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25/04/2024



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Saudades das minhas cinco fazendas

 Saudades das minhas cinco fazendas

A mística que cerca a figura do fazendeiro é muito forte, especialmente nas Américas. O cinema norte-americano ajudou a propagá-la, mostrando, em geral, homens bem-sucedidos, em belas cavalgadas ou a bordo de camionetes potentes. Poucas vezes a estrela foi uma fazendeira, já que as mulheres, quase sempre, estavam destinadas a compor a família de propaganda de margarina do marido poderoso.

No Brasil não é diferente. Nossos fazendeiros têm origem em uma tradição que remonta às capitanias hereditárias e as sesmarias. Já não ficam isolados em suas propriedades, frequentando a cidadezinha próxima para ir ao banco, comprar mantimentos e divertir-se nos bares. Hoje eles possuem curso superior, estão conectados em tempo integral e suas máquinas agrícolas são dotadas da mais avançada tecnologia.

É uma vocação que não me seduz, embora diversas vezes a hipotética profissão de fazendeiro tenha, digamos assim, costeado minha cerca. Meu bisavô Salvador Cubas era grande fazendeiro em Campo Alegre, na serra catarinense. O quinhão que caberia a meu pai não chegou a ele, levado por interesses alheios em um conturbado processo de herança. Assim, perdi a primeira fazenda.

Ao encerrar um longo namoro com uma jovem da aristocracia pernambucana, deixei para trás a eventual herança de um pedaço de terra naquela região. Foi-se a segunda. Tempos depois, concretizei casamento com a neta de um dos grandes fazendeiros do nordeste mineiro. À época, meu sogro já havia dilapidado sua parcela da herança recebida. Pela terceira vez deixei de me tornar proprietário rural.

Porém, a vida reserva surpresas e, desfeito o matrimônio anterior, eis-me a casar com uma gaúcha da região das Missões, neta de, bem, o leitor pode imaginar qual a profissão do velho patriarca. Distribuídos os bens havidos na venda da fazenda, os novos sogros adquiriram a casa em que passaram a viver, com o que me obrigaram a abdicar da futura vida de estancieiro.

Entre todas essas decepções, comprei um alqueire de terra em Campina Grande do Sul. Ali já me via de chapéu de vaqueiro, mastigando uma raiz qualquer, a espreitar o horizonte do alto de uma colina que o terreno não tinha, perscrutando os humores do clima, gritando ordens para que recolhessem o gado. As atribulações financeiras de uma vida errática obrigaram-me a passar nos cobres aquele rincão, antes que as rezes fossem adquiridas e que os credores tomassem posse da propriedade.

A vida urbana tem muitos encantos – de forma especial para quem não possui habilidades para laçar bois, arar a terra e conviver com as manhas da natureza selvagem. Não chego a ser um Ruy Castro, que só viu uma vaca de perto após os 40 anos de idade.

Estou ciente da minha permanente saga cosmopolita, resultado dos desígnios do destino implacável. O mais próximo que estarei do campo, não tenho mais dúvidas, é de Campo Comprido, bairro vizinho que posso vislumbrar da janela do meu apartamento – embora aquela vizinhança já tenha deixado de ser campestre. Mas não deixa de ser um consolo.

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