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27/04/2024



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A trilogia de Renato Quege

 A trilogia de Renato Quege

Conheci Renato Quege no ano de 1980, numa situação bem desagradável: éramos calouros no trote de Economia da Universidade Federal, no pátio da Reitoria. Eu cheguei primeiro e fiquei olhando para aquele monte de ignorantes que seriam meus colegas de estudo nos próximos anos. De repente, chega um cara com um cabelão enorme, meio Black Power, e uma postura altiva. Pensei: enfim uma pessoa que vou poder trocar umas ideias. Os sádicos que conduziam o trote deliraram com a presença do esquisitão e passaram uma máquina zero bem no meio do seu couro cabeludo.

Quando começaram as aulas, todos os alunos tinham raspado a cabeça e não consegui reconhecer o cara com pinta de roqueiro. Depois de alguns meses, só fiquei amigo de uma alma, em meio a todos: justamente o carinha que me chamou a atenção no trote. Seu nome era Renato Quege, morador de Pinhais, músico e compositor. Como eu já arriscava uns versinhos, desde que morava em Brasília, começamos a fazer umas músicas e frequentar a Cantina da Reitoria, onde se reunia o pessoal de Humanas, bem mais interessante para nossas pretensões artísticas. Este foi o começo de uma longa amizade que resultou em produtos como a Contrabanda e o Beijo AA Força, histórias já contadas na coluna Frente Fria.

Por falar nisso, o Renato Quege foi o primeiro convidado pelo jornalista Maurício Marques a escrever neste HOJE PR. Ele declinou o convite e me indicou para substituí-lo. E aqui estou desde primeiro de abril de 2022.

Voltando à Universidade Federal, acabei concluindo o curso de Economia, mas o Renato não resistiu nem ao primeiro semestre e resolveu se dedicar inteiramente à música. Anos mais tarde, fez o curso de Letras, na mesma Federal, dando uma guinada na sua vida. Gostou tanto de Joyce, que passou uma boa temporada na Irlanda, e acredito que aí começou a pensar em percorrer uma carreira literária.

Em 2019, surpreendi-me ao saber que Renato Quege tinha escrito um livro chamado Reynaldo, às próprias custas, na Editora Viseu, de Londrina. Avisei Rodrigo Barros, que estava produzindo o lançamento do livro Amplo Espectro, de Roberto Prado, na Biblioteca Pública do Paraná, para convidarmos o Renato para lançar seu livro no mesmo dia. E assim foi feito, ainda com um show da Orquestra Sem Fim de lambuja.

Mas a maior surpresa veio com a leitura de Reynaldo. Tratava-se de um romance muito bem amarrado, de leitura fluida e prazerosa, que se passava em várias partes do mundo, como Dublin e Bangock, cidades em que Renato morou por um tempo, além de Curitiba e Pinhais, chamado de Bairro Simbolista. Perguntei ao autor o porquê do Bairro Simbolista e ele respondeu:

“O nosso “Príncipe dos Poetas do Paraná” nasceu em um sítio na zona rural de Curitiba que acabou se tornando um bairro de Pinhais chamado justamente “Emiliano Perneta”. Na ficção, chamei o local onde Reynaldo construiu sua cabana de Bairro Simbolista para homenagear, ao mesmo tempo, Ivan Justen Santana que revalidou o prestígio de Emiliano Perneta, que por sua vez estimulou a leitura de Baudelaire na velha Curitiba do final do século XIX.”

Outra particularidade interessante do livro é que vários personagens lembravam conhecidos da nossa turma, obviamente com outros nomes. E tornou-se uma diversão descobrir quem era quem na história. Logo me descobri no personagem Iago, um dos mais bem sucedidos da trilogia. Obrigado, Renato!

Alguns também aparecem com o nome verdadeiro, como William Teca, poeta e Mestre em Estudos Literários pela UFPR, que assim escreveu sobre Reynaldo:

“Nem roman à clef, nem roman noir, nem bildungsroman e nem romance de viagem: Reynaldo é tudo isso e mais um pouco: uma transitividade incisiva em prosa e poesia e canções rápidas pelos meandros revolucionários da linguagem: multissemiótico, multilingual e multicultural. E, de chofre, com o toque cínico de Machadão, ao mesmo tempo em que se refestela na musicalidade pulsante que só uma boa prosa pode ter, sem nunca perder o fio da meada.

A começar pelo Intróito, uma espécie de captatio benevolentiae, que já diz a que veio, nos provoca e nos coloca como leitores no nosso devido lugar: cúmplices, mas de uma cumplicidade em que a única condenação é a cumplicidade com a Literatura (e não com as listas dos escritores que se supõem a si), e é isso que Reynaldo é: LITERATURA, meus caros (num grito grifado com todas as letras maiúsculas).

Mais do que ler Reynaldo, ao longo do texto aprendemos a ouvir Reynaldo (o que de certa maneira é natural, afinal, Renato Quege – vulgarmente conhecido como o autor – possui a musicalidade intrínseca do punk bem executado).

Reynaldo é o livro para se ler, para se ouvir e para se tocar.”

Depois do sucesso inicial, Quege resolveu aprofundar alguns personagens e escreveu mais dois livros: Amadeo e Las Castas, lançado no final do ano passado.
Boa parte da ação se passa no Paraguai e perguntei pro Renato: Um dos pontos fortes do livro são as descrições de lugares que você viveu, mesmo que por pouco tempo. Que eu saiba, Assunção não esteve entre suas moradias. Como foi o processo paraguaio?
Renato Quege: De fato, só pisei em solo paraguaio por alguns minutos após cruzar a Ponte da Amizade numa das vezes que estive em Foz do Iguaçu. Todas as referências assuncenas vieram de pesquisas e tudo ali é reproduzido com realismo: ruas, praças, bairros, bares e restaurantes etc.
A ida de Reynaldo ao Paraguai serviu de pretexto para forjar um episódio em portuñoglish (Cidade del East, pág. 118). Las Castas e Amadeo também têm seus momentos em Assunção.

Quem quiser se deliciar com estes três livros, que se leem de uma sentada, pode comprá-los através deste link.

Por último queria testemunhar que é uma sensação estranha ser o personagem de um livro, com outra vida a percorrer. Faz a gente pensar, seria melhor pra mim ser Iago ou continuar Viralobos? Não tenho a menor dúvida sobre esta escolha.

1 Comment

  • Obrigado, Sérgio!
    Obrigado, HOJEPR!

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