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03/05/2024



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‘Faça a Coisa Certa’ e assista Spike Lee

 ‘Faça a Coisa Certa’ e assista Spike Lee

Tava na minha cara. Como eu não tinha dedicado uma coluna para o Spike Lee ainda? O cara é um dos meus diretores favoritos e só fui perceber o absurdo que é deixar ele de fora quando resolvi re-assistir Faça a Coisa Certa (1989, disponível na Amazon Prime Video) esses dias. Samuel L. Jackson na voz, Public Enemy no rádio e o próprio Spike na tela. Com aquele frescor de filme de começo de carreira de diretor, técnica perfeita e uma pegada experimental, o longa faz um comentário inteligente sobre racismo nos Estados Unidos, e claro, tem pizza. Viciante. Estou na minha maratona Spike Lee desde então.

 

 

Faça a Coisa Certa começa assim: nas ruas de Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, no final dos anos 80 e durante uma onda de calor, o clima vai esquentando entre os grupos étnicos no bairro. Na vizinhança pobre, formada na maior parte por afro-americanos e latinos, o descendente de italianos Sal Fragione (Danny Aiello), comanda uma pizzaria e conta com a ajuda de seus filhos e de Mookie (Spike Lee), um jovem negro que faz as entregas. Sal pendura fotos de celebridades ítalo-americanas no restaurante, e quando é questionado pelo ativista Buggin’ Out (Giancarlo Esposito) sobre o porquê nenhuma figura negra estar na “Parede da Fama”, o dono da pizzaria se irrita e o acontecimento desperta cada vez mais ódio dos moradores do bairro.

 

O negócio todo vira uma bola de neve. Você assiste e começa a pensar sobre como as questões sobre cultura e raça são complexas. Então foi uma ótima saída do diretor escolher uma premissa tão simples quanto uma discussão na pizzaria do bairro para ilustrar um problema tão complicado. Dá vontade de pedir uma meia marguerita e meia quatro queijos e ir ler Malcolm X. Te faz pensar. É nos detalhes que Lee faz sua análise: os Estados Unidos não existem. O que existe são os Estados Unidos negro, o Estados Unidos italiano, os Estados Unidos coreano, os Estados Unidos latino e por aí vai. É um país feito de pessoas que gritam uma para as outras “volte para o seu país” sem saber o porquê.

 

Uma das melhores cenas do filme é, inclusive, quando vários personagens de diferentes etnias olham para a câmera e deixam escapar vários estereótipos em um ritmo frenético de xingamentos. E tudo acompanhado pela narração sarcástica de Mister Señor Love Daddy (Samuel L. Jackson), o DJ da rádio local, e um movimento de câmera de zoom in que deixa tudo tragi-cômico. É assim que o conflito vai se formando no segundo plano e se enfiando nas pequenas interações da vida cotidiana, como quando o amigo de Mookie, Radio Raheem (Bill Nunn), vai até a mercearia da família coreana e se irrita com o sotaque dos imigrantes. É um ressentimento generalizado. Bom lembrar que Radio Raheem é protagonista do famoso monólogo sobre amor e ódio, inspirado no filme noir O Mensageiro do Diabo (1955), em que o diretor coloca o espectador para pensar sobre o que significa, na real, fazer a coisa certa.

 

 

Mas é nas sequências finais do filme que Spike Lee mostra que sabe muito bem o que está fazendo. E sem querer parecer clichê, mas Faça a Coisa Certa continua muito atual (já vou avisando, meu caro leitor, evite continuar lendo caso não queira tomar um spoiler). Quando Radio Raheem é assassinado por policiais após um conflito mal resolvido na pizzaria, é impossível não pensar no caso de George Floyd, em 2020. E a reação de Mookie, que passou o filme inteiro no “modo economia de energia”, causa tanta polêmica hoje como quando o filme foi lançado. E é incrível ver a eterna disputa entre as opiniões de Martin Luther King e Malcolm X sobre violência na mão de Spike Lee. Como já dizia Chorão: verdadeiro, complicado, mal humorado e violento.

 

Leia outras colunas da Isa Honório aqui.

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