, ao meu trabalho na agricultura do Estado, que foi fortalecida. Ele era o governador, mas o meu trabalho deu o destaque para ele, depois, se tornar ministro.

 

Então deixei o PDC e entrei num partido pequeno, que era do Anibal Curi, o PTN, porque entendi que era a minha vez de ser governador. Seria o início da campanha eleitoral de 1965.

 

De repente, o PTB lançou o Bento Munhoz da Rocha como candidato. Ele já tinha sido governador. Tinha sido ministro. E o pai e o sogro dele, durante 20 anos, se alternaram no poder. Eu parecia minúsculo diante dele.

 

O Bento tinha a fama de ser o melhor orador do Paraná. E eu nem sabia quem era o Bento. Quando soube quem ele era, decidi que tinha que arriscar. Aí a situação se inverteu. O Ney Braga, com medo do Bento, decidiu me apoiar. Bento era cunhado do Ney, mas tinham brigado e nunca mais se entenderam.

 

Não foi uma eleição fácil, mas eu ganhei. Lutei contra tudo e todos, furei a bolha das famílias tradicionais do Paraná – Munhoz da Rocha, Canet, Braga, Camargo – e fui eleito. Era jovem, é verdade, mas muito interessado em mudar o Paraná.

 

UNIR O PARANÁ

O governador Paulo Cruz Pimentel (PTN) e o deputado federal Haroldo Leon Peres (ARENA)

Quando assumi, tinha o Norte do Paraná ao meu lado. Precisávamos conquistar o Sul e o Oeste. A minha percepção, por causa da colonização diferente, com catarinenses, gaúchos, paulistas e mineiros, era de que tinha três grandes polos. No Norte, a capital de influência era Londrina. No Sul, era Curitiba. E no Oeste, era Foz do Iguaçu. Era preciso unificar. Usei as estradas, energia elétrica, telefonia e ensino para fazer isto.

 

O Ney Braga criou a Telepar, mas o Estado não tinha telefone e nem as linhas telefônicas. Então comecei do zero, da pedra fundamental da sede da Telepar à implantação das linhas e dos telefones.

 

Só uma curiosidade, a demora nas obras da sede da Telepar me impediu de ser senador. Fiquei no governo até a obra ficar pronta.

 

No meu governo, mandei comprar telefones de última geração. Distribuíram pelo Estado e iam ser ligados conforme chegassem a fiação. Meus adversários começaram chamar os telefones como os “mudinhos do governador”. Esperei chegar a fiação e lancei a campanha “os mudinhos vão falar”. E cada telefone ligado era uma festa em que as pessoas falavam no telefone. E até o fim do meu governo, todos os cantos do Paraná tinham telefones.

 

Daí percebi que faltavam estradas. O DER (Departamento de Estrada de Rodagem do Paraná) começou a construir as rodovias. Foram 1.800 quilômetros de estradas de boa qualidade. Não eram casca de ovo. Tinham sete camadas de brita, da grossa até a fina, chegando na emulsão.

 

Percebi que havia lugares que dependiam da estrada para se desenvolver. Fiz a primeira estrada pavimentada para o Sudoeste. Existia uma estrada asfaltada que ia até a Lapa e eu pensei continuar até União da Vitória. A continuação dessa estrada ia até Pato Branco. Mas um engenheiro do DER, que visitava a obra comigo, sugeriu ligar Três Pinheiros, em Guarapuava, na BR-277, com Pato Branco. Foi o que fizemos. E conseguimos ligar a região com Curitiba, de forma mais rápida e segura.

 

Depois fiz a estrada ligando Ponta Grossa a Itararé. Essa rodovia era paralela à rodovia que ia para São Paulo. Eram 200 quilômetros. Eu tinha combinado com o governador de São Paulo, Renato Abreu Sodré, que eu faria a estrada até a fronteira com São Paulo e ele faria a parte que chegava até Itararé. Acabamos a nossa parte e eles nem tinham começado. Colocamos uma placa grande do nosso lado: “Paraná, aqui se trabalha!”. Os paulistas não gostaram e responderam colocando uma placa do lado deles: “São Paulo, aqui o trabalho não é novidade”. Achei genial essa briga.

 

Ao mesmo tempo em que levamos a telefonia e estradas ao Estado inteiro, levamos eletricidade. O Paraná não tinha energia elétrica. Nem para Curitiba tinha suficiente. A capital tinha um gerador de energia a diesel, na avenida Engenheiros Rebouças, que mantinha um pouco de luz nas casas.

 

Se eram assim em Curitiba, era pior no Sudoeste, Oeste. Construi usinas pelo Estado. Teve uma pequena, que ganhou muita repercussão, que era a Usina Júlio Mesquita Filho. Eu mesmo escolhi o nome, em homenagem ao diretor falecido do jornal ‘O Estado de São Paulo’. A usina era meio mixuruca, mas o Estadão deu destaque nacional e elogiou o Paraná. Era o que eu queria, o destaque nacional que o jornal proporcionou à minha administração.

 

Mais tarde inauguramos a usina que permitiu acabar com mais de 30 geradores a diesel do Estado. Trouxe o presidente Emílio Medici para inaugurar a Capivari/Cachoeira, que era uma usina de engenharia diferenciada. No meio da pedra. O presidente inaugurou, não teve o mesmo destaque que a Usina Julio Mesquita, mas a hidrelétrica resolveu o problema da energia no Paraná. Vendemos todas as usinas de diesel para outros estados.

 

E o ensino universitário foi o último ato. Fui para Londrina e defendi a necessidade de universidades no Interior. Era atacado por professores da Universidade Federal do Paraná e por parte da sociedade. Em Londrina fui chamado de inexperiente. Foi quando decidi comprar 99 alqueires para criar a Universidade em Londrina. Comprei também terrenos para construir a Universidade em Maringá. Outra curiosidade: eram terrenos do pai do Alvaro Dias. E em Ponta Grossa, peguei uma escola técnica e transformei em Universidade.

 

Precisava de professores para todas essas estruturas e li um livro que contava como a USP se formou. Trouxeram professores da Europa. Se eles podiam trazer professores da Sorbornne, maior instituição de ensino superior da França, eu podia trazer professores de São Paulo. E assim montei as três universidades, que hoje exportam profissionais.

 

Foi assim que unifiquei o Paraná, pela telefonia, eletricidade, universidades e estradas para todos. No fim, não havia mais divisões no Estado e fortaleci a capital.

 

ATRITOS PESSOAIS

Jayme Canet e Ernesto Geisel

A minha desavença com o Jayme Canet foi uma das mais famosas e, ao mesmo tempo, uma história complicada. Quando fui secretário da Agricultura, fundei a Café do Paraná e queria ser o presidente. O Ney Braga decidiu pelo Canet, que era um milionário da cidade. O governador fez isto para não me fortalecer. Então, entendi que era bom me aproximar do Jayme Canet. E ele ficou meu amigão.

 

Na minha campanha para governador, Canet foi um companheiraço. Quando fui eleito, ele quis a presidência do Banestado. O Ney, que no final das contas havia me apoiado, queria que o Máximo Kopp, dono das farmácias Minerva, fosse o escolhido. Acabei colocando o Canet como presidente do Banestado.

 

E ele nomeou, como seu superintendente, o Celso Saboia. Numa determinada época, o Canet precisou se licenciar do cargo para fazer um tratamento de saúde nos Estados Unidos, deixando o Celso Saboia como presidente, acumulando a superintendência. O Saboia era um ótimo profissional, mas um sujeito que se encrencava com muita gente. Uma dessas encrencas foi com o secretário da Fazenda, Orlando Mayrink Góes. Eu até não estava muito satisfeito com ele, mas não demiti para não me submeter à pressão do presidente interino do banco.

 

Quando o Canet voltou do exterior, reassumiu a presidência e comprou a briga do Saboia com o Góes e quis que eu exonerasse o secretário da Fazenda. Não arredei o pé. O Canet, então veio me intrigar. Segundo ele, um fiscal tinha descoberto que parentes meus, ligados à Usina de Açúcar de Porecatu, tinham uma duplicata do banco, em Rolândia, de valor elevado e que era fruto de uma operação, para ele, ilegal. Só para registro, a duplicata foi prontamente paga.

 

Eu disse a ele que, se a operação era irregular, que ele não a consumasse. Ele reagiu irritado, me disse que os meus parentes pensavam que mandavam no banco e deixou o Palácio Iguaçu muito zangado, avisando que pediria demissão, que iria à imprensa e que seria acompanhado por toda a diretoria. Sabendo o que Canet ia fazer, decidi conversar com o ministro da economia, Delfim Neto. Perguntei sobre o tal fiscal, que na época era do Banco do Brasil porque não havia Banco Central, que teria descoberto a duplicata. Ele me disse quem era e eu conversei com ele. Esse fiscal era o Manfredini, que me disse que não havia nenhuma irregularidade na operação e que a fiscalização era um procedimento de rotina.

 

Decidi nomear o Manfredini, que seria a testemunha do Canet, para o cargo de presidente do Banestado. Esse movimento desmobilizou a denúncia dele, que passou a me odiar. Com a raiva do seu sangue espanhol, nunca me perdoou.

 

Mais tarde, quando Jayme Canet foi eleito governador, nomeou o Celso Saboia para presidente do Banestado. Saboia era um homem enrolado e não servia para o cargo.

 

José Richa

A briga com José Richa foi um erro meu e dele. Não sei bem a razão dessa briga. No primeiro dia do governo dele, uma repórter do nosso canal tentou entrevistá-lo. Quando ele soube que a repórter era da TV Iguaçu, mandou ela voltar à emissora com o seguinte recado: “Diga ao seu patrão, o Paulo Pimentel, que eu vou acabar com ele”. Ela voltou e deu o recado.

 

Naquela época eu fazia, todo dia, um comentário no jornal que a emissora exibia ao meio-dia. Fiquei irritado e revidei o ataque na televisão. Exibi o vídeo com o Richa me ameaçando e disse que quem iria acabar com ele seria eu. Não recebi nenhum anúncio durante toda a gestão dele. Alguns interlocutores tentaram resolver as coisas, mas nossa relação nunca melhorou.

 

Teve uma vez que o José Richa comprou um avião, um Citation. Um dia veio voando do Interior e, quando estava quase em Curitiba, pediu para o piloto atrasar em 10 minutos, rodando no ar, porque eles estavam jogando carta. Descobri a história com o piloto e contei no ar, apelidando o avião de “boatinha voadora”. O Richa ficou muito bravo.

 

Nunca resolvi o problema com o José Richa. Ele morreu antes. Depois, tive uma boa relação com o filho dele, o Beto Richa. Pena o que aconteceu com o Beto. A situação dele serve para a gente avaliar bem quem está do nosso lado.

 

Na verdade, durante o meu governo, do Canet e do José Richa, minhas empresas não faturaram nenhum centavo contra o governo. No meu governo, a publicidade do governo do estado era gratuita. Você tem que temer a opinião publica. Porque ela deve ser respeitada .

 

Tive atrito com Ney Braga e com Canet, mas o meu maior inimigo foi o Affonso Camargo. Ele era muito competidor e pouco honesto. O Affonso Camargo não tinha condição para se eleger. Não tinha temperamento para ser político. Não tinha habilidade para a vida pública. Fez de tudo para prejudicar.

 

MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Antes de disputar o governo, percebi que precisava de um meio de comunicação para divulgar meu trabalho como secretário de Agricultura. E decidi comprar um jornal. Nunca tinha visto uma rotativa na minha vida. Não entendia nada de imprensa.

 

Chamei o Rafael Iatauro para me ajudar. Conversei com o Fernando Camargo e Aristides Mehry e comprei o jornal deles: O Estado do Paraná. Queria divulgar o que vinha fazendo e quebrar a impressão negativa que os paranaenses tinham com os paulistas.

 

Estudei e aprendi tudo da imprensa. E tive rádio e canais de televisão. Conheci o Roberto Marinho. Abri caminho para o Marinho com o presidente Costa e Silva, que era meu amigo.

 

PERDA DA GLOBO

Odeio regimes militares. Tenho horror com militares no poder, mas me dava muito bem com o Costa e Silva e a sua esposa, Dona Iolanda (Iolanda Barbosa). E como governador apostei no mandato do Costa e Silva e perdi. (A subida de Costa e Silva para o poder aconteceu em meio a disputas internas entre os militares. Nessa queda de braço, o grupo dos castelistas – militares intelectualizados e próximos dos EUA – perdeu a disputa pelo poder para o grupo que defendia o endurecimento do regime a todo custo (conhecidos como linha-dura). Ele teve um derrame e morreu. E eu tive o derrame junto. Fiquei com a escada e o pincel na mão, perdi tudo.

 

Existiram alguns políticos que trabalharam contra mim. O Affonso Camargo, deputado federal na época, sabia que o Geisel não gostava de mim. Ele falou ao presidente que, se não tirasse a televisão de mim, eu ia ficar eternamente no poder. Tiraram a minha transmissão da Globo e com isso perdi a chance de ser um dos homens mais ricos do Paraná.

 

Doutor Roberto me chamou para conversar. Eu tinha ajudado o Marinho a formar a Globo no processo com a Time-Life, com o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, braço direito de Roberto Marinho), Clark (Walter Clark Bueno, foi diretor-geral da Globo) e o Joe Wallach, da Time-Life. Pus o doutor Roberto para falar com o Costa e Silva.

 

Quando Geisel assumiu, veio a Curitiba para a inauguração do Teatro Guaíra. Eu compareci ao evento como convidado do governador Emilio Gomes. Depois da cerimônia, o Geisel manda me chamar. “Nós perdemos a eleição porque você apoiou o José Richa, o Alvaro Dias, e outros deputados eleitos pelo MDB. E você vai pagar por isso”, me disse ele.

 

Dias depois, sou chamado a Brasília pelo Golbery do Couto e Silva. Ele me comunica que, no dia seguinte, eu teria um almoço com o Roberto Marinho e que ele me faria uma proposta para comprar as minhas empresas. Pois bem, fui ao encontro do doutor Roberto.

 

Durante o almoço, ele coloca sobre a mesa duas procurações. Uma autorizando a venda das ações e a outra passando o controle das empresas para o Maurício Sirotsky, da RBS. Perguntei se ele iria me pagar pelas ações, ao que ele respondeu que não. Voei no pescoço dele. Foi uma confusão. Os seguranças chegaram rapidamente e me tiraram do local. Uma semana depois, a programação da Globo na minha televisão foi cortada.

 

Então os militares me propuseram vender a minha concessão para o João Saad, da Bandeirantes. Não deu certo. Então, eles tiraram minha televisão do ar e lacraram minha rádio. E eu estava quebrado. Perdi minha conta bancária e meu crédito. Quem trabalhava comigo recebia em dinheiro vivo, pois não tinha conta no banco. Me deram uma rasteira. Até o Boni e o americano contam isso nos livros deles.

 

Fiquei sem televisão até conseguir me acertar com o SBT, que foi criado com concessões da extinta TV TUPI e a TV Excelsior. Antes disso, tive que produzir localmente e comprar filmes para manter a programação no ar.

 

Fiz negócios com o Silvio Santos fora do SBT. E virei amigão dele. E o SBT salvou minha televisão.

 

FIM DA RÁDIO

Eu tinha a rádio Iguaçu. Euclides Cardoso era o programador dela. Quando perdi a televisão, lacraram a minha rádio. E tem um discurso sensacional feito pelo Nestor Baptista, agora conselheiro do Tribunal de Contas, falando do fechamento. Os militares chegaram 7h da manhã para fechar a rádio. E o Nestor continuou narrando para o povo, contando como estava acontecendo o fechamento da rádio. Foi histórico.

 

Lacraram a rádio e deram para outra pessoa comandar. Perdi a rádio e depois nunca mais quis rádios. Na época, fizeram o mesmo com a rádio paulista Nove de Julho e eles foram a Justiça e recuperaram a rádio. Fiz errado, não entrei na Justiça.

 

PROSCRITO

Em 1975, minhas filhas queriam se casar. E eu não tinha dinheiro. Tínhamos um pacto na família determinando que viveríamos com economia, restritos a pequenas despesas. Diante desse quadro, eu precisava fazer alguma coisa para sustentar a minha família. Não tinha saída. Resolvi me candidatar a deputado federal e fui o mais votado do Paraná.

 

Aí começou a minha virada. Entrei na Comissão de Constituição e Justiça. Lá tinha um time de primeira grandeza, grandes políticos. Mas todos eram de esquerda. E nenhum deles tinha coragem de assinar projetos contra o governo. Eu tinha e assinei todos.

 

Tudo que passava contra o governo, tinha a minha assinatura. Comecei a bombardear o presidente Figueiredo.

 

Na época, eu era amigo do Antônio Carlos Magalhães (político baiano, que foi governador, ministro e senador). E um dia ele me telefona e diz que o presidente Figueiredo queria falar comigo.

 

Eu fui. O presidente estava no telefone. Mandou eu entrar e tirar o paletó que a gente ia conversar. Fiquei pensando que era um teste. De repente, ele larga o telefone e pergunta: “porque você é contra a gente”. Ele completou dizendo que tudo que era contra o governo tinha a minha assinatura.

 

Eu olhei para ele e disse: “sou um proscrito. Eu não tenho conta bancária, não posso ter nada em meu nome”. O presidente me interrompeu e ligou para o Karlos Rischbieter (ministro das Finanças do governo de João Figueiredo). Mandou abrir tudo para mim. A partir daí, comecei uma nova vida. Comecei a comprar filmes. Daí veio o Silvio Santos. Comecei a sobreviver outra vez. Minha firma foi muito bem. Consegui levar a TV para frente, com boa receita.

 

PRESTÍGIO PESSOAL E A CORRUPÇÃO

Tem uma frase de um romano, que diz que a “riqueza é inferior ao prestígio pessoal”. Por isto, o cuidado com a corrupção é importante. Uma vez, eu ainda governador, a Gazeta do Povo deu uma denúncia contra um secretário. Eu o afastei. Com isto, deixei de ser avalista do secretário. E falei para ele que se comprovasse sua inocência, poderia voltar.

 

Os governantes não sabem, mas a notícia é o fato. E o fato precisa ser noticiado. Quando vem uma denúncia, o governante precisa dar a resposta imediata e dar a satisfação a opinião pública. É um engano a criação, por exemplo, de orçamentos secretos. Uma hora isto surge.

 

Nunca um empreiteiro me comprou. Nunca mexi em nada. Tive fama de homem sério. Eu oriento meus netos. Falo que não devem conversar com empreiteiro sozinho. Chamem alguém. Não aceitem nada.

 

AVALIAÇÃO DE BOLSONARO

Acompanho muito o governo do presidente Jair Bolsonaro. E votei nele. Ele é um cara inexperiente para administrar o Brasil. Os ministros não conseguem governar. E a nossa economia vai aos trancos e barrancos. E o dólar sobe de novo. Se puser o Bolsonaro para dirigir uma padaria, ele a quebra. Até um boteco de esquina não cresce se brigar com todos os fregueses e fornecedores.

 

Hoje a situação é delicada, pois o presidente extrapola a independência entre os poderes. Não é inteligente brigar com o Supremo. Tem uma frase que diz que não se briga com uma pessoa de saia. Ou seja, mulheres, padres e juízes com suas togas.

 

O presidente tem o poder de indultar, mas não vale essa briga por causa do Daniel das quantas (o deputado federal Daniel Silveira – PTB). Acho que os ministros do STF passaram da sua prerrogativa, principalmente o carecão (ministro Alexandre de Moraes). Ao invés de recuar, Bolsonaro comprou a briga, aumentando a crise. O presidente é mal assessorado. E precisa de homens sérios ao seu lado para orientar.

 

Estar cercado apenas por militares não ajuda o presidente. Eu acho que os militares ficaram tempo demais no poder e hoje estão com saudades. Provavelmente não vão querer sair. Vão lutar por Bolsonaro e vai ser difícil de largarem o poder. E isto cria uma enorme incerteza.

 

Um exemplo de como é mal assessorado é o caso da vacinação. Ele fala que não vacinou. Fala que a filha não vai vacinar. No entanto, o seu maior feito foi a vacinação contra a Covid. Hoje quase toda a população recebeu vacinas.

 

Imagine se alguém lhe orientasse. E ele tivesse chegado com humildade, admitindo que, no princípio, foi contra a vacina. Depois afirmaria que não faltou a imunização para todo mundo. Poderia ter desfrutado de seu maior feito. Mas, ao invés disso, prefere dar murro em ponta de faca.

 

Outro caso de maus ministros é o da Educação (Milton Ribeiro). Ele atirar em um aeroporto, que absurdo. Quanta falta de preparo tem o ministério de Bolsonaro.

 

FILHOS DE BOLSONARO

A história das rachadinhas dos filhos de Bolsonaro (Flavio Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro) é indefensável. Não se pode empregar um cara, que não fará nada e, em troca, pegar metade de seu salário. Essa prática é antiga e todos que mexeram como isto se esborracharam. E os filhos do presidente fizeram sem o menor pudor. E isto vai atingir o presidente.

 

LULA

Acho que, nesta altura da vida, o ex-presidente Lula é desclassificado para ocupar de novo o cargo. Não pode ser mais presidente da República. O Lula está superado e já passou o período dele. É um cara que vive na boemia. Não tem nem idade e nem raciocínio para ser presidente. E se voltar vai trazer a sua camarilha para o governo. Entendo que o povo está votando no Lula por protesto ao mal governo de Bolsonaro. Mas poderia votar na terceira via. Mas, se não houver uma terceira via viável, a maioria dessa gente vai votar no Bolsonaro. Ainda mais com o horário eleitoral trazendo as acusações de corrupções que Lula respondeu.

 

MORO

Eu preferia o Sérgio Moro (União Brasil). Mas o problema do Moro é não ter experiência política e não ter quem o assessorasse. Acho que não devia ter tentado ser presidente. Quando o Bolsonaro o convidou para ser ministro, não deveria ter aceitado. Deveria ter dito que ia esperar para ser o ministro do Supremo. Agora, Moro escorreu e fez tudo errado. Eles mudaram o título para São Paulo. Ele não soube se estabilizar no partido. Não teve assistência política. Mas acho que ele pode ressuscitar.

 

RATINHO JUNIOR

Gosto do govenador Ratinho Junior. Acho uma pessoa humilde e trabalhadora. Considero uma pessoa honesta. Conheço ele pouco. Os meus netos falam com ele. Conheço melhor o pai. O pai é gozador. Tem o dom para ser artista de circo, apresentador de programas. Faz um programa que agrada as pessoas. Esse carisma fez com que ele elegesse o governador Ratinho Junior. O governador leva essa eleição. Não há opositor a altura. O Roberto Requião não vai se eleger, porque é do século passado.

 

ROBERTO REQUIÃO

Não foi fácil trabalhar com o govenador Roberto Requião. Fiquei dois anos na Copel, depois que perdi as eleições para o Senado, por estupidez. Peguei a Copel estraçalhada. Em um mês coloquei em pé. Em dois meses, começou a dar lucro. Comecei a ir no Interior a falar com prefeitos. E acho que o Requião começou a ter ciúmes de mim, passando a me torpedear através de um diretor dele, Gilberto Gribeller. Um dia tivermos um atrito e passou.

 

Com o lucro da Copel, resolvi trocar 200 picapes para distribuir no Interior e trocar os equipamentos sucateados. E descobri que o Gilberto Gribeler decidiu trocar os carros antes de mim, por veículos inferiores ao que tinha planejado.

 

Fui imediatamente ao Palácio Iguaçu para falar com o Requião. Aí ele me diz que o Gilberto fez uma boa compra. Então apresentei minha carta de demissão, porque ele não ia me deixa decidir o melhor para a Copel. Requião mandou o advogado da Copel ir atrás de mim para não me demitir. Não voltei atrás.

 

Era difícil trabalhar com ele. O Requião tem uma debilidade mental. Ele é capaz de pular na sua garganta e te esganar. E, às vezes ele tem traço de loucura, não escuta a razão. Nunca mais falei com Requião. E disse o diabo para ele.

 

NETOS

Paulo Pimentel com os netos Eduardo Pimentel Slavieiro, vice-prefeito de Curitiba, e Daniel Pimentel Slavieiro, presidente da Copel

Eu digo aos meus netos, que estão na vida pública, vocês não tomem nada, sejam sérios. Se o dinheiro que vocês estão ganhando não der para alguma coisa, venham aqui, vamos acertar o que for necessário. Mas meus netos, o Eduardo e o Daniel, estão indo muito bem. O Daniel ficou oito anos como presidente da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e vai completar quatro anos no comando da Copel, maior empresa do Sul do Brasil. Está fazendo uma grande gestão.

 

O Eduardo é vice-prefeito de Curitiba. Tem um futuro brilhante. Tem uma educação maravilhosa, fruto da boa índole das duas famílias: os Pimentel e os Slavieiro. O Eduardo tá sempre por perto, vem toda semana dar uma olhada em mim. Só tenho elogios aos meus netos.

 

VELHICE

Eu me preparei para a velhice. Construí meu patrimônio e estou vivendo de aluguéis e ganhos de minhas propriedades rurais. Não tenho aposentadoria de governador e tenho uma aposentadoria de deputado estadual. Sempre trabalhei para garantir meu patrimônio. Eu previ uma vida mais larga na velhice

 

Recentemente, tive Covid e fiquei 60 dias na UTI. Saí do hospital com uma perna afetada, pesando 50 quilos e meu peso normal é 84 quilos. E sobrevivi, mas minha mulher morreu do meu lado e só fui saber bem depois. Acho que ela está comigo. Acredito em Deus, na criação do mundo. Acredito na vida eterna.

 

Tem alguma coisa que ajuda a gente e tem coisa que pune. Você sente. Eu recebi minhas punições e recebi minhas premiações. Apanhei bastante na minha vida, mas estou bem. Estou satisfeito. Sou um cara feliz.

10 Comentários

  • […] Paulo Pimentel quer deixar de legado para seus netos posições no tabuleiro político. Ele fala disso abertamente. O futuro de Daniel não está às claras, mas Eduardo vem pavimentando seu caminho à Prefeitura […]

  • De todos os citados na reportagem, ele realmente foi o melhor. Teve suas falhas , como todos. Mas foi honesto, não sei de nada que o desabone. Os outros sabemos hoje, que nenhum foi flor que se cheire, nenhum mesmo! Todos meteram a mão em maior ou menor grau, mas meteram. Fosse quem fosse, só a perpetuação no0 poder já os denunciava serem a favor das mamatas. Vida de luxo e riqueza, sem condições de comprovarem frente à Receita Federal as origens dos Ganhos. Mas parece que esta também já fez e faz vista grossa para todos que ai estão, então… Gosto do Paraná, mas acho que aqui, quando um quer sair do caldeirão lá dos infernos, o outro lhe puxa o pé. Estão muito enfronhados uns com os outros, por isso não há oposição nem disputas reais, é tudo um jogo de cena. Prova é Lula e Alckmin. Tudo farinha do mesmo saco. E por isso discordo muito do Sr. Paulo Pimentel. Suas análises sobre Bolsonaro, são do Político ladino e insidioso, que busca seu poder. E Esse é exatamente o diferencial do presidente com os demais.

  • Parabéns aos entrevistadores. Colher a sabedoria política de um político honrado como o nonagenário Paulo Cruz Pimentel é um serviço à história do Paraná e desta República tão carente de figuras brilhantes como esse paulista de Avaré.

  • Belissima reportagem. Dr. PAULO é ´pessoa de minha maior estima. Tive a honra e prazer de trabalhar para ele no jornal O ESTADO DO PARANÁ depois de 39 anos de GAZETA. Foi um período engrandecedor para mim. Tivemos conversas memoráveis e a cada uma delas saia de seu gabinete no jornal ainda mais conhecedor de sua luta de vida, de empresário e de vencedor. Conversar com Dr. PAULO foi e será sempre um aprendizado de vida.

  • Parabéns! Ótima reportagem, digna de um empreendedor da comunicação como foi o ex-governador Paulo Pimentel. Mas, eu ainda faria duas perguntas para o Paulo Pimentel, que não está na reportagem:

  • Tive a honra de trabalhar em algumas empresas do Dr. Paulo (TV Coroados, jornal Panorama, TV Cidade, Editora e fazendas) por mais de 20 anos.
    Já vi ele vender fazenda, casa e até jatinho. Nunca vi um atraso de salario e seus encargos.
    Só tenho a agradecer a ele e sua filha Vera Lucia, pois aprendi muito com eles.

  • Esta matéria é parte da história do Paraná e da sua segunda metade do século 21.

  • Belíssima matéria!
    Aí está uma parte da história do Paraná.
    Conversar com Dr Paulo é um privilégio.

    • Dr.Paulo Pimentel ,um homem exemplar perseguido impiedosamente se reconstruiu com trabalho ,honestidade,competência,talento e muita dedicação!Um orgulho para suas filhas e netos !Os dois netos na vida tem um exemplo de excelência de uma vida profícua para se guiarem !Sou fã do Dr.Paulo Pimentel !

  • Paraná! Aqui se trabalha! Parabéns Dr. Paulo Cruz Pimentel!

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *