Meus Leitores já estão acostumados aos textos que evocam experiências de vida, lembranças e histórias.
Hoje vou lembrar do Futebol de Rua de antigamente, o esporte inventado em tempos imemoráveis e que fez parte da infância de muitos de nós e até de jogadores de futebol famosos. Nas ruas dos bairros, crianças e jovens se reuniam para jogar partidas improvisadas, criando um ambiente mágico e cheio de inocência.
Com variações que dependiam do lugar onde era praticado, o aspecto mais marcante era a espontaneidade e a criatividade, e nem mesmo os campos eram delimitados. Árvores serviam como traves, calçadas limitavam o campo e o espaço reduzido exigia raciocínio rápido e criatividade.
Em áreas que na maioria das vezes não havia outro lazer, o futebol de rua era uma atividade social. As crianças se reuniam para jogar, compartilhar risadas e competir. Jogar naquelas condições ajudava a desenvolver habilidades técnicas e isso é relatado por jogadores profissionais que se tornaram famosos; nos “campinhos improvisados” eles tabelavam com paredes e pedras e driblavam em espaços apertados, ignorando obstáculos como buracos e lixo. Cada partida era uma oportunidade de sonhar. As crianças imaginavam que um dia jogariam em grandes times e torneios, e jogadores famosos, como o inglês Wayne Rooney e o nosso Ronaldinho Gaúcho, atribuíram sua formação ao futebol de rua. Rooney disse que praticamente tudo o que sabia foi aprendido ali.
A principal característica desse tipo de futebol era exatamente a ausência de regras escritas. Depois começaram a aparecer coletâneas das chamadas “Regras do Futebol de Rua” (o que é uma contradição em termos…) e procurei juntá-las para que você, que praticou esse esporte, lembre, senão de todas, de algumas:
- Escolher os times era importante, mas ser escolhido por último era uma grande humilhação.
- Os dois melhores não podiam estar no mesmo time. Logo, eles tiravam par-ímpar e escolhiam em qual queriam jogar.
- Se os mais velhos chegavam para jogar, não havia remédio, era sair para que eles jogassem.
- Os piores de cada lado ficavam na zaga.
- O dono da bola jogava sempre no time do melhor jogador.
- A escolha do goleiro gerava conflitos; normalmente a escolha recaia sobre o pior jogador ou o gordinho da turma. Também acontecia de ser feito um rodízio: cada um agarrava até sofrer um gol. Quando tinha um pênalti, saía o goleiro ruim e entrava um bom só para tentar pegar a cobrança. O goleiro não usava luvas, no máximo colocava um chinelo na mão.
- Em alguns lugares acontecia de o jogo ser “rua de baixo contra rua de cima”, valendo uma garrafa de Tubaína (em Curitiba, “Gasosa”). Acontecia de em alguns casos os jogadores do bairro vizinho serem inimigos eternos.
- O gol não tinha altura. Como não havia travessão, o céu era o limite. Se a bola passasse entre as marcas do gol, fossem sapatos, pedras ou pedaços de madeira, o gol era válido.
- Um time jogava sem camisa e o outro com camisa.
- O time sem camisa saia com a bola, porque quem tinha que jogar sem camisa estava em clara desvantagem, não?
- Não existia esse negócio de Adidas, Nike, etc. Era Kichute no máximo ou jogava-se descalço.
- Não tinha juiz.
- As faltas eram marcadas no grito. Se você fosse atingido, gritava como se tivesse quebrado uma perna até conseguir a falta. Os adversários só aceitavam se fossem muito claras ou se o atingido chorasse. E se o jogador simulasse? Não interessava, o time que se sentia prejudicado podia usar a mesma arma (mas todos sabiam que o bom peladeiro não admitia o cai-cai).
- Lances polêmicos eram resolvidos no grito ou, se fosse o caso, na pancada.
- Como não tinha juiz, ficava difícil determinar de quem era a bola em jogadas mais disputadas. Por isso alguns definiam que a bola prensada era da defesa.
- Se você estava no lance e a bola saía pela lateral, gritava “é nossa” e pegava a bola o mais rápido possível para fazer a cobrança; essa regra também se aplicava ao escanteio.
- Se a bola saísse pela linha de fundo não precisava ser recolocada em campo pelo goleiro. Nada era mais legal do que sair jogando com os pés e marcar um gol no contra-ataque.
- Lesões como arrancar a tampa do dedão do pé, ralar o joelho, sangrar o nariz e outras, eram normais. Para isso, existia o Merthiolate (que ardia igual inferno).
- Quem chutava a bola para longe tinha que ir buscar.
- A partida acabava quando todos estavam cansados, quando anoitecia, quando a mãe do dono da bola mandava ele ir para casa ou quando a vizinha chata prendia ou cortava a bola que caía na casa dela.
- Mesmo que estivesse 15X0, a partida acabava com o famoso “quem fizer o próximo, ganha”.
- Quando havia mais de 2 times, adotava-se o “5 vira, 10 acaba” para que todos pudessem jogar.
- Partida combinada não era cancelada; mesmo que chovesse forte havia futebol.
Durante a pelada alguém podia gritar o famoso “paroooou” quando vinha passando um carro, uma mulher grávida ou com criança. - Quando a partida era jogada em terreno muito pequeno e usava-se o “golzinho”, o goleiro não podia usar as mãos.
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3 Comentários
Uma das poucas coisas q mudaram é de q sinto saudade é q nos, crianças, brincávamos livremente nas calçadas, nos espaços vazios
Gersinho, e quando a bola caia na casa de algum vizinho ?
O nosso time tinha um especialista em escalar muros e fugir dos cachorros para recuperar a bola.
Saudade do século passado.
Sensacional!
Era bem assim.
Meu irmão mais velho era craque.
Não foi adiante pois precisava trabalhar e na epoca, jogador não era profissão.