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ECONOMIA

Cochilo no expediente: 1 em cada 3 funcionários admite já ter dormido no trabalho, diz levantamento

19/04/2025

estadão

Levantamento obtido com exclusividade pelo Estadão, parceiro do HojePR, mostra que 34% dos profissionais entrevistados cochilaram durante o horário de trabalho pelo menos uma vez no último ano. Os dados são da plataforma global de empregos Indeed. O hábito ainda envolve tabus e pode gerar problema quando acontece fora do intervalo ou sem o aval da empresa, alertam especialistas.

O levantamento, realizado em janeiro deste ano via plataforma online, ouviu de forma anônima mais de mil profissionais brasileiros que atuam em modelos de trabalho remoto, híbrido e presencial.

Entre os que admitiram cochilar durante o expediente, 41% são da geração Z, seguidos por 31% de millennials, 30% da geração X e 28% dos baby boomers.

Segundo Lucas Rizzardo, diretor de vendas do Indeed no Brasil e responsável pela análise dos dados, os mais jovens são mais flexíveis quanto aos horários, enquanto os mais experientes tendem a valorizar a rotina tradicional, conforme aponta o levantamento.

Para identificar sonecas durante o expediente, algumas empresas têm investido em tecnologias que ajudam a mapear a produtividade dos colaboradores, aponta Rizzardo. Um exemplo são os softwares que monitoram a quantidade e a duração das ligações feitas por funcionário.

O gerenciamento, reforça o especialista, precisa ser estratégico e por meio de ferramentas para que não se torne um microgerenciamento (termo que define controle excessivo das atividades feitas pelos colaboradores). O foco deve ser principalmente em posições de entrada, áreas de atendimento e no modelo home office.

Soneca é recomendada, mas exige planejamento

A privação de sono costuma afetar com mais intensidade profissionais que atuam em turnos, como médicos, enfermeiros, operários da construção civil e trabalhadores da indústria, sugere a especialista do sono nas empresas Thábita Maganete.

Diante deste contexto, ela ressalta que a saúde do sono ainda é um tabu nas organizações brasileiras. “A discussão tardia pode estar relacionada ao fato de os estudos sobre o tema serem relativamente recentes”, afirma.

“Quando falamos de sono, precisamos considerar nossa relação com as 24 horas do dia. No Brasil, muitas pessoas acordam por volta das 5h da manhã e só retornam para casa às 23h. Dentro desse estilo de vida, há uma privação do sono”, ressalta Maganete.

Por isso, o cochilo durante o dia é oportuno para quem não consegue cumprir o ciclo de sono noturno. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que adultos durmam entre 7 e 8 horas por noite.

Segundo a especialista, cochilos planejados contribuem para a consolidação da memória, o fortalecimento do sistema imunológico e a prevenção de doenças. “Durante a soneca, temos uma recuperação significativa em relação à memória do trabalho. O cérebro responde muito bem. Mas não podemos estender o tempo do cochilo”, diz.

O cochilo ideal deve ser incorporado à rotina da seguinte forma:

• Duração: 15 a 20 minutos
• Horário: entre 13h e 15h

É permitido cochilar fora do horário de descanso?

Embora os benefícios da soneca sejam unanimidade entre especialistas do sono, o controle da prática no ambiente de trabalho pode ser difícil, principalmente no formato remoto.

É o que destaca a especialista em RH, Roberta Rosenburg. Ela aponta que o modelo presencial torna-se mais fácil para gerenciar cochilos porque requer espaços adequados e autorização para que o descanso não pareça desvio de conduta.

“Um dos principais obstáculos é a falta de referência no Brasil. A maioria das empresas não tem políticas formais sobre sono. Até mesmo nas organizações que oferecem salas de descompressão, como pufes, jogos e iluminação baixa, não há incentivo direto ao cochilo nesses espaços”, avalia a especialista. “O que não dá para tolerar é quando o empregador está pagando salário, com carteira assinada e jornada de 8 horas, e o profissional, fora do horário de intervalo, está cochilando ou descansando sem nada estabelecido. É quando surge um problema. E como o RH lida com isso? Com diálogo”, completa.

Na visão de Rosenburg, o primeiro passo para quebrar o gelo sobre o assunto é abrir espaço para conversas com colaboradores e líderes, além de diferenciar controle de produtividade.

Outra alternativa é um acordo prévio com o gestor, inclusive se for para compensar em outro horário. Caso a pausa seja aprovada, o colaborador deve reorganizar a rotina sem comprometer a produtividade. A especialista orienta que os intervalos usados para tomar café, por exemplo, podem ser substituídos por um cochilo.

“Em vez de usar esse tempo navegando nas redes sociais, o que pode gerar mais cansaço mental, o funcionário pode estar realmente descansando. Por isso, do ponto de vista do RH, é fundamental abrir esse diálogo, principalmente com os líderes”, diz a especialista.

Uma vez que a conversa seja estabelecida, os gestores devem reconhecer o papel do cochilo para o aumento de desempenho.

Por outro lado, o ônus da empresa é assumir o risco de que alguém ultrapasse o tempo combinado de descanso, pondera a especialista Thábita Maganete. “Para qualquer benefício oferecido para um funcionário, há riscos.”

O plano de estratégia exige que a empresa analise as seguintes questões:

• Como vou oferecer esse benefício?
• Em que momento?
• Quem poderá participar?

Em seguida, é necessário mapear as áreas mais vulneráveis antes de expandir para o restante da empresa. A etapa seguinte consiste em medir a eficácia do programa.

“Quando a empresa consegue fazer esse acompanhamento, ganha base sólida para descartar ou ampliar a política, com dados concretos e resultados mensuráveis”, avalia Maganete.

Empresária criou manifesto em prol do descanso nas empresas

A empresária Thais Fabris também sugere acompanhar pesquisas de clima e mensurar dados sobre turnover e afastamentos para adoção de cochilos no trabalho. Ela é cofundadora do Direitos Descansistas, manifesto criado em 2022 que reivindica o descanso como um direito coletivo.

Desde então, Fabris realiza palestras em organizações brasileiras para propagar mudanças institucionais que garantam pausas na jornada de trabalho. Para ela, o grande obstáculo é o que chama de cultura do sacrifício.

“O Brasil tem uma herança que enxerga o trabalho como um sacrifício que deve ser feito, que não é para ser agradável. Quantas vezes escutamos: “Trabalhe duro”. É como se as longas jornadas e o trabalho exaustivo fossem sinônimos de produtividade. Mas uma coisa não está ligada à outra”, diz Thais Fabris.

Assim como Rosenburg e Maganete, a empresária descansista defende que a maneira mais efetiva de incorporar o cochilo nas empresas é adotar a prática como benefício no pacote de bem-estar.

No presencial, orienta criar espaços como salas de cochilo ou meditação. Já no remoto, sugere que vale permitir time off sem justificativa. “Podem ser 15 minutos entre um bloco de reuniões.”

Para líderes que planejam trazer o tema à tona, é importante chegar à diretoria munido de dados e cases onde a proposta deu certo. Ela não recomenda que colaboradores puxem a conversa.

Fabris relembra que a CLT já prevê o direito ao descanso como parte das relações de trabalho. Ela afirma que, apesar de muitas empresas oferecerem o intervalo previsto por lei de forma corrida (como 1 ou 2 horas para o almoço), a legislação não impede que seja fracionado.

“É possível pensar em modelos mais flexíveis, como dividir esse tempo ao longo do dia: por exemplo, 30 minutos pela manhã, 1 hora de almoço e mais 30 minutos à tarde. Assim dá para viabilizar pausas estratégicas, como um cochilo”, resume.

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