Neste mês de julho comemoramos os 100 anos do nascimento de César Lattes, talvez o mais importante cientista brasileiro, do campo da Física. Entre as homenagens prestadas a este gênio curitibano, da geração de Dalton Trevisan, estão a inauguração de um baixo-relevo (obra escultórica) realizado pelo artista João Turin, que em 1948 retratou o físico. Até então a obra estava em sua matriz em gesso e agora ganhou dois exemplares fundidos em bronze. Um deles foi inaugurado em evento realizado no aniversário do curitibano César Lattes, no último dia 11/7, no Memorial de Curitiba.
Isto foi possível graças a uma provocação do professor Ildeu Moreira, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que entrou em contato com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), dizendo que seria interessante fazer uma homenagem a Lattes por ocasião de seu centenário de nascimento. Em uma pesquisa, Moreira encontrou uma matéria publicada em 29/12/1948, no jornal O Dia, dizendo que o consagrado cientista Lattes havia posado para João Turin, durante uma passagem pela capital paranaense, sua cidade-natal.
A partir dessa possibilidade, um grupo da UFPR, liderado pelo professor Rodrigo Reis, um dos articuladores do NAPI Paraná Faz Ciência, entrou em contato com a família Ferrari Lago, gestora do acervo artístico de João Turin.
“Em junho de 2023, recebemos o contato do professor Rodrigo Reis nos perguntando se havia, no acervo de obras do escultor João Turin, um baixo-relevo do César Lattes”, relata Samuel Ferrari Lago, gestor do acervo do artista. “O baixo-relevo estava no acervo de originais em gesso e, por isso, não era do conhecimento do público. A partir daí, iniciou-se o processo de fundição em bronze da obra”, explica Lago. Segundo o professor Rodrigo Reis, este baixo-relevo deverá ser instalado no Parque da Ciência Newton Freire Maia em breve para fazer parte do novo planetário que será ali fundado.
Dia 11/7, também se iniciou um simpósio totalmente dedicado ao físico curitibano no Memorial de Curitiba, que contou com diversas atividades e palestras ao longo do dia. A entrada foi gratuita e aberta ao público, em uma realização conjunta do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (DFIS-UFPR), do Programa de Pós-Graduação em Física (PPGF) da UFPR e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR).
“Para nós, a justa homenagem ao centenário do renomado cientista, com uma obra assinada por Turin é motivo de alegria. É também a comprovação de que um acervo artístico consolidado há décadas continua vivo e atual”, completa Lago.
Sobre César Lattes
Cientista da área da Física, Cesare Mansueto Giulio Lattes, mais conhecido como César Lattes, nasceu em Curitiba em 11 de julho de 1924, em casa localizada na Avenida Sete de Setembro, próximo da Rua Marechal Floriano Peixoto. Era filho de Giuseppe Lattes, que veio ao Brasil em 1912 e retornou à Itália com a Primeira Guerra Mundial em 1914 e Carolina Maroni Lattes, ambos imigrantes italianos originários da região do Piemonte – ele, de Turim, e ela, de Alessandria. Os dois se conheceram no período em que o pai de Lattes lutava na guerra e quando retornou ao Brasil Giuseppe criou o Banco Brasul. Apesar de serem judeus sefarditas, o filho foi batizado na Igreja Católica. Após se casarem, Giuseppe e Carolina retornaram ao Brasil em 1921 e César veio a estudar na Escola Americana. Com a Revolução de 1930, a família passou seis meses na Itália. Seu pai era gerente do Banco Francês e Italiano, onde César conheceu o cientista Gleb Wataghin, que mais tarde seria seu mentor. Depois de realizar as primeiras letras em Curitiba, César Lattes foi continuar seus estudos em São Paulo.
Após concluir o curso de física na USP (com nota máxima em todas as matérias), realizou estágio de pesquisa na Universidade de Bristol, Inglaterra, durante o qual foi o grande responsável, em 1946, pela descoberta de uma partícula subatômica chamada méson pi, que permite a interação nuclear e a movimentação de prótons e nêutrons no núcleo das células. Sem o méson pi, nenhuma matéria pode existir. Este experimento ganhou o Nobel de Física em 1950. Porém, quem ficou com o prêmio não foi Lattes, mas o chefe da equipe, o americano Cecil Powell, como era costume na época. A razão para esta aparente negligência é que a política do Comitê do Nobel, até 1960, era conceder o prêmio ao líder do grupo de pesquisa, apenas. Entre 1949 e 1954, Lattes foi indicado sete vezes ao Nobel de Física, sem nunca tê-lo recebido. Preconceito contra cientistas do Terceiro Mundo?
No Brasil, Lattes foi fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq. Em sua homenagem, o CNPq deu seu nome ao sistema utilizado para cadastrar cientistas, pesquisadores e estudantes. Isso porque o nome de Lattes fundamentou a apresentação do Projeto de Lei 164/1948, que propunha a criação do CNPq. A Plataforma Lattes é uma base de dados de currículos e instituições de todas as áreas do conhecimento. O Currículo Lattes registra a vida profissional dos pesquisadores, sendo elemento indispensável à análise de mérito e competência dos pleitos apresentados a quase todas as agências de fomento no Brasil. César Lattes é um dos poucos brasileiros a figurar na Biographical Encyclopedia of Science and Technology, de Isaac Asimov, bem como na Encyclopædia Britannica e no Oxford Companion to the History of Modern Science.
Em 10 de abril de 2024, seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
Mas, afinal, por que estamos falando de um cientista num coluna cultural? Cultura e ciência são duas peças de um quebra-cabeça, que é a sociedade humana. Embora pareçam diferentes, elas estão profundamente interligadas, e essa relação tem um impacto poderoso em nossas vidas. Desde tempos antigos, nossa cultura tem influenciado a ciência. As questões que achamos importantes são guiadas pela nossa cultura. Um exemplo disso é a Grécia Antiga, onde a valorização da filosofia e do pensamento lógico teve um papel enorme no nascimento da lógica e do método científico.
Nossa cultura também molda a forma como vemos a ciência e a pesquisa. A maneira como uma sociedade valoriza o conhecimento, a educação e a inovação está profundamente enraizada em sua cultura. Pense no Renascimento Europeu, quando a cultura renascentista, com seu amor pelo conhecimento e inovação, impulsionou uma revolução científica. A ciência não apenas é moldada pela cultura, mas também a transforma. Descobertas científicas muitas vezes questionam nossas crenças culturais estabelecidas, forçando-nos a repensar o mundo ao nosso redor.
A inovação tecnológica é outra área em que cultura e ciência se cruzam. A tecnologia atende às necessidades e desejos da cultura, mas também molda a cultura. Coisas como smartphones, computadores e mídias sociais não apenas refletem nossa cultura, mas também a transformam, mudando a forma como nos comunicamos, nos relacionamos e experimentamos a vida.
O poeta paulistano Ikaro Maxx puxa a brasa pra nossa sardinha e afirma, sem pestanejar: “Para mim a mais nobre atividade humana é a poética – ela pode não colocar o homem fisicamente na lua (a poesia não deve nada à engenharia de foguetes & à física avançada, mas estas certamente devem à poesia).”
Pois bem, César Lattes foi tema do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de 1947. A música “Ciência e Arte” foi uma parceria de Cartola e Carlos Cachaça e rendeu o vice-campeonato à escola. A canção foi regravada em 1999 por Gilberto Gil no álbum Quanta Live, premiado com o Grammy na categoria World Music.
Ouça aqui:
Prótons e nêutrons formam o núcleo atômico. Mas o que permite que vários prótons, todos com carga positiva e, portanto, repulsivos uns aos outros, se juntem para formar átomos? E por que esses agregados simplesmente não explodem e desmancham numa fração de segundo? Coube ao curitibano César Lattes, descobrir a “cola” que supera a repulsão eletromagnética e, com isso, permite a existência da matéria como a conhecemos. Um verdadeiro poema da Física.
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