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27/04/2024



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Mulheres curitibanas

 Mulheres curitibanas

Foi numa tarde qualquer, há 45 anos, quando casualmente nos sentamos lado a lado em uma aula de tricô, dessas que tinham nos fundos de lojas de armarinhos, gratuitas para quem comprasse os novelos.

 

Diria que foi amor à primeira vista.

 

E entre agulhas, novelos e laçadas começamos a tecer nossa amizade.

 

Uma história construída com muitas risadas, cumplicidade, confidências, choros, ousadias (foram muitas), aventuras não publicáveis (dezenas).

 

Ana Zelinda sempre foi inteligente, perspicaz, com pensamentos e respostas rápidas que faziam todos em volta cair na gargalhada. Humor inteligente. Eu já era mais tonga monga.

 

Desde o primeiro momento tive a certeza de que nada poderia segurar aquela menina. Uma força da natureza.

 

E num piscar de olhos, Ana Zelinda já era uma repórter da Rede Paranaense de Televisão (Rede Globo). Seu núcleo era o do Marcos Batista.

 

Aparecia na TV no jornal das 19h. Muito chique!

 

Ao mesmo tempo cursava Direito pela manhã, à tarde trabalhava na televisão e cursava Jornalismo. À noite voltava para os estúdios fazer os plantões.

 

A sobrecarga a obrigou a uma escolha. E não teve dúvidas: decidiu largar a Faculdade de Direito.

 

O pai libanês linha duríssima resolveu intervir. Como que a filha iria largar a Faculdade de Direito? A esposa era diretora do Colégio D Pedro II. A filha sempre foi brilhante!

 

Ana não voltou atrás. Então o pai sem erguer a voz mas com toda a perspicácia, determinou que a partir daquela data a filha teria que se sustentar com o próprio salário de estagiária do Núcleo da Reportagem.

 

Rapidamente recolheu as chaves do Fiat 147 e calculou o valor que a filha deveria contribuir mensalmente na divisão das despesas da casa.

 

Quase sem dinheiro, emprestou trocados da irmã para ir trabalhar durante 15 dias.

 

Chegou a buscar um outro emprego no jornal “Tribuna” mas ao falar com o chefe encarregado, foi informada que o pai já se antecipara pedindo ” gentilmente” para não contratar a filha. O pai era conhecido e respeitado.

 

Contrariada, acabou cedendo à vontade do pai.

 

Voltou para a Faculdade de Direito e pediu demissão da Televisão.

 

Mas não largou o Jornalismo. Concluiu os dois cursos. E de pirraça, não fez o Exame da Ordem como era o desejo do pai.

 

Decidiu então abrir uma loja com a amiga Viviane.. Ficava na Rua Brigadeiro Franco: “Bric Brac”.

 

Pouca grana entrando, muitas aspirações.

 

Eis que uma outra amiga liga e a intima a se inscrever num concurso da Polícia Federal para o cargo de CENSORA.

 

E quando Ana veio a saber que o salário seria de 3 milhões, o que era uma beleza, não teve mais dúvidas.

 

Porém ficou ainda mais enlouquecida quando no dia seguinte, o Presidente Figueiredo baixou um decreto e aumentou o salário dos censores para 14 milhões.

 

Sangue de libanesa tem poder!

 

Desse momento em diante e durante 60 dias e 60 noites, interrompidas por curtos períodos de sono, Ana devorou as apostilas. Engoliu palavra por palavra.

 

E conseguiu passar se tornando Censora da Polícia Federal.

 

Mas nessa década de 80 já não havia mais aquela antiga censura da imprensa, de letra das músicas, etc… que ocorreram durante a época da repressão militar.

 

Restava somente a censura dos espetáculos públicos.

 

Ana Zelinda Buffara mudou-se para Brasília, fez a Academia da PF aprendeu a segurar revólver, mirar, atirar. Morou no Rio de Janeiro por vários anos.

 

Até que após 10 anos, a Censura foi definitivamente extinta.

 

Ana e os demais censores foram então remanejados dentro de cargos da própria Polícia Federal, conforme suas qualificações e competências.

 

E Ana Zelinda se tornou Delegada da Polícia Federal. Familiares e amigos vibravam com suas conquistas.

 

Ficava orgulhosa quando falava que tinha uma amiga que era Delegada da Polícia Federal.

 

Nunca precisei mas achava que se fosse necessário, ela interviria a meu favor se entrasse numa “fria federal”.

 

Após 20 anos como delegada federal, se aposentou.

 

Pelos caminhos diferentes que a vida se apresentou, nossa amizade foi tecida muito à distância, com suas carreiras de pontos direitos e avessos.

 

Desconfio que os pontos avessos desse tricô, que foram o lado mais aventureiro, ousado e censurável que compartilhamos, formaram o lado mais bonito dessa peça artesanal que tecemos juntas e tenho hoje como uma obra de arte.

 

Leia outras colunas da Karin Romanó aqui.

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