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18/05/2024

OPINIÃO

Votos dos ministros do STF devem ser públicos em respeito à democracia e ao equilíbrio dos poderes

stf

Recente afirmação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aventou a possibilidade de que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não fossem divulgados, sob a justificativa de evitar animosidades.

 

A sugestão, prontamente rechaçada por juristas e por integrantes do Legislativo, representaria imenso retrocesso ao Estado Democrático de Direito.

 

Primeiramente, é fundamental lembrar que a publicidade é um dos princípios da administração pública a serem obedecidos por todos os Poderes, conforme define o artigo 37 da Constituição Federal.

 

Atualmente, só correm em segredo de justiça casos excepcionais, como os que envolvem menores de idade, por exemplo. E, em relação aos votos dos magistrados, esses são, em geral, públicos e devem ser fundamentados de acordo com o ordenamento jurídico em vigor.

 

O descontentamento e as reações que eventualmente causam são ônus do papel de juízes e de ocupantes de cargos públicos afetados, mas não devem ser suficientes para se diminuir a transparência ou — pior — se optar declaradamente pela opacidade.

 

Críticas e análises fazem parte das regras democráticas e conduzem a uma segurança de que as decisões judiciais proferidas tiveram a devida e necessária fundamentação.

 

Ameaças, ofensas e outros atos violentos em reação a decisões judiciais devem ser punidos no rigor da lei, já existente para esses tipos de situação. Não se aceita nenhuma diminuição as prerrogativas próprias dos magistrados, havendo formas e meios para a sua proteção.

 

A irrefletida fala do presidente — uma reação a críticas feitas por aliados por decisões de um Ministro por ele nomeado — revela-se, portanto, como uma solução casuística desprovida de fundamentação constitucional republicana.

 

Nos últimos anos, o protagonismo da nossa Suprema Corte (STF) tem estado cada vez mais em foco e se tornou assunto de debate da sociedade em geral. Isso não é bom, pois muitas decisões mudam a própria vida das pessoas e os temas ali julgados devem ser amplamente conhecidos pela sociedade.

 

Não somente os operadores do direito, mas todos os cidadãos sentem-se “convidados” a comentar o posicionamento dessa ou daquela decisão judicial, muitas vezes sem a compreensão da sistemática processual incidente.

 

É razoável portanto que os agentes dos outros poderes e os brasileiros acompanhem e, em certa medida, as decisões da corte, que é suprema, mas tem as suas competências limitadas as funções previstas na constituição federal.

 

Uma sociedade evoluída tem compreensão sobre o papel de cada um dos poderes na sociedade, sendo desejável que busque elevar seu grau de atenção sobre a atuação de todos eles.

 

No caso, como versa o artigo 2º da Constituição, os poderes devem ser “independentes e harmônicos entre si”. Somente assim teremos uma sociedade equilibrada.

 

Para que exista harmonia, é fundamental haver transparência. E a independência não consiste em ocultar os posicionamentos dos agentes dos demais poderes, mas em ter segurança para agir independentemente de eventuais pressões que estes venham a fazer, julgando de acordo com a ordem democrática e constitucional.

 

Diante da possibilidade esdrúxula trazida pelo chefe do Executivo, o ex-ministro do STF Celso de Mello destacou os riscos que tal mudança traria: “Os estatutos do poder numa República fundada em bases democráticas não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo, que tem na transparência a condição de legitimidade dos próprios atos, sempre coincide com tempos sombrios e com o declínio das liberdades fundamentais”.

 

No mesmo sentido, Ricardo Lewandowski, que recentemente se aposentou como ministro do STF, afirmou que seria um grande retrocesso fazer uma mudança nesse aspecto e ressaltou a importância da publicidade. “É um princípio constitucional. É uma cláusula pétrea. Não há nenhuma possibilidade de reversão nesse sentido. Isso afeta a administração pública em geral, mas afeta também particularmente o Poder Judiciário. Todas as decisões e todas as seções em qualquer nível judicial são necessariamente públicas por força de um dispositivo constitucional, desse princípio da publicidade”, declarou.

 

Em momentos de pressão e dissensão social e política, a transparência deve ser ainda mais prezada e servir ao interesse público. Qualquer movimentação no sentido de omitir informações à sociedade deve ser rechaçada. Não se pode reprimir o vício da intolerância com falta de informação e com menos publicidade.

 

Na vida pública, como ensinou o juiz norte-americano Louis Brandeis, a luz do sol continua a ser o melhor desinfetante.


José Augusto Araújo de Noronha, advogado e presidente do Conselho de Colégios e Ordens de Advogados do Mercosul (Coadem). Foi presidente da OAB Paraná 2016/2018.

3 Comentários

  • Parabéns, Dr. José Augusto Noronha, o seu artigo, na realidade, é o pensamento não somente dos operadores do direito que prezam pela Magna Carta, mas, também, dos cidadãos e cidadãs que sonham com um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

  • Deveria ser proibido os ministros darem entrevistas e debater assuntos que serão julgados por eles próprios. Ministro só devem falar nos autos do processo, estes sim, pode e deve ser divulgados para toda população.

  • Consorciado plenamente com a publicidade.

    Mesmo porque é norma constitucional.

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