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13/05/2024

Onde me doem os ossos

curitiba

Eu vento, tu frias, ela chuva; nós tossimos, vós fungais, eles batem os queixos, Curitiba que me dói nos ossos. Viver o inverno curitibano exige adicional de insalubridade, par de ceroulas, meias de lã, casacos de grossa espessura. Seria divertida, não fosse letal.

 

Doem-me os ossos no Barigui, sempre que a temperatura cai, 365 dias ao ano. Doem-me nas cavas do Iguaçu, embora ali jamais tenha pisado. Uma dor assim que se espalha, irradia pelo Belém, chega as partes baixas do Ivo – sempre sujas.

 

Doem, ai como doem nas articulações. Na entrada de lua minguante, estalam. Tenham dó, posto que latejam os paulo de tarso e seus metatarsos, tíbias, fêmures e perônios. Enfim os rádios, embora nenhum como a antiga Rádio Clube, a doer pela ausência das peças de teatro, dos programas de auditório, das músicas de Belarmino e Gabriela.

 

Cidade de tímidos, a atravessarem a rua para não cumprimentar o conhecido que de lá vem. Da aspereza germânica que nos faz economizar elogios, como se rudeza e franqueza fossem sinônimo, as críticas sempre a cortar rente.

 

O recato, sou fã do recato curitibano. Longe de nós o exibicionismo, o desfrute, as maneiras arreganhadas. Apreciamos abordagens em modos civilizados, que nos permitem levar os neófitos aos bem guardados segredos da extinta civilização curitibana da era paleolítica. Aqui a Confeitaria Schaffer, ali a Livraria Ghignone, além o Grande Hotel Moderno, que hospedou Santos Dumont.

 

Gosto de cada gente que aqui se instalou, umas pelo exposto, outras pelo que não expõem. E todas pela coragem de fazer desta cidade de céu cinzento em um lugar possível de bem viver, embora ainda não tenham aprendido a dirigir automóveis – barbeiros os há aos milhares, a solfejar suas buzinas em canto e contracanto.

 

Cultuo nossos patrimônios vernaculares, que às dezenas preservamos. Ynhapa, algum forasteiro conhece, exceto os guaranis que o cunharam e os curitibanos dele se adonaram? E búrico, penal, piá, vina? Também nossas corruptelas são deliciosas como a torta Marta Rocha da Confeitaria das Famílias. Croca, por exemplo, uma das joias dos nossos falares, a substituir a bem comportada “cócoras”. Súbitas cólicas podem obrigar um pobre cristão a se agachar na constrangedora postura, enquanto trata de aliviar seus sublevados intestinos.

 

Por tudo que Curitiba não é, a ela não renuncio. Nela verso e tergiverso. Aqui bebo, ali bido. Gosto desta cidade que olho assim, assado, torto desde sempre. Sou canhoto, ela destra. Sou esquerdo, ela direita, Curitiba que do avesso te vejo – como se estivesse no Tejo.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

3 Comments

  • Parabéns! Adorei! Excelente mesmo!

  • Texto maravilhoso

  • Que beleza! Uma alegre, engraçada e definitiva declaração de amor. Pois eu ousaria, detrás do meu anonimato que curitibanamente espero preservar, declarar meus versos que seria assim: Curitiba, cidade que não escolhi. Mas que acabei achando que os seus quintais – Parque São Lourenço, Parque Barigui, Parque Tingui, Parque Tanguá – são os meus quintais.

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