“O intuito desse texto é ajudar pessoas”.
Já falei pra vocês que sempre fui esquisita. Ninguém sabia o que eu tinha porque nos anos 60 a psiquiatria ainda engatinhava. Curso de psicologia nem existia. Lembro que a primeira turma foi de um vizinho que morava aqui no prédio.
Hoje muitos transtornos mentais são diagnosticados e há protocolos e linhas de tratamento a seguir para TOC, Bipolaridade, Borderline, Transtornos de Personalidade, TEA,…
Mas não vou dizer que atualmente é uma maravilha.
A medicina ainda evoluiu devagar nessa área comparada a outras, pelo menos na minha sincera opinião.
Remédios psicoticos já existem e cada vez evoluem mais porém provocam ainda muitos efeitos colaterais ruins( um engorda muito, outro cai o cabelo, outro dá impotência, frigidez, e assim vai)…
Estas doenças mentais todas ocorriam também no passado, sem nomenclatura, com a diferença de que ninguém sabia do que se tratava… e nem de como se tratava.
De uma forma geral ou se era “normal”, ou se era “esquisito” ou “louco-varrido”.
Eu tava na classificação “esquisita”. Sentia que era diferente das outras crianças.
Ficava nervosa com qualquer coisa, irritadiça, descontrolava e chorava muito, choros que se estendiam por horas, quando eu já tinha até esquecido o motivo que me levou aos prantos…
Explodia por pouca coisa, bastava meu irmão morder uma maçã e aquele barulhinho já deflagrava um curto circuito emocional .
Era também muito ligada no meu pai, sentia saudades exageradas ao ter que me separar dele para ir à escola.
Demorei a engatar no colégio, só depois dos 7 anos.
Por outro lado, era também alegre, inteligente, curiosa, disposta, criativa. Nunca tinha preguiça de nada, liderava brincadeiras, cheia de ideias e imaginação.
E assim fui indo, muito bem na escola, brincadeiras com os primos, mas no restante começou a desandar a partir da adolescência.
A partir daí foi às cambalhotas. Rodeada de amigas, alguns paqueras mas sempre desorganizada emocionalmente. E isso já se refletiu nos primeiros relacionamentos amorosos.
Quando conheci meu marido, já com 28 anos, vindo de outra cidade e de outro mundo, decidi deixar o passado para trás e iniciar uma nova vida.
De fato consegui. Fui mãe e esposa dedicada. Nessa ordem. Com TOC e tudo. E como ele aguentou? Nem eu sei. Penso que as crianças foram sempre a maior preocupação dele.
Por isso, entre momentos de crises, intercalados com períodos de arrependimento e pouca calmaria, devo confessar que meu marido foi um herói.
E tenho que admitir que fui uma mãe dedicada acima de tudo. Dedicada e manipuladora.
Meus filhos sofreram com a mãe obcessiva, principalmente a primeira filha.
A segunda absorveu com pouco impacto e o terceiro impacto intermediário para pouco.
E pela Graça de Deus, e só por Ele, todos se tornaram pessoas maravilhosas.
Não falo por ser mãe coruja, é porque ouço dos que os conhecem. Sinal de que nem tudo foi erro.
Lembro também que fui diagnosticada com o TOC quando já era casada. A Lúcia tinha uns 10 anos.
E lembro como o médico ficou impressionado pois já conhecia toda a teoria da “nova” doença mas de repente estava frente a frente com um caso “rico” e muito característico. Nunca tinha se deparado a um paciente com TOC assim.
Era o Dr Luiz Gonzaga da Motta Ribeiro Filho. Um grande psiquiatra que faleceu em acidente de automóvel.
E enfim, com nome e diagnóstico firmado: TOC (Transtorno Obsessivo compulsivo) a partir daí nunca achei que teria algum transtorno a mais. Já era mais que suficiente.
Mas veio um transtorno de personalidade ainda mais nocivo e devastador para os que conviviam comigo:
Transtorno de Personalidade Borderline
Minha filha mais velha foi quem me diagnosticou com “Borderline”. Isso aconteceu mais tarde, quando ela já era médica
E o tempo passou , filhos construiram suas próprias vidas.
Escrevo publicamente para que outras pessoas saibam, entendam os seus em situações semelhantes.
TOC e Borderline.
Tanto uma quanto a outra tem nomes até meio chiques, o que erroneamente disfarça a letalidade e o mal que causam aos que convivem e a si próprios.
Acho até injusto uma nomenclatura tão branda comparada às outras doenças mentais, sendo os pacientes bem mais estigmatizados, como por exemplo:
– Quem tem esquizofrenia é esquizofrênico. Isso já é quase um xingamento.
O psicopata, além da doença em si, carrega o estigma de já ser uma pessoa perigosa
Já quem tem “Borderline”, os portadores são chamados de “Borders”. É até simpático.
E quem tem TOC, parece ser até uma característica positiva, porque muita gente até gosta de dizer que tem TOC com limpeza, que arruma tudo milimetricamente no lugar, que confere se o gás e a porta e as torneiras estão desligadas várias vezes e tem nos armários, as camisetas separados por cores, etc.
Bem no fim, o sujeito passa a ideia que é super organizado e cuidadoso. Quem dera fosse isso!
Mas não é assim. Os dois são distúrbios incuráveis porém hoje tem alguns sintomas controláveis “até certo ponto” – com medicação e terapia.
Vou exemplificar uma situação, das incontáveis que se repetiam diariamente durante todos os segundos do dia. Todos os segundos mesmo e não estou aumentando.
Nas aulas, de todas as matérias, as crianças iniciavam escrevendo o bendito cabeçalho: – Curitiba, dia tal, mês tal, do ano tal.
E isso era bem assim nos colégios: Todo dia, toda santa aula.
E com minhas loucuras, não tinha sossego:
– Nunca pude escrever “CU”ritiba em paz. Nenhuma vez na vida! Nenhuminha…
Por dois motivos: Primeiro por causa do TOC, que me obrigava a escrever e apagar inúmeras vezes cada palavra, porque é assim que funciona.
Mas também tinha um outro problema: Curitiba tem a sílaba “CU”.
Esse palavrão ficava se repetindo na minha cabeça e tudo que eu pensava ou vinha na minha cabeça era “CU”.
E quanto mais eu tentava afastar um pensamento, mais ele tomava conta.
A professora era “CU”, as amigas eram “CU”, a mãe, o pai, irmãos eram “CU”, e até Nossa Senhora e todos os Santos que eram as pessoas que mais eu queria respeitar e eram tão sagradas, acabavam sendo o alvo.
Até Jesus Cristo não escapava. E mesmo procurando ao máximo respeitar a Sagrada Família, sentia remorsos porque achava que estava xingando Jesus o tempo todo.
E o TOC é assim, ele incute um pensamento na tua cabeça e aquilo passa a ser uma verdade absoluta.
E você passa a viver refém e só lutando para tirar aquele pensamento macabro.
Sempre são coisas que relacionam Igreja, religião, morte de mãe, pai, filhos,…
E dá-lhe penitências: 50 ave-marias e 10 pai-nossos sem nem um pensamento ruim desses palavrões. Impossível. E a cada tentativa frustrada, tinha que recomeçar , e recomeçar, sem nunca conseguir.
Achava que era exorcizada. Passou o filme “O Exorcista” e achava que era a protagonista: Linda Blair.
E isso era só o começo de uma derrota sem fim. Não podia escrever palavras que continuam a letra “m” e nem a letra “p”. E depois também com a letra “f” e “b”. E depois com “c”.
E nem rezar porque a própria reza , por exemplo: o Pai Nosso, já começava com “p”.
“P” de p-u-t-a e de coisas muito piores. Daí Nossa Senhora, minha mãe , todos eram “p…”.
Santificado seja o vosso…. aí eu pegava o “f” da palavra santificado e tudo era esse palavrão que começa com “f”.
Gente, coisa de maluco total.
Lutava interminantemente dia e noite contra pensamentos que ofendiam a Cristo e Maria, a Deus, os Santos.
E com o tempo fui aprendendo novos palavrões que inundavam minha cabeça e fazia essas combinações malucas.
Depois fazia associações de palavrões com imagens de igrejas, quadros de Santa Ceia, bíblias e crucifixos que tinham em salas de aula, em repartições públicas, em tudo.
Tinha uma bússola em minha cabeça que conhecia a direção de todas as torres de igrejas de Curitiba (o fato de morar no último andar de um prédio no Alto da XV permitia essa visão privilegiada.
E não podia ir ao banheiro sentar na patente para fazer as necessidades com o bumbum virado em direção a uma dessas torres de igrejas.
Era o fim! Não havia posição para sentar no vaso e chegava a segurar o xixi e cocô até o limite, evitando ir ao banheiro.
Na adolescência fui proibida por um psiquiatra e até pelo meu pai de ir a igrejas. Mas quem me segurava?
E ficava exaurida só tentando extirpar esses pensamentos, sem nunca conseguir.
Dormia de exaustão.
Misturava tudo na cabeça. DEMAIS! Desde muito cedo tinha uma religiosidade muito forte e tudo estava ligado à religião, pecado, culpa, castigo e MORTE!
E tudo que eu pensasse ou agisse de mal, o castigo seria a morte. A morte do meu pai ou da minha mãe.
Era o que eu mais temia e tinha certeza que merecia com esses pensamentos.
Chegava a fazer xixi na calça de desespero de não conseguir afastar esses pensamentos, tanto no colégio como em casa.
Parecia um liquidificador ligado na cabeça com mil pensamentos nada a ver.
E tudo estava relacionado à culpa de pensar assim, que atrairiam mortes e para evitar eu tinha que fazer penitências. E as penitências eram o meu viver.
Não tinha fim e o fato de estudar em colégio de freiras, onde toda sala tinha crucifixo e imagens religiosas nos corredores, só acentuava o processo. E depois que cresci havia imagens de Santos e crucifixos em bancos, bibliotecas e em todos os lugares.
E aqui estou. Com TOC e BORDERLINE + REMÉDIOS diários que tomo.
… e vida que segue porque sei que entre altos e baixos, não vou morrer disso. Mas com isso!
Mas fica o alerta porque muitos jovens morrem. Borderline é uma das maiores causas de suicidio.
E essa semana, tomei conhecimento de uma pessoa borderline que se foi. Muito mais jovem do que eu.
Era espetacular, tudo que ela tocava transformava com seu talento, sua criatividade. Parecia uma fada com sua varinha de condão. Lançou-se do 6 andar.
A foto foi agora na virada do ano!
Leia outras colunas da Karin Romanó aqui.
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Que dureza, mas ainda bem que hoje em dia temos opções de amenizar esse sofrimento.