Pular para o conteúdo
ERNANI-CABECA-COLUNA

Reduto x Colorido

29/10/2024

É disputado, muito disputado o campeonato da Liga de Santo Amaro. O município tem fama de promover torneios que são atração até nas cidades vizinhas. O duelo maior, ano após ano, fica por conta de dois times da vilazinha que existe junto ao trevo que nos leva de Caldas a Imperatriz.

Alí, à beira do rio, ficam os campos dos rivais – inimigos seria melhor – Colorido F.C. e E.C. Reduto. O primeiro, fazendo jus ao batismo, enverga uniforme vermelho preto e amarelo, combinação tão exótica que no país não existe time de padrão semelhante. Já o Reduto, também tricolor, é mais conservador. Veste o tradicional verde, encarnado e branco, homenagem ao Fluminense.

Pois, certo dia, a liga marcou o grande clássico para o reduto do próprio. Diga-se que seu “estádio” fica do lado de cá do rio, mais baixo que o campo do Colorido, construído do lado de lá, exatamente ao lado, porém em cima do barranco. E se a liga marcou, considere-se marcado, embora tivesse sido mais prudente inverter o mando, já que a região estava sofrendo uma daquelas épocas de chuvas torrenciais.

As torcidas compareceram, porque Reduto x Colorido sempre foi de sair faísca. No Reduto, era capitão o quarto-beque Zé Galego, já bem passado dos trinta, mas ágil o suficiente para marcar o meia Zé Moreno, o craque da camisa 8 e capitão do Colorido.

A chuva não parava. Terminado o primeiro tempo, os dois Zé capitães notaram que o lado do campo junto ao rio não apresentava mais condições. Das quinas dos escanteios às laterais das áreas, tudo estava alagado. Pior ainda, a água subia à razão de um metro a cada dez minutos, conforme Seu Tatu, agrimensor de profissão, vinha medindo.

Depois do intervalo, mais da metade do campo já estava apropriada ao polo aquático. Zé Galego e Zé Moreno concordaram em transferir o segundo tempo para o “estádio” vizinho. Bastaria atravessar o rio e o jogo continuaria do lado de cima, a salvo do alagamento.

A essa altura, Tonho da Nhá Zefa, o árbitro, tomava sua cervejinha no boteco em frente, bem abrigado. Zé Galego botou a bola embaixo do braço e gritou para a torcida que o segundo tempo seria do lado de lá. Zé Moreno foi comunicar ao apitador a oportuna decisão.

“De jeito algum”, respondeu sua senhoria. “O segundo tempo deverá ser jogado no campo em que foi jogado o primeiro”.
Impasse formado, a torcida já cercando o balcão do bar, Zé Moreno avisou, dedo em riste:

– Se tu queres apitar, tu apita, se tu não queres nós vamos jogar assim mesmo. Mas não esquece que se tu não apitar, não vai ter pra tua cervejinha.

E mandou João Salgado, o dono da birosca, parar de servir o recalcitrante árbitro.

Diante da odiosa e iminente lei seca, Tonho aceitou a incumbência. Assim, debaixo do temporal, mas com a bola em condições de quicar, foi jogado o segundo tempo na banda de cima.

Problema maior aconteceu depois do jogo, enfim empatado em 1 x 1. O juiz notificou à liga, com argumentos sólidos, pedindo anulação da partida. Eis as razões: ele mesmo não poderia dizer quem tinha sido o mandante, com o que não poderia preencher a súmula discriminando mandante e visitante. Quem tinha sido o quê? Além disso, o imbróglio iria bagunçar a tabela do segundo turno. Em que campo o jogo seria disputado?

O impasse parecia sem solução. Mas não seria assim na liga de Santo Amaro, graças ao presidente Ascripa da Borracharia. Por sua determinação, o primeiro tempo do jogo do returno seria jogado no campo do Colorido, com o segundo no campo de baixo, o do Reduto. Como de fato ocorreu.

Resumo da história é que não existe no futebol registro de qualquer jogo que tenha sido marcado para dois estádios na mesma ocasião. Mas um Reduto x Colorido é capaz de gerar fatos tão insólitos quando aquele.

O jogo terminou 2 x 2. O Colorido perdeu em seu campo por 1 x 2, mas venceu na casa do Reduto por 1 x 0. Decisão salomônica, a do presidente Ascripa, por isso mesmo respeitado por todos – e não só pelas manzorras de quem levanta pneus de caminhão todos os dias.

“Ascripa tem as artes da sabedoria enfiadas na cachola”, não cansam de repetir os adeptos dos dois tricolores no bar do João Salgado. Não há quem possa discordar.

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *