Nos corredores do Vaticano, há um ditado que é lembrado em época de sucessão no comando da Igreja Católica: “quem entra no conclave como papa sai como cardeal”. Isto porque, no complexo tabuleiro político do sistema colegiado que escolhe um novo sumo pontífice, é comum que favoritos não sejam os escolhidos.
Aconteceu com o papa Francisco, que morreu nesta segunda-feira (21). Dias antes do conclave, em 2013, pouquíssimos apostavam no argentino Jorge Bergoglio. Na recém-lançada autobiografia Esperança, o próprio papa pontuou que os “candidatos fortes” naquele ano eram o brasileiro Odilo Scherer, o italiano Angelo Scola, o americano Sean O’Malley e o canadense Marc Ouellet.
Na história recente da Igreja, o polonês Karol Wojtyla também era visto como azarão — e tornou-se o João Paulo 2.º de longo e marcante pontificado (1978-2005). O alemão Joseph Ratzinger, por sua vez, quando foi eleito papa Bento 16, era tido como o sucessor natural, “preparado” por João Paulo 2.º, nome forte de seu papado.
Especialistas ouvidos pelo Estadão acreditam que Francisco não preparou um herdeiro. Mas, sim, definiu o perfil de um potencial herdeiro. “Ele não construiu um sucessor natural. Nas conversas com as pessoas, ninguém sabe quem é o nome que, caso Francisco pudesse votar, ele votaria. Ninguém sabe porque não tem mesmo”, avalia o vaticanista Filipe Domingues, professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, e diretor do Lay Centre, também de Roma.
Isso acontece, em parte, porque Francisco tornou o colégio cardinalício, tradicionalmente eurocêntrico, uma instituição global, com representantes de todas as chamadas periferias do planeta. “Muitos cardeais nem se conhecem. E não têm suas opiniões conhecidas também”, diz Domingues.
Ao longo de seu pontificado Francisco realizou dez consistórios — quando novos cardeais são nomeados. É um recorde, superando os nove de João Paulo 2.
O peso político impresso por Francisco é evidente, já que, desse total, 149 cardeais foram indicados por ele. O Colégio Cardinalício é composto por 252 membros, dos quais 135 eleitores e 117 não eleitores.
Hoje, 108 dos futuros eleitores no conclave foram escolhidos pelo papa Francisco, 22 por Bento XVI e apenas 5 por João Paulo II. No Conclave que elege o próximo pontífice nem todos os cardeais participam, somente os eleitores (aqueles com menos de 80 anos), incluindo sete brasileiros.
“Não arrisco nomes (para o sucessor), mas posso falar de um perfil”, diz o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, ex-coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e editor do jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo.
“Terá de ser um progressista moderado, capaz de consolidar as iniciativas de Francisco, mas sem levar a uma ruptura com os atuais descontentes, se tornará forte oposição ao hiperindividualismo nacionalista, que tem em (Donald) Trump (presidente dos Estados Unidos) sua figura mais destacada, e defensor da solidariedade internacional”, diz.
Para Ribeiro Neto, “o próprio choque entre a doutrina católica e a conjuntura internacional o levará a ocupar essa posição”.
Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes também faz a leitura conjuntural. Em tempos de ascensão da extrema-direita, euroceticismo e enfraquecimento do continente europeu diante de governos como o de Trump e do russo Vladimir Putin, ele vê como altas as chances de que um cardeal do Velho Continente volte a comandar a Igreja.
“Se formos levar em conta a política internacional do momento, com certo desprestígio da Europa, talvez a Igreja pense que a sucessão seja o momento de voltar a ter um papa europeu, para que o continente se fortaleça”, comenta. “Para se posicionar no xadrez internacional.”
Arcebispo de São Paulo, o cardeal d. Odilo Scherer disse que, independentemente de ser conservador ou progressista, o novo pontífice vai seguir os valores da Igreja Católica. “Um papa não é igual ao outro. Ninguém espera que seja um novo Francisco, nem que chame Francisco II”, disse ele, que vai participar da eleição do novo chefe do Vaticano, em coletiva de imprensa nesta segunda.
A seguir, os principais nomes comentados entre cardeais, jornalistas que acompanham o Vaticano, observadores e lideranças ligadas à Igreja.
Quem são os cardeais cotados para suceder papa Francisco
Cristóbal López Romero, 72 anos: Espanhol naturalizado paraguaio, atualmente é arcebispo no Marrocos. Tem uma trajetória marcada pelo diálogo interreligioso.

Luis Antonio Tagle, 67 anos: cardeal feito ainda por Bento 16, o filipino é o pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização. “Pelo seu jeito pastoral, é uma cópia asiática de Francisco”, avalia o professor Moraes.
Jean-Claude Hollerich, 66 anos: primeiro luxemburguês a se tornar cardeal, é membro do Conselho dos Cardeais (o chamado C9). Foi presidente da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (Comece) durante vários anos e atualmente é vice-presidente do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE). “Tem força política europeia, que pode ser importante na atual conjuntura”, diz Moraes.

Jean Marc Aveline, 66 anos: O cardeal francês figura no grupo de azarões que podem acabar crescendo durante as votações do conclave.
José Tolentino de Mendonça, 59 anos: Prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação o português nascido na Ilha da Madeira é visto como uma das vozes mais importantes do catolicismo contemporâneo.
Juan José Omella, 78 anos: o arcebispo de Barcelona também é outro nome que pode despontar como favorito, conforme apostam alguns jornais italianos. “Europeu, experiente e, sem dúvida, alguém que contribuiria para o fortalecimento da Igreja”, diz Moraes.
Mario Grech, 67 anos: O maltês é o atual secretário-geral do Sínodo dos Bispos — e como o pontificado de Francisco valorizou muito a sinodalidade, o fato de ter sido alçado ao posto era um sinal de muito prestígio. Em seus discursos, demonstrou acolhimento a imigrantes e homossexuais, entre outros grupos.

Matteo Zuppi, 69 anos: Atual presidente da Conferência Episcopal Italiana, o arcebispo de Bolonha se tornou uma estrela ascendente nos últimos anos, com diversos gestos de acolhimento a casais homoafetivos e tendo sido escalado por Francisco para tentar mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Péter Erdő, 72 anos: o húngaro é um nome conservador que sempre aparece entre os papáveis — mas nos últimos anos vem perdendo força.
Pierbattista Pizzaballa, 59 anos: o italiano é o patriarca latino de Jerusalém, com excelente interlocução junto a líderes judeus e um discurso de defesa dos palestinos.
Pietro Parolin, 70 anos: O italiano do Vêneto é o secretário de Estado da Santa Sé — cargo para o qual foi nomeado no primeiro ano do pontificado de Francisco. Por conta disso, esteve sempre próximo do papa argentino e em diversos momentos foi apontado como um sucessor. “É poliglota e acumula inúmeros serviços prestados à Igreja”, afirma o teólogo Moraes.
Portase Rugambwa, 64 anos: O cardeal tanzaniano já foi secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos é um dos símbolos da maneira como Francisco transformou o colégio cardinalício em uma instituição não mais eurocêntrica.
Robert Prevost, 69 anos: Frei agostiniano, o norte-americano tornou-se prefeito do Dicastério para os Bispos em 2023. No mesmo ano, recebeu o barrete vermelho cardinalício. Seu papel cresceu em importância nos últimos anos.

Sérgio da Rocha, 65 anos: na imprensa italiana, o nome do brasileiro é apresentado como o de alguém que corre por fora mas pode acabar sendo eleito. Atual primaz do Brasil, por ser o arcebispo de Salvador, Rocha presidiu a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de 2015 a 2019. Contudo, analistas acham pouco provável que o próximo papa seja latino-americano como Francisco — esta é a opinião do vaticanista Domingues, por exemplo.
Willem Jacobus Eijk, 71 anos: o neerlandês é um dos mais importantes críticos ao papado de Francisco, principalmente por acreditar que a doutrina e a prática católicas precisam seguir, em suas palavras, “regras mais claras”.
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